sábado, 27 de novembro de 2004

Nossos rumos em nossas entrelinhas

Pra lá. Pra cá. Upa, quase que ela cai! Sai do balanço, corre pra jogar a bola, o pai sempre perto, pra brincar junto e dar segurança. Riso fácil e farto, naquela espontaneidade de quem acorda e é sempre feriado. Pés descalços, pois ali é lugar santo, fase santa da vida chamada infância. Recompensa da vida chamada paternidade.

Tirai da minha frente os estereótipos míticos desse tema. Quero ter a percepção pura e simples, pro resto da vida, do que é curtir o filho (ou a filha). Estou sentado lendo algo distante de tudo isso, rascunhava outras linhas igualmente remotas, quando fui capturado pela cena. Um balanço, uma bola atirada pra lá e pra cá, nenhuma fala. Apenas satisfação legendada subjetivamente.

Vez por outra eles me olham, e preciso disfarçar. Volto a escrever sobre o que os dois me proporcionam, mas a tinta do coração vai secando e preciso olhar de novo. Paro, olho em volta, ouço o forró da Feira de São Cristóvão, o pagode de turistas gaúchos do outro lado da rua, encaro o dominó de uns caras mal-encarados. E retorno à paternidade expressa em viva vida.

A mãe chega e vira figurante do espetáculo promovido por pai e filha. Quase espectadora, sorri, como eu faço por dentro. Resolve também participar das brincadeiras e aí está, idilicamente, o exemplo de família feliz. Óbvio que não os conheço nem sei seus problemas, particularidades, defeitos, frustrações e demais chamados realísticos. Mas sou grato por me permitirem esses caprichos da imaginação em perspectiva.

Eles vão embora, cansados de tanta plenitude. Aproveitaram o feriado, e eu também. Fui acolhido temporariamente por aquela família, principalmente pela filha e seu pai, que me encorajaram a um dia fazer o mesmo. Nesse 15 de novembro proclamei a República Hereditária em meus sonhos. Pegando em armas genéticas, quimicamente misturadas em amor, projetando meu futuro que já começou naqueles instantes.

quarta-feira, 10 de novembro de 2004

A cruz da questão

- Evangélica, eu? Deus me livre!

O que não faz muito tempo seria uma curiosa contradição, nas palavras da cobradora do ônibus parecia lógico. Ainda mais diante dos exemplos de "gente de Deus" conhecidos publicamente. O evangélico Bush, reeleito para seguir com seus genocídios a bel-prazer. A evangélica família Garotinho, cometendo todos os possíveis e prováveis crimes eleitorais. Os evangélicos bispos-parlamentares envolvidos em corrupções sacrílegas para a nação. A bancada evangélica no Congresso, insípido sal, verdadeira mesma farinha. Desse jeito...

Desse jeito sinto-me deslocado sabendo que estou onde devo estar. Que a despeito dos exemplos na mídia, carregados de má fama, faço parte desse grupo. O IBGE me classifica sem meio-termo: evangélico. Sou e me espanto com o quadro acima, incluindo a ofendida resposta da cobradora. Sinto-me estranho, por perceber que pertenço a um grupo que parece cada vez mais distante de sua origem, o Evangelho. E tremendamente constrangido quando figuras do tipo dizem que falam em meu nome.

Cientistas sociais, antropólogos, teólogos, pesquisadores de religião. Todos eles, vez por outra, surgem para explicar o "fenômeno evangélico brasileiro". Um crescimento populacional que já chega a 30% dos 180 milhões. Estou vendo de perto, estou lá dentro. O assunto não sai da moda, pois viramos nicho de mercado, peso político, massa de manobra.

Mas o incômodo surge porque, de fato, não tenho voz, vez, representação, nada. Nem eu nem boa parte de meus companheiros de jornada, pois fugimos do rótulo de "religiosos" como o diabo da cruz. Muitos de nós (que não aparecem na mídia) não se identificam nem um pouco com esses ditos representantes. Somos críticos, discordamos da práxis e percebemos, melhor do que quaisquer outros, o oportunismo flagrante a respeito de coisas tão sérias e profundas como a palavra de Deus.

Pior: flagra-se a distância de Cristo. Se tento, junto a meus irmãos de caminhada, buscar um compromisso fiel com Aquele que um dia nos alcançou nas entranhas, sem convencimento argumentativo ou propostas de prosperidade, não é nos públicos pseudo-expoentes da fé cristã que encontro exemplos a seguir. É preciso que isso seja dito. Eles estão sozinhos, ainda que com uma cega multidão os elegendo aqui e ali. Estão todos sozinhos, sem perceber. Sem perceber que, quando se fez homem, o próprio Jesus fez diferença (pra melhor), e que nunca coadunou com os poderosos de seu tempo em troca de benesses para sua causa, nunca se alienou de seu contexto social. Nunca.

É esse Jesus que eu e muitos amigos seguimos, e que fique bem claro, bem público, bem conhecido aos que me lêem. Que é o genuíno Jesus, que não negociava valores do reino de Deus por nada desse mundo, que é motivado por amor para transformar os corações, que deixou sua Palavra - a Bíblia - para ser instrumento de cura e não de lei implacável. Que seria crucificado novamente por Bush e cia.

Não serei conivente com esses auto-proclamantes evangélicos. Não dá pra ficar calado, consentindo. E não me orgulho de ser religioso, protestante, evangélico, crente ou qualquer outro carimbo socio-ideológico onde queiram me enquadrar. Sou cidadão do mundo, antenado na vida, pés no chão, olhando para o Alto, procurando compartilhar a todos, por todos os meios possíveis, o que preenche nossa existência com significado pessoal e ad eternum. Sabendo de minhas limitações, mas certo de quem é, de fato, o Todo-Poderoso de Todos os Tempos. E que Ele se achega de maneira mais simples do que podemos imaginar.

domingo, 24 de outubro de 2004

Exílio

Minha casa está em obras, e dela não posso sair. Desejava morar num "abrigo temporário" até que a poeira baixasse de maneira literal, mas não dá. Preciso habitar no canteiro enquanto as metamorfoses do concreto avassalam. Enquanto isso, me teletransporto para depois do AI-5 e sinto todos os paladares do exílio. Em meu próprio quarto.

O quarto foi o primeiro na ordem artificial das coisas. Quebra-quebra, pintura, crescimento demográfico e reorganização social (volto a dividi-lo com minha irmã), novos componentes móveis, novo quarto. Meses se foram e agora me deleito no melhor momento de qualquer obra: quando ela já acabou.

Acontece que obra é coelho insaciável, já procria naturalmente e ainda recebe "Viagra" dos patrocinadores. Findos a sala, o outro quarto e a cozinha, é hora de brotar uma suíte e um escritório, lápides do quarto de empregada (que Deus o tenha, porque empregada mesmo nunca tivemos). Evoque-se Tim Maia, o que eu quero é sossego. Vá embora, não me amola, boa obra. Mas ela não vai. A furadeira na trincheira, o seguidor martelo e barulho, muito barulho. Poeira, muita poeira. Amargor, muito amargor.

Meu quarto é meu refúgio. Quase tudo o que preciso para minha sobrevivência cultural está lá. Tento interagir com a sala e a TV, com sofrer chego ao banheiro e à cozinha. É difícil. Por toda a casa, apenas o idioma da desordem (que precede o tal deleite que já falei, me chantageando sem piedade) e da poeira. Muita poeira.

É demais pra minha alergia. As portas do meu quarto são fechadas com força. À força. Lacro-me de todo o resto da casa e ao trazer o prato do almoço para a escrivaninha dos meus papéis, percebo o óbvio terrível: estou exilado. Em meu próprio quarto, em minha própria casa, em meio a minha família. Exílio irônico, que só podia acontecer comigo, refém predileto da mordaz ironia.

Quase choro de saudades da minha terra, que vai se transformando - e ainda que me permita testemunhar sua mutação, isso não me satisfaz. Estou preso a ela, paradoxalmente quero ir embora e não posso. Meu exílio é tão imóvel quanto minha casa. E tão destruidor quanto os de 40 anos atrás. Quero voltar, mas nem fui! Nesse momento estou numa biblioteca a quilômetros do meu bairro, e me sinto mais à vontade do que em meu quarto.

Quero minha casa - meu campo. Onde eu possa rever a mim mesmo, meus livros, meus discos e tudo o mais. Anistia, ainda que tardia!

domingo, 17 de outubro de 2004

Fernando Sabino, tudo a declarar

"Não se escreve impunemente, seja qual for o assunto, pelo menos quando se trata de escrever sobre o que não sabemos, justamente para ficar sabendo e nos conhecermos melhor, como acontece comigo. (Fernando Sabino, "Com a graça de Deus")

Como acontece comigo.

Recebi a notícia mais triste de 2004 sem saber como recebê-la, o que me causou uma anestesia inicial involuntária. Escrevia uma bem-humorada esquete teatral e me preparava para o feriado de 12 de outubro. Não sabia que seria aniversário de Fernando Sabino. Seria.

Não me choquei, não me entristeci demais, não chorei, não fiquei indiferente. Apenas não sabia como ficar. Não sabia o que sentir. Não estava pronto para não estar pronto. O dia seguinte foi escolhido para devorar os obituários, relembrar tudo o que eu já sabia sobre meu "pai nas letras" e lamentar uma perda irreparável não só para a literatura brasileira como para mim. E vida que segue. Faz parte.

Dia 13 de outubro, caça em sebos. Seis livros clássicos de Sabino numa média de cinco reais cada, ótimo negócio. Não me senti mal por essa gana de completar minha coleção após sua morte. Só não queria correr o risco de perder a oportunidade para demais órfãos em busca do espólio intencionalmente deixado por Sabino. "Se não foi publicado então não presta", dizia ele, ao explicar porque desengavetava tudo quanto é manuscrito até os últimos momentos em vida.

