quinta-feira, 25 de dezembro de 2003

ABL: Academia Brasileira de Lamentações

Em um futuro próximo alguém irá abordar em sua tese de doutorado a influência da revista CARAS no Brasil da virada de século. Sério! São tantas as áreas de nossa sociedade e suas representações que olhamos e logo vaticinamos: "Putz, isso é muito revista CARAS!". Hoje vou falar de uma dessas situações pitorescas, como a que vem acontecendo com a Academia Brasileira de Letras faz tempo.

É doloroso, para isso, ter que lembrar como surgiu a Academia. Ela foi idealizada por ninguém menos que o maior escritor brasileiro de todos os tempos, Machado de Assis. Observem suas palavras em 7 de dezembro de 1897:

"A Academia, trabalhando pelo conhecimento [...], buscará ser, com o tempo, a guarda da nossa língua. Caber-lhe-á então defendê-la daquilo que não venha das fontes legítimas, - o povo e os escritores, - não confundindo a moda, que perece, com o moderno, que vivifica. Guardar não é impor; nenhum de vós tem para si que a Academia decrete fórmulas. E depois, para guardar uma língua, é preciso que ela se guarde também a si mesma, e o melhor dos processos é ainda a composição e a conservação de obras clássicas."

E a tradição da ABL começou assim, com os escritores que hoje estudamos (ainda que apenas em época de Vestibular) tendo conquistado seu espaço atendendo ao objetivo firmado por Machado de Assis e seus contemporâneos. Diante disso, é impossível olhar a Academia atual e achar que ela continua na missão dada por seus fundadores. É só pensar um pouquinho sobre os recém-eleitos (e até mesmo alguns antigos) pra chegar a essa conclusão.

Marco Maciel: ex-vice-presidente por 2 vezes consecutivas, político experiente de Pernambuco, ocupa hoje a vaga que foi de Roberto Marinho. Que livros Maciel escreveu? Que dedicação ele teve para a guarda da nossa língua, defendendo-a do que não vem de fontes legítimas? Se assim aconteceu, o foi de forma bem discreta e sem alcance nacional. Então, por que ser um imortal da Academia BRASILEIRA de Letras?

O mesmo para Ivo Pitanguy. O que um cirurgião plástico, ainda que de renome internacional, faz na Academia Brasileira... de LETRAS? Em seu currículo no site da ABL, são citadas mais de 800 obras especializadas na área médica, traduzidas para vários países... E pela nossa língua? O que ele fez? Alguém aí sabe?

O caso de Paulo Coelho também destaca-se. É o escritor da moda, não há dúvida. São milhões de livros vendidos no mundo inteiro, o "Alquimista" já está virando filme de Hollywood, o outrora bruxo hoje é grande escritor competindo em cifras com o aprendiz Harry Potter. Ironicamente, muitos que abraçaram a leitura desde criança (que são em número bem menor que os aficcionados pela onda do momento) não gostam das letras de Paulo Coelho. E Machado dizia: a Academia deve defender a língua "não confundindo a moda, que perece, com o moderno, que vivifica". E lá está Paulo Coelho, imortalíssimo.

Ao contrário dos imortais acima, os demais não são tão conhecidos. Ao menos, nunca apareceram em qualquer revista CARAS. Por que será? Sem contar que as eleições para a ABL, de uns tempos pra cá, viraram show, coisa de palpiteiro e de gente se auto-candidatando sem a menor vergonha na cara. Jô Soares foi um deles, lembra? E olha que ele fez isso entrevistando a então presidente da ABL, Nélida Piñon! Isso é muito revista CARAS...

Infelizmente, não é apenas isso que me entristece ao ver a situação atual da ABL. Recentemente, no seminário "Jornalismo e Literatura", não foram poucos os lamentos sobre a situação educacional do Brasil. Que ainda há muitos analfabetos, que não há tantos leitores na mesma proporção da venda de livros, que os Governos estão deixando a desejar nessa prioridade. Só não dá pra pensar que a ABL nada tem a ver com isso. Em vez de aproveitarem o exemplo dado na ditadura pela Ordem dos Advogados do Brasil e pela Associação Brasileira de Imprensa - que eram a consciência crítica da sociedade, atuantes nacionalmente a respeito das questões de suas respectivas áreas - a Academia Brasleira de Letras prefere lamentar. Ou pior, prefere aparecer nos jornais e para o contexto social ao qual pertence como uma fogueira das vaidades cada vez mais pitoresca.

É uma escolha que os acadêmicos atuais estão fazendo. Ainda que não votem em nomes que nada tem a ver com o ideal de Machado, não têm se pronunciado como devido para impedir o pior: a descaracterização da Academia. Não se sabe mais que Letras querem defender, afinal.