Pensava eu que estava tudo nos conformes. Agora era só gravar a entrevista que ele deu a Roberto d'Ávila há sete anos (e que seria repetida oportunamente nessa semana) e pronto: meu trabalho como fã de carteirinha estava completo. Mas eu era muito mais que isso, e ele era muito mais que um ídolo ou um escritor a se admirar. Só que eu não sabia da profundidade de todas essas coisas até ler o trecho em epígrafe neste artigo.

Em meio à adolescência, ler Fernando Sabino mexia comigo em dois aspectos. O primeiro: com que simplicidade ele escreve sobre coisas simples, sem ser simplista! O segundo, e derradeiro encurralamento vocacional pro resto da vida: será que eu também consigo...? Não foi nenhum espírito pretensioso que se apossou de mim para fazer tal raciocínio. Nunca desejei suplantar Sabino em sua genialidade de cronista. Era apenas uma janela da alma, escancarada, que me permitia avistar a expressão que já vinha. Posso eu, como Sabino, narrar as curiosidades simples de meu cotidiano por meio da crônica, correndo até o risco de ficar bom? Era como se ele respondesse com outra pergunta: "por que você não tenta?".

E assim começava o meu diálogo filial com Sabino, sem nunca termos nos conhecido pessoalmente. Seus porta-vozes eram diretos (as crônicas que tiravam as palavras de minha boca, deixando-me estupefato) e indiretos, principalmente nas aulas de redação. A ponto de, após conseguir o grau máximo numa prova de até 30 linhas, receber ao lado da nota o lembrete: "Não precisa escrever igual a Fernando Sabino!". Era ele me lapidando, dizendo que até então eu não tinha criado nada: o cotidiano simplesmente acontecia e minha narrativa copiava a dele. "Seja escritor, garoto! Ao menos, tente com mais coragem!".

Então surge o luto. Enquanto escrevia sobre Fernando Sabino compreendi melhor o que aconteceu. Aconteceu que ele não está mais vivo, aconteceu que estou órfão, aconteceu que doeu. Como na epígrafe, agora me conheço melhor.

A identificação que havia entre eu e Fernando permite agora que eu o chame pelo primeiro nome. Como eu, parecia não censurar a si mesmo nas crônicas. Ele estava nelas, seja em primeira pessoa ou pessoa escondida, mas era ele. Era tudo dele, tudo ele. Eu também, Fernando. Que negócio é esse que se apodera da gente e não sossega enquanto não transformamos em escrita? Que nos convoca à personificação temperando com emoção vivida as letras frias no papel? Que espírito, que chamado, que coisa!

Mas Fernando, te ler agora é como receber seu seguro de vida. Uma grana que veio em boa hora, mas a que custo? A custo de seu desaparecimento? De seus livros terem agora somente reedições? De não poder mais conversar contigo por meio das suas crônicas e de meus artigos? Seguem em mim, Fernando Sabino, as marcas de seu exemplo, talento, capacidade de se desnudar literariamente a desconhecidos de todo o país, de seu recolhimento para que a obra fale mais alto, e pela gente. Não queremos ter cara, apenas veia aberta no papel.

Fernando, sem você e Drummond, não tenho mais isso. Mas o outro mineiro faleceu quando eu tinha apenas sete anos, bem antes de começar a escrever. E nunca fui muito de poesia, só me arrisquei nas crônicas. Como você. E você, Fernando, me acompanhou desde o início, sem saber. Agora me sinto sozinho, meio desamparado, tendo que seguir sem meu tutor no inescapável caminho das letras. Agora a ficha caiu, cinco dias após sua morte.

Você não está mais aqui, Fernando, então por que me dirijo a você? Talvez porque eu não conheça outra maneira de tornar pública a nossa cumplicidade privada, a não ser por essas palavras dolorosas, francas e desabafantes. Talvez por não ter buscado te dizer isso em vida - meu Deus, que dor.

Nunca houve (nem há) em mim a intenção de ser escritor ou de galgar condecorações humanas. Apenas o transitar da mente para o papel, via coração, vida elaborada, encontrando assim um dos significados de minha existência terrena. E foi Fernando Sabino quem me ensinou. A gratidão é eterna. O luto é denso. A saudade, permanente como uma estátua a homenageá-lo. A motivação para prosseguir escrevendo, tão vigorosa e sincera como minhas lágrimas de agora. A alegria de ser seu filho, renovadora como encontro marcado.

Fernando Sabino, predestinado a me predestinar para a escrita.



quinta-feira, 7 de outubro de 2004

Impopularidade autêntica e assumida

Meu mau humor me encoraja. É ele quem (com o perdão da expressão chula) me dá os "colhões" a mais que me permitem enfrentar com veemência e sem tanta reserva o que me incomoda. Só de ter escrito uma expressão dessas logo na segunda linha demonstra o que quero dizer.

Minha alergia me guia ao mau humor. A paciência se esgota na proporção do nível de poeira, da multiplicidade de espirros (que sugam minha energia) e nas inconvenientes e reincidentes corizas. Nenhum remédio parece fazer efeito, os lenços acabam antes do necessário. Sou tolhido de minhas necessidades básicas e importunado em relação a outras - concentração para ler, disposição para escrever - me levando de maneira inevitável ao mau humor.

De mau humor não admito que me atendam mal na lanchonete, e dou as costas para não pagar por um mau serviço. De mau humor não aceito o santinho de um político crápula, e se ele ali estivesse, diria na sua cara: "clientelista!". De mau humor, estar sozinho é estar mal acompanhado; acompanhado, é pessimamente acompanhado. De mau humor, o murmúrio é o idioma oficial, e reivindico involuntariamente um exílio justificável.

De mau humor não há mascaras, sejam as hipócritas ou as necessárias para um cotidiano bem educado. De mau humor minha cara se auto-define, e passem ao largo os discordantes. Assumir sem rodeios o que está sentindo no momento, numa "autenticidade em neón" com o risco de machucar. Essa é a encarnação da coragem que o mau humor me proporciona. Colhões.

De mau humor enumero meus inimigos mentalmente e da mesma forma realizo crueldades com eles. Normalmente eles merecem, mas meu senso piedoso sempre dá um jeito. A menos que eu esteja de mau humor. Imagino-me humilhando cada um deles com irrefutáveis argumentos, desconstruindo seus defeitos em público, e nem me passa pela cabeça que façam o mesmo comigo. O mau humor é insuportável para seu portador, por isso ele não vê outra escolha senão pseudo-atravancar os que pseudo-atravancam seu caminho. É democraticamente insensato, suicida e psicologicamente demolidor.

De mau humor eu não me agüento, e me agüentaria menos se não escrevesse sobre isso. De mau humor faço um texto mau-humorado como esse, sem me preocupar tanto com possíveis leitores. É preciso dormir e deixar o estopim alérgico arrefecer, para retornar de cara lisa com o diplomático teatro nosso de cada dia.

quinta-feira, 30 de setembro de 2004

Palavra!

"Há coisas que a palavra não alcança". A frase, dita por um professor da faculdade, não trazia uma idéia inédita para mim. Ainda assim, me impactou. Novamente. Ele falava de uma experiência física que viveu (foi lenhador por um dia!) e da dificuldade em traduzi-la para a linguagem, seja verbal ou escrita. Consegui captar o sentido daquela afirmação, e me incomodei.

Alguns amigos mais próximos conhecem minha estreita e intensa relação com as letras. Meus olhos as consomem democraticamente, minha curiosidade voraz suplanta qualquer preconceito. Leio tudo ou, ao menos, começo a ler.

Já minha relação com a escrita se dá de maneira mais sensorial, quase fisiológica. Pode parecer chavão, mas é verdade que nunca planejei escrever. Em certa hora da adolescência, o "hormônio da expressão" emergiu e demandou o compartilhar de meus processos interiores. O que fervilhava em minha mente, coração, enfim, em meu corpo, precisava se tornar público. Está aqui ratificado que o que falei não é chavão. Conheça-me: eu, em minha personalidade reservada e meio tímida, nunca pensaria em publicar algo. Mas foi o preço a ser pago, e até hoje recebo troco...

Tudo isso foi para se ter uma idéia de como a afirmação de meu professor me desconcertou. Se há coisas que a palavra não alcança, por um momento me senti descartável, sem função no mundo. E condenado à "morte". Se é pela escrita que consigo traduzir o que minha vocação pessoal exige, que fim me espera?

Bom, a aula era de Linguagens Não-Verbais, então não era tão catastrófico assim. De qualquer forma, chegaremos a um ponto em que a palavra não alcança? Sim. Em relação ao amor.

Lembro de uma cena do filme "Melhor é impossível" em que o personagem de Jack Nicholson (um escritor) está num fluxo de criação defronte ao computador, com a inspiração sendo cristalizada na tela do Word e um êxtase percorrendo toda a sua magnífica interpretação (não foi à toa que ganhou o Oscar). Ele vai concluir o parágrafo iluminado com a definição do amor: "O amor é..." TOC! TOC! TOC! Ele tenta ignorar as batidas na porta e prosseguir: "O amor é..." TOC! TOC! TOC! TOC! TOC! TOC! Exasperado, ele se levanta e já abre a porta "espinafrando" o personagem que cometera sacrilégio contra o ser escritor, berrando que aquele é o trabalho dele, que ele não pode ser interrompido assim etc e tal. Depois da briga, ele tenta retomar o êxtase, mas é tarde. Coito interrompido, iluminação apagada. Foi-se a definição do amor.

É isso. É impossível definir o amor. Adoramos as letras de Chico Buarque, Vinícius de Moraes e tantos outros poetas, mas o que admiramos mesmo é a maneira genial com que eles falam do amor e do que ele proporciona. Nenhum deles se atreve a dizer "o amor é...". Nem as figurinhas do "Amar é..." se atreviam: davam exemplos práticos da (suposta) expressão do amor. Mas nada que configurasse a definição do amor.

O amor é adjetivado, vivido, comparado em diversas fases dos relacionamentos, mas nunca definido. "Amor é isso, e ponto". Ponto, uma vírgula! Vá você ter a pretensão de definir o amor, pensando engavetá-lo para que lhe seja mais previsível e não saia da sua caixa de Pandora. O amor é. Aí sim, ponto. Ponto inicial. O reconhecimento dessa incapacidade de se definir o amor é o renovo supremo. São menos dores de cabeça, menos ilusões, menos frustrações, mais realidade e gozo.

Há coisas que a palavra não alcança. Lá está o amor, soberano, rindo de maneira nobre dos plebeus que insistem no empacotamento cognitivo/sensorial de sua essência. A própria Escritura diz que "Deus é amor", e não o contrário. O fato é que estamos com o foco errado. Em vez de nos maravilharmos com os imensos limites humanos, singulares toda vida, queremos surrupiar os mistérios eternos. Assim é a dança do amor, na qual pisamos no pé do parceiro freqüentemente. Com masoquismo.

quinta-feira, 23 de setembro de 2004

"Você está aqui!"

A opressão do consumo simbolizada pelo shopping me dava boas-vindas, com sorriso irônico. Que os funcionários não fiquem com a consciência pesada, mas é a cultura do lugar. Para que serve um shopping? Para compra e venda, nada além disso. Diversão? As pessoas se divertem comprando, outras ficam felizes vendendo. Cinemas (que vendem ingressos) são secundários, e o pretexto de encontrar amigos também está permeado pelo espírito consumista. Muitas críticas e apologias já foram feitas nesse aspecto, mas o objetivo aqui é constatar.

Ou melhor: contextualizar. Não vou analisar mentalidades, comportamentos, filosofias de vida. Fato é que estava no shopping, como tantas vezes estive (tanto que nem lembro o que eu fui fazer lá dessa vez. Talvez compras!). Precisei achar uma loja que não sabia onde ficava, e apelei para um objeto típico de shopping: o mapa do piso. Aquele em que as lojas viram centenas de quadradinhos coloridos, e que as portas, escadas rolantes, extintores e demais elementos do lugar viram desenhos achatados. Afinal, é um mapa!

Esses mapas são cada vez mais modernos, com animações em flash e design publicitário, pra ficarmos babando. Encarnam a tendência tecnológica de trazer para a ponta de nossos dedos o que era cinema de ficção científica até ano passado. Não sabia se brincava um pouco ou via logo onde era a loja. Lazer ou pragmatismo? Subjetividade ou objetividade? Estavam ali, piscando e languidamente se oferecendo a mim em forma de mapa de piso de shopping, questões com as quais nos deparamos todo dia.

Mas de tanta informação sobre a intimidade do shopping, qual seria a mais importante? Não só para aquele meu momento, mas de maneira atemporal? Nem pensei muito: era aquele pontinho vermelho com a histórica frase "Você está aqui".

É a informação mais importante de nossas vidas. De nada adianta o performático mapa se aquele pontinho vermelho e sua legenda não estiverem destacados. Se eu não sei onde estou, que referências adiantam? Que adianta saber aonde ir, seguir conselhos e direções, ouvir os mais experientes, conhecer os caminhos? Preciso saber onde estou.

E se me arrancam aquele pontinho? Um mapa flutuante judiando de meu desespero "desinformativo". Estou num limbo. Não quero isso, quero sentido (se possível, direção), quero significado ainda que seja impossível de percebê-lo em primeiro plano. Quero saber onde estou, é um direito tão elementar quanto o de ir e vir. Aliás, sem o primeiro não há o último.

Minha digitadora pessoal e secretária quando há negociação (minha irmã) quase capitulou ao perceber que um pontinho de mapa de shopping vira crônica. "Só você mesmo". Só eu mesmo? Só mesmo o pontinho. A exclamação que não me deixa perdido e me metaforiza todo, ela é a culpada. Exclamação universal, desconcertante de leitores-passantes-comprantes. Suprema ironia do shopping: nenhum dinheiro do mundo substitui a informação vital daquele pontinho. Rendamo-nos à simplicidade que ele insiste em nos ensinar.

terça-feira, 24 de agosto de 2004

A contribuição do leitor

Transcrevo aqui, com a devida autorização, os comentários da Louise sobre o artigo "O melhor do Brasil é a propaganda" que você pode ler rolando a tela. Jornalista e leitora assídua desse blog, ela mantém lá em cima o nível da formação de opinião que acontece por aqui. Acompanhe só:

"Sei não... Acho a discussão muito importante sim, porque precisamos sempre levantar questões e debater a realidade. Mas acho que esse ponto que vc pegou não deixa de ser uma crítica fácil. "Fácil" porque é a primeira coisa que nos vem à cabeça, a questão de os dois serem exemplos extra-ordinários. Só que:

1- Existem, sim, outros filmetes com histórias mais próximas do cidadão comum. Vi dois outro dia, em algum programa da Band, e são lindos. Só não sei porque ainda não estão sendo veiculados (aqui no Rio pelo menos);

2- Não vou cair na esparrela de desestimular a luta. A impressão que tive, quando li seu anti-penúltimo parágrafo, é a de que a gente tem mais é que querer que tudo se exploda. Que, porque existe tanta coisa errada à nossa volta, devemos desistir, porque nada vai mudar. Eu te conheço o suficiente para acreditar que não foi isso o que você quis dizer, mas pelo menos foi a sensação que tive quando li as bem-traçadas linhas. Ao mesmo tempo, acredito, profundamente, que sem exemplos ninguém tem estímulo para lutar, para melhorar. Ou será que teríamos tantos jovens revolucionários sem o Che altivo que hoje estampa camisetas? E esse é só um caso entre tantos, para o bem e para o mal (Gandhi, Hitler, John Lennon, Vargas...).

'Ah, mas esses comerciais não dizem nada disso'. Reconheço que os heróis que citei transformaram profundamente a sociedade, e que levaram a uma movimentação popular intensa, cada um a sua maneira. Mas, honestamente, não acho que comerciais se prestem a esse tipo de coisa. Cada veículo, cada mídia, tem o seu apelo e o seu propósito - e o da propaganda, que eu me lembre, é justamente te vender um produto. No caso, a idéia de que vale a pena correr atrás, mesmo quando tudo parece perdido. Nesse aspecto, o anúncio é irretocável. No entanto, esperar que ele abra um espaço para discussão, que estimule as pessoas a fazerem passeatas e piquetes por um salário mais justo... infelizmente não é a função do marketing (tanto quanto não é a função das faculdades ou da TVE estimular a futilidade do Big Brother).

Por isso tudo, concordo que uma parte da batalha diária dos brasileiros foi ignorada em detrimento do drama dos famosos (e nem vou entrar no mérito da discussão de se um famoso tem mais apelo - e impacto - perante à massa do que um desconhecido), mas não dá pra ignorar todo esse contexto na hora de analisar o comercial... E, por favor, tudo o que eu escrevi aqui é na melhor das intenções. Não quero brigar com você não, moço! :)"


Sei que não, Louise. Mas é muito bom alguém discordar com civilidade e na intenção de esclarecer sem interesses espúrios ou ressentimentos. Coisa tão em falta no nosso jornalismo atual.

terça-feira, 17 de agosto de 2004

Do verbete "forçação"

Escrevo esse artigo ao terceiro dia de Olimpíadas, ainda sem saber quando irei publicá-lo. Portanto, até o presente o momento, o Brasil não ganhou nenhuma medalha. Mas o que dizer das manchetes abaixo, todas de primeira página?

"Brasil bate recorde em Atenas - basquete feminino e natação alcançam marcas históricas nos Jogos"

"Brasil é tri na ginástica"

Para três dias de disputa, são feitos e tanto! Ávido pela chamada em letras grandes logo de cara, corro pra ver quantas medalhas nossos atletas já abocanharam. Começo a estranhar. Cada o texto que fala disso? Será que estou no caderno certo? Estou. Zero medalha. Mas do que falavam as manchetes, então?

O recorde do basquete: o maior número de pontos marcado no torneio feminino olímpico (128) e igualando a maior diferença entre duas equipes (o Japão fez apenas 62 pontos). O recorde da natação: Joanna Maranhão conseguiu o quinto lugar nos 400m medley e tornou-se a primeira brasileira a estar entre as oito melhores do mundo desde 1936. O "tri da ginástica" é o mais curioso: na verdade, são três atletas classificadas para a final do solo.

Empolgante...

Que os referidos atletas não me leiam para que não pensem que desqualifico todo o seu esforço. Mas pra que tanto alarde se o mais importante a se conquistar numa olimpíada - as medalhas - não foi alcançado ainda? Por que tanta euforia com tão pouco?

Bom, é preciso que compremos a idéia das Olimpíadas, em todos os sentidos. E como bem apontou Mino Carta na edição nº 303 de Carta Capital, fica bem escondida a humilhante situação brasileira na política esportiva. Um país com riquezas como as nossas e talentos em tudo quanto é modalidade, com mais de 180 milhões de habitantes... conseguir só 12 medalhas nos Jogos de Sidney-2000, por exemplo? Onde está o erro?

Provavelmente nos investimentos aquém do esperado no esporte brasileiro, que além de nos elevar à potência mundial nesse aspecto, ainda ajudariam a reduzir a desigualdade social com a inclusão profissional de milhares de jovens. Nossos atletas são os melhores do mundo, pois mesmo com os obtusos dirigentes e os obstáculos amadores e sócio-econômicos, conseguem levar o combalido Brasil aos lugares mais altos da competição. Não é por sobra de incentivo que isso acontece.

E os leitores são desinformados ao tentarem acompanhar o desempenho de nossa delegação. Afinal, as manchetes de primeira página criam uma grande expectativa, que é frustrada nas primeiras linhas da matéria. As suadas vitórias de nossos atletas começam então a ser banalizadas por menores resultados, eficazes apenas para que a cobertura diária das Olimpíadas pareça mais interessante do que não é.

O pior acontece: a imprensa esportiva do "oba-oba" (como tão bem classificou Fernando Calazans) diz sempre que o Brasil é um grande favorito para os Jogos; e os parcos resultados ao fim dos quinze dias de competição faz com que tenhamos raiva ou, no mínimo, desprezo por nossos atletas.

Vale então a cruel lógica que vigora por aqui: se não é campeão, de nada valeu, não interessa. Ora, quem é uma das maiores responsáveis para que essa lógica se perpetue de quatro em quatro anos? Aquela que a divulga de maneira incorreta, a tal imprensa do "oba-oba". Que obtém maiores sucessos na editoria onde a paixão fala mais alto que a razão, encarnada na universal figura do torcedor.

Esse tipo de cobertura é o que eu chamo de "forçação de barra". Verbete inexistente, contudo mais preciso e fiel que grande parte da cobertura esportiva brasileira.

quinta-feira, 12 de agosto de 2004

O melhor do Brasil é a propaganda

Quando o presidente da república disse que o povo estava carente de heróis, surfando na onda da campanha "O melhor do Brasil é o brasileiro", da Associação Brasileira de Anunciantes, foi aquela grita. Críticas e apologias invadiram os jornais. Cada colunista sentiu-se instigado com vara curta a replicar. Eu idem, mas a enxurrada de opiniões foi tamanha que me deixou inibido. Contudo é indiscutível o talento dos anunciantes tupiniquins: conseguiram que o líder da nação fosse seu garoto-propaganda, e de graça!!

Os colunistas em geral refletiram sobre a necessidade de se ter heróis, até que ponto isso é benéfico para a conscientização do povo, para a cidadania. E que tipo de herói? O assunto rendeu por vários dias. Mas só agora pude assistir na TV os filmes publicitários que narram a vida de Ronaldinho e Herbert Vianna como exemplos de brasileiros que não desistem. Como espectador e já distante da polêmica à época do lançamento da campanha, uma pulga despertou e ainda está lá, no cantinho da minha orelha.

Nos anúncios a trilha "Tente outra vez", de Raul Seixas, encaixa-se perfeitamente com as histórias dos heróis brasileiros. Elas são contadas por meio de manchetes de jornal e pequenos filmes mostrando o calvário do cantor e do jogador, até o fim apoteótico de sua recuperação e conseguinte vitória. Fechando, o slogan: "Eu sou brasileiro e não desisto nunca".

Não quero cair na insensibilidade cretina de relativizar o drama de Ronaldo e Herbert. Eles e suas famílias (muito mais que os fãs, muito mais que a imprensa) é que sabem da dor sofrida. Mas o slogan acaba tornando-se quase ofensivo para a grande massa de brasileiros que pretende alcançar. A questão aqui é a diferença de realidades.

E se Herbert Vianna, após socorrido do acidente, fosse levado a um hospital público? Se pegasse aquela longa fila onde só os baleados pela violência (em geral das áreas mais pobres) têm prioridade? Durante o período de reabilitação, Herbert ficou sem gravar ou fazer shows. Ou seja, parou de trabalhar, ficou desempregado. Ainda bem que tinha família, dinheiro investido, direitos autorais rendendo etc. E, claro, ficou com hospital e fisioterapeuta particulares.

E se Ronaldinho não fosse "o" Ronaldinho? Se ainda estivesse iniciando sua promissora carreira no São Cristóvão ou no Cruzeiro (seus primeiros times) e sofresse a grave contusão no joelho que o deixou dois anos parado? Também temporariamente desempregado. O clube arcaria com tudo? E sua família, que dele também dependia, seria assistida pelos responsáveis cartolas de nosso futebol brasileiro? Será que, após marcar aquela consulta no SUS, daria tempo de Ronaldinho começar a fazer fisioterapia e se recuperar, pro bem da seleção?

Para Ronaldinho e Herbert, com os recursos materiais que possuíam à época de seus terríveis problemas, fica fácil abrir aspas e dizer que é brasileiro e não desiste nunca. Aí está a ofensa: se a grande massa da população não tem como obter os mínimos direitos humanos básicos como saúde, educação e renda digna, a opção mais fácil sempre é desistir. Mesmo assim, ele prossegue. E vem uma campanha dessa e larga a palavra de ordem, quase uma bronca: se você é brasileiro, não desista, nunca. Disso ele já sabe...

Nas entrelinhas: não desista, apesar de seus governantes. Não desista, apesar da corrupção que suga o dinheiro público. Não desista, apesar dos inúmeros recursos que a justiça permite aos "peixões", ao contrário do preto-pobre-miserável-ladrão-tem-mais-é-que-morrer. Não desista, apesar de viver em condições sub-humanas, apesar de seu trabalho escravo, de seu salário-mínimo, de sua absoluta falta de opções para sobreviver a não ser resignar-se em ser explorado.

Uma campanha para levantar a auto-estima do brasileiro? Não da maioria. Da minoria, talvez? Então é um mimo, no final das contas. Um mimo para quem já tem o que precisa, é isso. Que ainda consome bastante, e esse não pode pensar em desistir, em deixar de gastar seu dinheiro em muita coisa vã. Afinal, é uma campanha da Associação Brasileira de Anunciantes!

É uma pena (mais uma!!!) que o presidente que mais conhece a realidade popular tenha protagonizado essa ofensa em cadeia nacional.

terça-feira, 20 de julho de 2004

Copacabana: O que é isso?
 
Eu não me sinto bem em Copacabana. Nossa, um carioca dizendo isso, o que vão pensar? Como não tenho nenhum destaque na cena nacional, fico mais à vontade para desabafar sobre o que o bairro mais famoso do Brasil me proporciona. De ruim.
 
Turistas proliferam-se, e em pouco tempo você ouve uns 3 idiomas que não o português. Natural, sendo o lugar mais propagandeado no mundo, junto a Ipanema e sua garota. Artificiais moradores, uma vez que são temporários, deslocando Copacabana do cenário nacional. Dentro da minha cidade, do meu país, me sinto expulso, quase exilado. Uma saudade de casa estando em casa, é estranho.
 
E há o barulho, muito barulho, como se vive ali? Só nos andares superiores dos prédios, individualizando-se do contato social ao fugir da poluição sonora. Mil ônibus a mil, multidão em eufemismo dominando a calçada. Calçada democrática, que abriga as melhores joalherias, academias e os meninos de rua e suas famílias, mais os doentes cuja única opção é esmolar para brasileiros e gringos. A gente, com pressa, não pode se deter. Não quer se deter, o que é pior. Sinto-me pior constatando isso.
 
Copacabana não tem "cara" de nada, tendo "cara" de tudo. Um prédio comercial e suas heterogêneas salas, as plurais lojas de rua, as mosaicas bancas de jornal com suas carnes lânguidas à mostra no bairro protagonizado por 70% de idosos. Um "mix" em cada esquina, transfigurante, indecifrável por quem passa. Que desconforto ao não encontrar refúgio em nada familiar, simples.
 
O que é, afinal, Copacabana? Não sei, não há como saber ou definir, e talvez seja isso que me incomode. Diante dessa incógnita social-geográfica, a gente não relaxa. Precisa ficar o tempo inteiro decifrando, a distração por aqui não passa, um desejo de estar num cantinho longe dali, com a pessoa amada, emerge.  A impessoalidade de Copa nos isola em conjunto.
 
Desculpem moradores e admiradores. Mas é uma impressão pessoal, produzindo opinião sensível, sincera, sensata. Copacabana hoje é mitologia, aquele lugar de honras a deuses e lendas melhores que a realidade, de passado esfuziante versus presente decepcionante. O lugar dos deuses não é lugar pra nós. Prefiro sumir, e rápido. 
 

quarta-feira, 23 de junho de 2004

A maior responsa!

Tenho 23 anos, mas acho que não é nada cativante a campanha para incentivar o voto aos 16 anos. Aliás, lanço a dúvida: por que podemos votar aos 16 mas não dirigir? Qual é a maior responsabilidade: decidir sobre os rumos de um carro ou de um país? (Lembro também que o voto após 65 anos também não é obrigatório. Porém é mais difícil fazer a cabeça de quem tem uma vida de experiências nas costas, né?)

"Fazer a cabeça" parece ser a expressão cabível. Não se explica a importância de se votar aos 16 anos, apenas larga-se o imperativo: vote aos 16! Começa aí a cultura de que o voto é um instrumento como outro qualquer, quando não é verdade. É único e incomparável, sempre subestimado na medida das conveniências dos que prosseguem em seus coronelismos adaptados Brasil afora.

Apenas vote! Por quê? Por que o voto é um instrumento de cidadania? Não se explica. Nem o fato de que o voto é muito mais uma conseqüência do processo político do que o início dele. O voto materializa nossas concepções e maturidades, é resultante do trato que queremos dar ao futuro da nação. Vote aos 16, dirija aos 18. O voto é o volante.

O arrependimento de cada eleitor é lícito, mas a teimosia alienada - que "esquece" os desvios de conduta dos representantes, que vê a corrupção com certa simpatia pela malandragem brasileira - é imperdoável e inconseqüente. Por isso fica muito fácil falar que são "os políticos", a "elite dominante" que não tira o país das constantes crises de confiança. Ali, em cada parlamento, está representada a sociedade brasileira. Cada comportamento e benefício adiquirido, cada personagem folclórico que abusa dos cofres públicos e arranca, no máximo, um sorriso de desdém irresponsável. Estamos todos ali. Merecemos esse sadomasoquismo.

Ou não? Ou é hora de pensarmos no voto não apenas a caminho da zona eleitoral, mas desde sempre? Deixando de lado os determinismos que enquadram a política no campo do imponderável e do incorrigível, portanto façam o que quiser com ela. Os desvios de dinheiro são dos nossos impostos! Quanto mais desvios, menos dinheiro no caixa, impostos mais altos! Quanto mais condutas folclóricas de terça a quinta na isolada Brasília, é um passo a menos na universidade pública e gratuita, nas tarifas mais baixas. O sistema público de saúde já foi pro espaço e morda-se você com a mordida do plano de saúde.

Ah, nossos 16 anos podem ser bem mais interessantes...

quinta-feira, 3 de junho de 2004

A ambigüidade a ser resolvida

Nesses tempos de grande desenvolvimento das mídias, é preciso saber usá-las. Assim, nesse verbo, é que pensam muitos políticos de hoje, e alguns têm se tornado especialistas no assunto. Retiram-se dos holofotes quando necessário, reaparecem quando convém, e o tal do jornalismo redundantemente investigativo sendo jogado de um lado pra outro, quase cadavérico.

Exemplo: no último domingo o "Canal Livre", programa que encerra a programação
da TV Bandeirantes, é um "Roda Viva" menor, com três jornalistas experientes entrevistando uma personagem política brasileira. Passando os canais vi que o ex-tudo Paulo Maluf era a bola da vez. Não assisti à entrevista, mas ao acessar o Yahoo.com.br no dia seguinte, lá estava a chamada: "Maluf promete acabar com taxas da luz e do lixo".

Bom, e daí? Daí que uma rica palavrinha não pode ser ignorada nunca: contexto.

Maluf passa pela milionésima acusação de desvio de dinheiro público, a despeito de suas incríveis reeleições. Dessa vez, 300 milhões de dólares surgiram na conta que leva sua assinatura nas Ilhas Cayman e, claro, o ex-tudo diz que não é dele. Mais: diz que alguém colocou essa quantia lá para prejudicá-lo. Não deixa de ser engraçado, mas pergunto: quem, só de sacanagem, colocaria tanta grana na conta de alguém só pra "sujar o nome" da pessoa? Nem o partido de Maluf acredita na sua versão, a ponto de o lançamento de sua candidatura a prefeito de São Paulo ser marcada pelo constrangimento geral dos próprios correligionários.

Pois bem, Maluf é candidato em meio ao pior processo acusatório de sua carreira política (pior no sentido de ser mais difícil de sair dessa e sem culpa). Nesse momento, é a principal atração do "Canal Livre", por duas horas, cercado por jornalistas como Carlos Nascimento e Fernando Mitre.
No dia seguinte, o Yahoo destaca duas promessas de campanha que com certeza farão que o ex-tudo ganhe pontos com os adversários de "Martaxa" Suplicy, como foi apelidada.

Logo, o programa jornalístico da Band transformou-se em palanque privilegiado para um réu quase condenado. E um dos sites mais populares da rede destaca suas propostas para a eleição. No caso do Yahoo, acabou seguindo a lógica da internet de criar uma chamada que atraia o leitor para o resto do texto. Mas pinçou da entrevista de Maluf o que ele com certeza gostou de ser pinçado: suas boas notícias.

Será que a Band pensou apenas nos eleitores de Maluf pra garantir a audiência do programa? Porque acabou sujeitando os experientes jornalistas a emprestar sua credibilidade ao candidato mais farto de acusações de corrupção. Maluf "auto-convidou-se"? Não se sabe. Mas saiu ganhando.

A função de fiscalizar o poder está sendo negligenciada por boa parte da imprensa, que tem se entregado cada vez mais a arroubos passionais pra guiar sua cobertura. Algumas doses de álcool ou as besteiradas das colunas de notinhas importam mais que a maior cidade do país ser governada por um campeão da sujeira política? Imparcialidade não existe, mas responsabilidade sim. De qual dos dois está tentando fugir a mídia brasileira? E quem a está botando pra correr?

quinta-feira, 20 de maio de 2004

2012: fala sério!

O Rio perdeu as Olimpíadas. Serei o único carioca a dizer: "Bem feito!"? Não, não curto ser "do contra", nem dos "já sabia" - essa galera é irritante! Mas quando que se pôde levar a sério os Jogos Olímpicos acontecerem aqui? Ainda custo a acreditar que ganhamos o Pan...

Se algum leitor injuriado já me enquadrou entre os conservadores com opinião de que "o que é de fora", ou seja, o que é estrangeiro é que presta, que brasileiro é uma raça inferior, desista. O problema é que nós, acostumados a muito confete e serpentina - para alegria de muitos políticos - não conseguimos ser realistas quando necessário.

Os jornais republicaram fatos e fotos que todos os cariocas conhecem na pele: violência, polícia que causa desconfiança, caos no transporte, poluição de todo o tipo... Precisava o Comitê Olímpico Internacional (COI) dar nota baixa nesses quesitos pra cairmos na real?

O pior é que não conta apenas a situação de hoje. Isto é, o Rio não foi digno de confiança no sentido de reverter esses quadros até 2012. Alguma novidade? Você acredita que quem governa o Rio hoje está sinceramente empenhado em reabilitar a cidade a longo prazo, ou seja, para além de seus mandatos? Logo, não penso em outra coisa pra dizer senão "Bem feito!". A incompetência e o descompromisso não podem ser recompensados jamais. Principalmente quando usam como mero pretexto a expectativa dos que torciam pelos Jogos.

E o mais angustiante é perceber que determinadas ações de governo só acontecem quando há uma imposição de força maior. Foi só o Rio ser anunciado como sede do Pan 2007 para que a Prefeitura logo iniciasse/anunciasse obras de saneamento, melhoria dos transportes, da segurança. E agora não dá pra voltar atrás, pois já foi feita a escolha da cidade (ao contrário do longínquo 2012). Quer dizer, atribuições que deveriam ser efetivadas por compromisso politico-eleitoral só o são porque há um evento internacional em jogo e não podemos dar vexame. Só isso já é um vexame. (Ou algum político vai dizer pro COI que não há verbas para atender às necessidades? Deixam essa desculpa para os cariocas otários...)

No fundo, creio que a grande torcida pela Rio 2012 foi essa: seria a única maneira de fazer com que compromissos de campanha virassem realidade. Mas parece que o COI alcançou uma maturidade política realista antes dos cariocas. E sem domicílio eleitoral aqui.

segunda-feira, 10 de maio de 2004

Infinitude da Comunicação X Finitude do Desejo

O título acima é de um artigo do filósofo italiano Toni Negri. Não vou me aventurar a comentar ou resenhar o tal artigo, mas o título me chamou a atenção. Conseguiu ser meu sintético porta-voz, vindo no "timing" certinho de meu momento pessoal e profissional, abarcando também minha concepção do universo comunicativo.

Porque assim me sinto em relação às possibilidades da comunicação: infinitas, porém produzidas por personagens finitos. No caso, finito Lessa. Tenho lido bastante a respeito da história dos meios de comunicação, não apenas textos analíticos como também relatos pessoais de marcos da imprensa brasileira. O título de Toni Negri caberia também para o "Minha razão de viver", de Samuel Wainer.

Wainer foi ninguém menos que o criador do jornal "Última Hora", e seu livro é uma coletânea de 53 fitas cassete de depoimento. O mais fascinante é que sua história é História. Ao contar sua trajetória, Wainer é obrigado a narrar períodos políticos do Brasil e do mundo. Ele é o homem que, dentre outras façanhas, "ressuscitou" Getúlio Vargas numa entrevista inédita até então, e foi o único jornalista brasileiro a cobrir o julgamento de Nuremberg - o único do mundo a entrevistar os réus. Pra quem pensa que Wainer valorizou soberbamente sua biografia, é só consultar na Biblioteca Nacional suas reportagens.

Ler as memórias do repórter Samuel Wainer, que era de uma época pré-TV e internet, é adentrar outro mundo, em meus simplórios 23 anos. Porém o livro é um relato auto-crítico em que Wainer ressalta quando estava errado e o que aprendeu com seus sucessos e falhas. Em suma, possuía qualidades atemporais necessárias a qualquer jornalista. Em nosso contexto de hoje, diria urgentes.

Wainer personifica minha percepção atual: as infinitas possibilidades que são inerentes à comunicação e seus meios nas mãos de pessoas finitas e sujeitas a falhas clamorosas. É um poder, sem dúvida. Mas estariam os aspirantes ao jornalismo cientes desse poder - não no sentido ganancioso, mas no potencial que a profissão carrega em sua essência?

Não apenas mitos podem ser construídos e destruídos num piscar de olhos pela imprensa. Vidas também. Literalmente. O estudante de jornalismo de hoje sabe da responsabilidade que possui? E os leitores? Em vez de praguejar contra a "raça dos jornalistas" quando os dissabores acima citados acontecem, sabem distingüir essa responsabilidade para cobrar, em forma de crítica, a presença essencial de jornalistas vocacionados?

Vocação. Essa é a palavra. Isso era Samuel Wainer. E hoje? Há jornalistas vocacionados ocupando as carteiras da universidade? A faculdade de jornalismo "virar moda" é um bom negócio para a sociedade? Ou apenas um bom negócio, sabe-se lá pra quem? Não estranhe a expressão "virar moda". Estranhe que um medíocre ator de Malhação, uma capa de Playboy e a Miss Brasil 2003 queiram ter curso superior em jornalismo. Para quê? Sabem aonde estão se metendo?

Quando Wainer contou sua história, não conseguiu falar de nada além de jornalismo. Estava na veia, o tempo todo. Possuía vida pessoal, mas não pairava dúvidas sobre sua vocação. E suas renomadas reportagens confirmavam isso - "pelos seus frutos os conhecereis". Que frutos os jornalistas não-vocacionados oferecem para o Brasil? Ainda há outro detalhe: vocação é apaixonante, você quer que aquilo dê certo porque, do contrário, sua própria essência estará sendo violentada. Que frutos os jornalistas não-vocacionados oferecerão para o Brasil?

É claro que essa reflexão se aplica a todas as profissões. Mas neste território blogueiro não, meu caro. Senhor Wainer, gostaria que me ouvisse de onde estiver: nasci pra ser jornalista.

segunda-feira, 19 de abril de 2004

É lamentável, porém previsível

Pode-se comentar a última final do Campeonato Carioca sem falar muito de futebol? Sim. Ingredientes: lógica de folhetim, falta de assunto e de criatividade, uma direcionada edição e um árbitro fraco. Tirando esse último item, foi dessa maneira - sem falar da arte e sim do que estragaria o espetáculo - que a imprensa esportiva carioca se comportou na semana que antecedeu o clássico. E foi ela a responsável direta pela violência dentro de campo.

E por quê? Tudo começa quando a Globo filma o treino do Vasco com a famosa câmera escondida e flagra a ordem do técnico cruzmaltino: "Se ficar parado, pega o tornozelo dele!". Parecia combinado. Não é que o craque do campeonato, Felipe do Fla, acabava de torcer o tornozelo num treino? Havia garantido que jogava, mas respondeu aos ávidos repórteres que "eu sei que ele estava se referindo a mim". Pra completar, a Globo pegou um jogo em que o mesmo técnico, então no Corinthians, mandava o jogador "pegar"o adversário. Em seguida, o tal jogador era expulso. Mas foi mesmo em seguida? Mistérios da edição. Lona armada, faltava o circo.

Foi esse o fato criado pela imprensa que se arrastou até o fim do jogo. Uma frase comum a muitos técnicos mas que criou o vilão da vez, que queria acabar com a alegria do herói do campeonato - a tal lógica de folhetim. Uma louvável iniciativa - combater os que incitam a violência em campo - foi utilizada para um fim menor: colocar um "tempero" para os jornais que não tinham o que dizer até domingo.

O incrível é que o Globo, no domingo mesmo, fez uma ótima matéria com Neguinho da Beija-Flor e Martinho da Vila, falando das origens de cada time etc. O tipo de matéria que daria para encher as páginas esportivas das vésperas da decisão, sem precisar apelar para o maniqueísmo de sempre.

Deu no que deu: era só Felipe pegar na bola para as torcidas ficarem em suspenso, todos mirando o fraco juiz, os jogadores nervosos com o clima criado. 6 expulsões, brigas a todo momento, desde o início do jogo... Quem assistiu a partida percebeu que, não fosse o exagero da cobertura do desvio do técnico do Vasco, o jogo seria tenso porém mais limpo. Para não pensarem que estou sendo parcial, aviso logo que sou flamenguista e jornalista...

Mas o pior foi ouvir o pior lamentando. Galvão Bueno, péssimo, só dizia que estava profundamente abalado com as cenas de violência, que era lamentável tudo aquilo, no que o comparsa Sérgio Noronha só concordava. Como se não tivessem responsabilidade. Agora, os profissionais de campo é que são os vilões, né? Não teve premeditação nem nada? Não teve climinha criado? Faça-me o favor. Quer dizer que os jogadores, seres cada vez mais alienados e joguetes nas mãos dos "repórteres esportivos" jabazeiros, é que são os únicos protagonistas do ambiente nervosinho dentro de campo? É chamar cada torcedor de burro.

Agora, alguém levantou esse aspecto nas mesas redondas? Claro que não... O corporativismo e o "puxa-saquismo" falam mais alto. Não é à toa que Ricardo Teixeira, Caixa d'Água e Eurico Miranda reinam a tanto tempo no futebol. Quando convém à imprensa, os fatos não são relatados, nem mesmo criados. São aumentados à máxima potência, lucre o que lucrar.

segunda-feira, 12 de abril de 2004

Pedro Bial, meu ídolo

Eu nem imaginava fazer Jornalismo no dia em que o muro de Berlim caiu. Sendo sincero, eu nem entendia o que significava tanta gente tão feliz em martelar um muro que dividia dois países que sempre foram um e agora voltavam a ser - a Alemanha. O que eu me lembro é que eu tinha 9 anos e um correspondente internacional da Globo estava ao vivo no local dando a notícia.

Com o tempo eu percebi que ele era um correspondente respeitado, havia estado em vários momentos importantes da história do mundo para trazer tudo à minha telinha. Passou um pouquinho mais de tempo e eu fui conhecendo melhor a trajetória dele por meio de um livro muito legal: "Crônicas de repórter". Além dos relatos, o cara escrevia bem! Eram crônicas, de fato.

Aí eu descobri que esse mesmo repórter era um literário convicto. Imaginem: em seus 20 e poucos anos ia para o Largo da Carioca, no Rio, recitar poemas para os transeuntes! Não satisfeito, já repórter consagrado, continuou com a mania, dessa vez em saraus culturais por toda a cidade, com outros jovens poetas. Pra completar, revelou-se um fã de ninguém menos que Guimarães Rosa, um dos decanos de nossa literatura. De um livro do mestre fez um filme - "Outras estórias" - e a ousadia está em querer transportar para as telas a inigualável literatura do escritor sertanejo, que quase criou um idioma puramente brasileiro.

Esse repórter com alta bagagem cultural e senso crítico continuou em outras frentes, como o programa "Espaço Aberto", da Globonews. Um talk show com temas variados, com um apresentador característico para cada tema. O dele, claro, era literatura. No centenário de Drummond, por exemplo, fez uma ótima entrevista com Silviano Santiago, especialista da obra do poeta de sete faces. Todas as entrevistas eram do mesmo nível.

Meu ídolo!

"Adorar só a Deus", já dizia mamãe desde minha infância. E o Todo-Poderoso, dessa vez, não teve piedade. Castigou-me com uma situação que hoje desafia as leis da lógica, da física, deixando-me incrédulo com seu desfecho.

Pois o tal repórter virou a principal atração de um show de realidade onde a cultura sempre passou longe. Ele se tornou o mestre de cerimônias de pessoas não apenas emburrecidas como mega-exploradas - como carniça, são expostas ao Brasilzão em nome de preciosos pontos na audiência. O repórter colocou em xeque toda a credibilidade construída jornalisticamente, culturalmente. E acho que foi xeque-mate.

Por que se sujeitar a tal ofício? É tanto dinheiro assim? A fama ele já tinha, a realização na carreira também parecia conquistada. Entediou-se de fazer algo tão normal e sem Ibope como boas reportagens? Seja o que for, até hoje não entendo como ele seguiu por esse caminho. Se fosse alguém que nunca teve possibilidade de construir a bagagem cultural que ele tem... É mais fácil adaptar-se à prosperidade após uma vida de miséria do que o contrário. Como se explica então?

Sei que, de uma raiva por promover um programa que não traz benefício algum à humanidade, passei a sentir pena dele. Não aquela pena arrogante, mas pena por testemunhar um desperdício deliberado de talento e, como já disse, de credibilidade. Além disso, ele, que servia como um referencial para mim, conseguiu uma façanha. Fez uma guinada de 180º e continuou sendo referencial: em vez de exemplo profissional, um desconstruidor de cidadania.

Descanse em paz, Pedro Bial. Prefiro lembrar de seu falecido porém honrado passado do que ligar a TV e contemplar seu putrefeito fim anunciado, morto-vivo. Como as mentes "famosísticas" dos condenados a participar de um BBB.

sexta-feira, 2 de abril de 2004

As paixões da Paixão

Caramba, meio mundo já escreveu ou falou da "Paixão de Cristo". Agora é a minha vez!

O incrível é que, antes de ver o filme, quase fiquei sem vontade de assistí-lo. Porque, segundo a mídia em geral, era uma ofensa aos judeus (grandes heróis do século XX) e sangue até dar nojo. Anti-semitismo e violência davam o tom de um filme sobre Jesus Cristo? Tô fora.

Aí comecei a ler nas entrelinhas. E nas "foralinhas" também: a grita era geral contra as cenas fortes do filme, que nos EUA era classificado como R ("restricted" - restrito) e aqui só pra maiores de 14 anos. Mel Gibson mostra com detalhes os romanos castigando as costas de Jesus, ossos à mostra, a via crúcis e a crucificação em si. Um espetáculo mórbido demais para um blockbuster.

Pulga atrás da orelha 1: Gladiador, Coração Valente, O Patriota (estes 2 últimos, ambos de Gibson) possuem cenas de fechar os olhos. Por que não houve na época a mesma campanha midiatico-moralista contra uma exagero na dose? E o Xuazinégue, que a cada verão faz a alegria dos qua adoram ver uma degola, um braço explicitamente quebrado, sangue jorrando em meio à muita ação? Onde estão as pedras pra tacar nesses filmes abertamente violentos?

(Pior foi ver o Globo trazendo na chamada de capa que o filme era uma festa pros sadomasoquistas, pelas chicotadas no corpo seminu de Jesus. Convenhamos... bom senso manda lembranças e souvenires!)

Pulga atrás da orelha 2: de onde surgiu a discussão sobre "quem matou Jesus"? Fica mais do que claro que foi a elite política daquele período histórico, que não admitia perder popularidade e poder para um zé ninguém bem-intencionado, manipulando o povão de acordo com seus interesses pessoais. Para isso, flertam com o poder constituído - ainda que este seja uma afronta a tudo o que dizem crer - para os fins justificarem os meios. Alguma semelhança com os dias atuais??????

Aquela elite judaica não representa todos os judeus, assim como o sanguinário Ariel Sharon também não os representa nos dias de hoje. Assim como Bin Laden não representa todos os muçulmanos, assim como Edir Macedo não representa todos os evangélicos, assim como ACM não representa todos os políticos, assim como os neo-nazistas não representam todos os alemães... É impossível sair do filme tendo motivos para odiar os judeus. Aquele foi um período histórico representado.

(Em tempo: Steven Spielberg, só de raiva, fará um filme sobre a Inquisição. Ótimo, Sr. Spielberg. Mostre ao mundo o que não é ser cristão. Mostre o que é usar a fé dos fiéis para interesses terrenos, mesquinhos e pessoais. Assim como Mel Gibson fez ao mostrar os judeus do Sinédrio que condenou Jesus. Aliás, ninguém comenta a cena em que, quando Jesus está sendo acusado por testemunhas contraditórias, dois membros daquela elite tentam defendê-lo. Judeus defendendo Jesus. Que, por sinal, era judeu de nascença: Belém da Judéia).

E quanto à violência: segundo os Evangelhos, Jesus sofreu tudo aquilo, daquele jeito. Só que até hoje nenhum filme tinha enfatizado ou mostrado esse aspecto. Não quero aqui dizer que o filme é perfeito, que Gibson é profeta ou coisa do tipo. Mas somos bem grandinhos pra não cairmos em mais uma maniqueísmo imbecilizante. Ou não somos?

Ademais, transcrevo aqui uma entrevista de Jim Caviezel (que faz Jesus) à Newsweek que não mereceu sequer uma linha nessa polêmica toda. Mas era uma fonte indispensável para a mídia trabalhar com mais responsabilidade no servir ao público. E sobre o que realmente importa na história que dividiu a História:

Você é católico. Fazer o papel de Cristo aprofundou sua fé?
Eu O amo mais do que eu pensava que era possível. Eu O amo mais do que minha esposa, minha família. Houve momentos em que eu estava lá em cima (na cruz) e eu mal conseguia falar. Uma contínua hipotermia estava me torturando. Eu me conectei a um lugar onde eu nunca tinha ido. Eu não quero que as pessoas me vejam. Tudo o que quero é que elas vejam Jesus Cristo.

Mel Gibson te disse por que ele quis fazer esse filme?
Ele me disse que passou por um período muito difícil de sua vida, e que ele redescobriu os Evangelhos há 12 anos. Ele começou a meditar na paixão e morte de Jesus. Então disse que as feridas de Cristo curaram as feridas dele. E eu acho que o filme expressa isso.

Toda a polêmica em volta do filme – e o fato de Gibson ser acusado de anti-semitismo – surpreendeu você?
Foi a coisa mais frustrante de se ver. Posso te dizer com certeza, Mel não é anti-Semita. Maia Morgenstern (que faz a Virgem Maria) é uma linda atriz romana judia cujos pais estiveram no Holocausto. Todo dia Mel perguntava a ela: “Maia, fale sobre suas tradições. Isso está OK para ser encenado?”. Ele quis fazer esse filme bem semítico. Em vez de exibir um Jesus ariano, de olhos azuis, Mel quis mostrar um Jesus judeu. Nossa fé é baseada na tradição judaica. Viemos da Casa de Abraão, então não podemos odiar a nós mesmos. A multidão diante de Pilatos que pedia a cabeça de Jesus de nenhuma maneira pode condenar toda uma raça pela morte dele. Assim como as ações de Mussolini não condenam todos os italianos, ou as maldades de Stalin não condenam todos os russos. Todos nós somos culpados pela morte de Cristo. Meus pecados O colocaram lá (na cruz). Os seus também. Esse é o enredo do filme.

Foi difícil ficar quieto quando os líderes judeus esbravejaram contra o filme?
Eles têm o direito de defender sua fé. Mas eu creio que quando meus irmãos judeus assistirem esse filme, vão perceber que o roteiro não é sobre “de quem é a culpa”. É sobre amor. É sobre sacrifício. Sobre perdão e esperança.

terça-feira, 16 de março de 2004

Espanha, nossa aspiração!

Foi incrível o que aconteceu na Espanha semana passada. Um fato que envolveu a população do país e chamou a atenção do mundo para o que estava acontecendo naquela nação, que não é muito protagonista no cenário mundial.

E olha que não estou falando do atentado!

Fantástico foi ver a maturidade democrática dos espanhóis. Breve resumo: o partido do governo, favorito à reeleição de sua maioria parlamentar, atribuiu ao grupo separatista ETA a autoria do atentado no trem de Madri. Hipótese que prosseguiu sendo defendida mesmo depois do próprio ETA negar (coisa que nunca faz, pois orgulha-se de suas manifestações de terror) e da polícia averiguar que as características desse atentado não eram as típicas do ETA. Por exemplo, a alta travessia de civis no local.

Pois bem, a pergunta que ficou no ar após as bombas foi: qual a razão para um país "bonzinho" como a Espanha ser alvo de algo tão cruel? Quando começaram a surgir os indícios da Al-Quaeda (foi dia 11, dentre outros), outra pergunta surgiu, dessa vez com a resposta embutida: quem apoiou EUA e Inglaterra na invasão do Iraque??? Diante de tudo isso, o partido do governo ignorou tais informações - então de domínio público - teimou que era o ETA e assim fez até o dia da eleição. Analistas políticos afirmaram que, após a vitória assegurada, admitiriam a autoria real dos atentados. Assim, quando a revolta popular responsabilizasse o governo que levou o país à guerra (que, por retaliação árabe, transformou a Espanha em alvo), já era tarde, e a reeleição estaria consumada.

Acontece que o povo espanhol é "escolado". Um cartaz com os dizeres "ANTES DE VOTAR, A VERDADE" destacava-se, revelando o espírito crítico dos abalados cidadãos. Resultado: o partido do governo perdeu. Os socialistas que em 1996 foram tirados do poder após acusações de corrupção, venciam os que tentavam corromper informações e enganar milhões.

Portanto, brasileiras e brasileiros, aspiremos à Espanha. Seja esse o destino final e permanente de nossa democracia. Eles não complicaram: enganou e roubou, a gente derruba no voto. Não cederam à emoção, embora esta revelou-se de vital importância para dizerem que não se usa os sentimentos de um povo para interesses particulares. Quem sonega informações tentando manipular as massas merece o esquecimento, ensinam os espanhóis. Algum político brasileiro está sendo lembrado nesse momento?

A maturidade espanhola na hora de dizer NÃO aos cínicos do poder valoriza ainda mais a democracia. Pois, como devia ser sempre, o personagem principal dos fatos que pararam o mundo foi ele, o povo. Nada é mais notícia do que isso. Quem tem ouvidos para ouvir, perceba logo. Ou mude-se para a terra de Dom Quixote e lá serás como ele: isolado sonhador, pensando que votar é obrigação chata ou brincadeira fora de hora.

quarta-feira, 10 de março de 2004

O avião, a feira, a viagem

Quando foi a primeira vez que viajei de avião?

1999.

Tinha meus 18 anos e ganharia as alturas como nunca antes, sozinho. No aeroporto, minha família se despedia de mim aos prantos, como se estivesse indo à guerra. Só 4 dias, pôxa! Destino: nordeste brasileiro. Visitei Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba.

1989.

Dez anos antes de minha primeira jornada proporcionada por Santos-Dumont, mudei-me para São Cristóvão. Mais precisamente, no Campo de São Cristóvão. Mais precisamente ainda, pertinho da famosa feira dos nordestinos, feira dos paraíbas, feira de São Cristóvão. Dormia com aquelas musiquinhas de forró ao fundo, o triângulo batendo solto, a sanfona insone. E escola no dia seguinte!

Odeio as comidas nordestinas, odiava a música nordestina. Se duvidar, tinha péssimos olhos para aquela gente de cabeça chata, sotaque quase caricato, dança cafona. Povinho ignorante, pensava eu. E eliminava do meu Brasil aqueles brasileiros, honrando o preconceito em nome de minhas preferências pessoais.

2004.

Embarco em outra viagem, promovida por outro Dumont. José Dumont, ator que já havia encarnado a "Morte e vida severina" na TV e que voltava no tempo para me apresentar "O homem que virou suco", filme da época da ditadura. Filme que descreve a realidade do povo nordestino em êxodo rural e seu sofrer em São Paulo. Gente que sai de suas raízes para ser "espremido" pela miséria, subemprego/desemprego, preconceito, injustiça, desilusão até virar suco de laranja, como diz o próprio Dumont numa das cenas do filme.

E os que conseguiram vencer de alguma maneira, ou ao menos sobreviver com um mínimo de dignidade, ainda tinham que se superar, superar a saudade da terra tão querida, das origens incomparáveis, insubstituíveis. O carioca aqui, que só foi viajar quilômetros porque quis, com tudo pago e de avião bem confortável - para o Nordeste, vejam só - sentia-se invadido em suas terras por aquela gente esquisita.

Todos são esquisitos até que conheçamos sua história.

E conhecer a história desse povo é perceber que a feira que atrapalhava meu sono classe média era o lugar da lembrança da terra natal. O reencontro com sua cultura, em todas as suas manifestações, ainda que por apenas um fim de semana. Um fim de semana que valia o esforço da vida até então. Valia o preconceito sofrido desde o momento em que era forçado a render-se à urbanização e seus falsos progressos.

(Progresso em concreto é sepulcro caiado. Está lá o nosso interior assassinando quem não se enquadra em nosso contexto social. Cidade partida, país partido, coração idem.)

Estão aí os porteiros, pedreiros, mão-de-obra desqualificada de toda sorte, repentistas, balconistas e outras mais, clamando com sotaque arretado por reconhecimento. Reconhecimento digno, pois dignos são seus empregos, por mais que os MBAs nos façam pensar o contrário. Dignidade não se compra.

O sertanejo é, antes de tudo um forte, dizia Euclides da Cunha. Referia-se à histórica resistência de Canudos. Parece genético. Hoje, eles matam um exército republicano por dia. E ainda "batem coxa" no fim de semana, valorizando a cultura brasileira, a sua cultura, valorizando-se. Coisa que nosso orgulho metropolitano progressista nunca nos proporcionou.

Suco ácido. Revigorante. O povo nordestino parece mais brasileiro que o Brasil.

domingo, 29 de fevereiro de 2004

Da decepção

Déjà vu surge a torto e a direito, a ponto de já presenciarmos o déjà vu do déjà vu. Com a política brasileira, tal fenômeno voltou a voltar a ocorrer nas últimas semanas. A tal "pureza ética" do PT, por mais que essa expressão soe idílica demais, era uma impressão real. Ou não daria tanto barulho ao ser arranhada. Mesmo contrariados, opositores eram obrigados a aceitar isso, tendo em vista a escassez de estatísticas de corrupção nos quadros do Partido dos Trabalhadores.

Todavia, não é que eles também tinham o seu PC?

Se Dirceu estava envolvido ou não, se sabia ou não, se o Governo foi conivente ou não... Tudo isso se resume às disputas de cargos em Brasília, essa ilha em alta terra, tão distante da população quanto à época da Independência. O turbilhão no centro do poder, usando uma expressão de Aristides Lobo, está sendo assistido por um povo "bestializado", meramente espectador dos acontecimentos. Ou não?

Por isso, transponho as notícias do Planalto a uma realidade superior aos joguinhos de poder tão comuns ao ser humano. Como fica nossa cidadania perante tudo isso?

Uma vez que o PT representava, no imaginário coletivo, o último "bastião ético da política" (bonito esse jargão, né? Mais uma pérola da repetitiva imprensa brasileira), que motivação para seguir acreditando? Que estímulo, que incentivo à participação política por meio do voto, uma vez que a corrupção parece ser o grande proprietário dos destinos da nação, desde 1500?

Só essa questão me interessa. O resto é em Brasília, esse distante país, essa tragédia que JK ajudou a construir. Ah, como diz Herbert Vianna, se essa palhaçada fosse na Cinelândia, ia ter muita gente pra juntar na saída, pra fazer justiça uma vez na vida.

Brasília é a concretização de um sonho comum aos íntegros e aos corruptos. A materialização da plenitude da arquitetura e do ideal de progresso; a marcação cerrada de uma distância do povo, esse ser amorfo e invocado a cada 4 anos ou a pretexto demagógico. Mas que, tendo oportunidade, faz valer o seu direito.

É fazendo parte desse ser amorfo que prossigo querendo fazer valer o meu direito. E o meu dever. O meu direito de votar e o meu dever de acompanhar; o meu direito de escolher e o meu dever de reprovar, deixando de votar em quem esqueceu que foi votado um dia. Defendo meu direito de saber do que acontece com meu dinheiro tornado público, e meu dever de prestar minhas contas sem sonegação. Afinal, boa parte dos escândalos que nos enojam nada mais são que pequenos escandalozinhos do cotidiano em escala maior.

A corrupção endêmica brasileira é o pretenso cidadão pego em flagra na sua hipocrisia. É nessas horas que confirmamos nosso sistema político: democrático REPRESENTATIVO, do bom e do pior. A coerência começa em nós, em nossos círculos pessoais, em nossos alcances devidos. Não precisamos de partidos para projetar o que deveríamos ser e não temos coragem.

Diante disso, repensemos o nosso conceito de decepção perante a canalhice da vez.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2004

Prazer, obrigação, suspiros

Ao passar no vestibular, nos idos de 2000, ouvi a sapiência de um amigo entrado em dias: "Na faculdade temos duas grandes alegrias: quando passamos e quando nos formamos". Preciosas e proféticas palavras. Em meu período pré-calourano, tal afirmação me escandalizava! Hoje, constato ser verdade. Mas por que isso se dá?

Não é apenas pelo fato de estarmos terminando uma etapa de nossa vida. É preciso falar de uma realidade que qualquer graduando com real interesse na qualidade de sua formação se depara: o que poderia ser um aprendizado prazeiroso, muitas vezes transmuta-se em penosas obrigações.

De novo: por que isso se dá? Pode ser pelo professor, pela expectativa que colocamos em determinadas matérias, pelos mitos da profissão que vão caindo pelo caminho... Mas, tratando-se de ensino e de sua apreensão, perdoem-me os docentes, o mestre tem uma extrema dose de responsabilidade quanto ao resultado em forma de decepção.

Como em qualquer ambiente educacional, os alunos estão subjugados ao professor, desde o conteúdo a ser transmitido até as práticas de aula. E não são poucos os casos em que esperamos muito de uma matéria ao ver sua ementa e o dia-a-dia de seu desenvolvimento ser um desejo de que tudo acabe o mais rápido possível. 8 ou 80: se um extremo compõe-se de professores desleixados que adoram uma única avaliação final pra ninguém ser reprovado e ele dar a aula que quiser; outro é a existência de mestres que fazem da aula uma seqüência de pontos a bater, a cada semana um seminário complexo a ser apresentado, um denso trabalho de grupo, testes que parecem querer provar que você nunca saberá nada do que pensa estar aprendendo.

Caros leitores, nào prego aqui a vagabundagem sem peso na consciência. Mas chamo a atenção para o potencial que o professor tem de destruir a sede de saber que necessitamos até o fim dos dias. E logo no pior ambiente para isso: a escola ou a universidade. Se ainda fosse em seu exemplo de vida, isso seria uma questão mais complexa e fora do âmbito da aula. Mas se no ofício para o qual se preparou para exercer ele extermina o foco da sua profissão, ficamos desolados.

A outra face é verdadeira: professores que marcaram nossa vida (positivamente) foram os que encarnaram o bom senso em sua multiplicidade: amizade, cobranças, notas justas e aulas idem, desejo de promoção social discente - não de terrorismo com o mínimo de autoridade. Ou de ofensiva indiferença perante os que dele dependem para aprender.

Portanto, façam valer o 15 de outubro. Não negligenciem a a árdua mas recompensadora tarefa - para uma geração inteira - à qual foram predestinados. Sei que haverá motivos que desmotivam no decorrer da carreira. Porém, outros de igual forma buscam atenuar a contrapartida dos alunos. Estamos no mesmo barco e acreditem, todos queremos ser bem-sucedidos como Noé.

domingo, 8 de fevereiro de 2004

Voltei, voltei...

As desculpas não eram muitas, sequer inventadas. Mas, de fato, faz tempo que não escrevo por aqui. Porém acabei me inspirando em meu último post pra tornar esse blog atualizado de maneira mais constante.

Como assim?, você pergunta. Ninguém sabe, mas escrevi o poeminha abaixo no meu trabalho. Sou bancário - ou melhor, ESTOU bancário - e de 8 às 10 da manhã dou meu plantãozinho no hall com máquinas de saque. É isso mesmo, ajudando milhões de velhinhos diariamente, traduzindo para a língua terráquea o que diz ali no extrato... E num dia de pouco movimento, rabisquei num canto da prancheta o meu Anseio. Referia-se a minha situação profissional atual.

Mas por que ele me inspirou?, você pergunta de novo. Porque não fiquei esperando a melhor situação pra escrevê-lo, pra desabafar nas letras, pra desenvolver meu talentozinho. E o Lessog estava sofrendo disso: procrastinação. Em português javélico, empurrar com a barriga. Tive suspeita de tendinite, a tão conhecida falta de tempo, o fantasma do ter-que-estudar. E nada de blog atualizado.

Também havia meu pensamento metido a organizadinho que havia baixado uma lei invisível no Lessog: apenas artigos opinativos sobre fatos conhecidos, divulgados na mídia em geral. Tom pessoal? Nããão! Isso todo blog tem. Aqui é o lugar pra originalidade! (Não sei se um blog desatualizado é tão original assim...)

Posto isso, saibam meus queridos leitores (sim, existem, a caixa de comentários é a certidão de nascimento deles!) que escreverei aqui quando der na telha. Dizem que se você não bota pra fora sua raiva pode vir a ter câncer. Se eu não escrever quando a inspiração me seqüestrar, ficarei claustrofóbico no cativeiro. Logo, os temas vão variar mais. Hoje, por exemplo, escrevo sobre voltar a escrever. Uma metalinguagem não faz mal a ninguém...

Mas estou de volta! O tom pessoal, o quase-diário vem dividir espaço com minha verve jornalística e opinativa sobre tudo e todos. Peço que o habitante por trás das janelas de sua alma se aprochegue e não se apoquente. Não haverá arrependimento por tascar as pupilas no Lessog. E fique atento, porque daqui a um tempinho (sem força de expressão) tem post novo. E tenho escrito.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2004

ANSEIO

É preciso ser o cara certo
(Com capacidade)
No lugar certo
Fazendo o que gosta
Para que sinta o realizar-se.
A conjugação com o sustento
É vital, porém
Aprisionadora de sonhos
Acorrentadora da fé
Destruidora de buscas.
Por vezes desejo uma crise
Que abale tudo, mude as circunstâncias
Para que o movimento de transformação seja inevitável,
Indispensável, imprescindível!
Antes, impossível;
Agora, obrigação da natureza.