segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Enferrujado

A vida adulta é um mar de obrigações. O que significa que desde cedo somos aconselhados e formatados a deixar de lado o lúdico e o prazer da descoberta, tão característicos de nossa infância. É preciso produzir, garantir o sustento, levar a vida a sério, porque as coisas não estão pra brincadeira.

Nessa toada deixei de lado as crônicas. Ou será que o mundo de hoje não lhes dá mais espaço? Tirando o eterno Verissimo e Antonio Prata, não se vê mais a despretensão de relatos do cotidiano atraindo espaços e atenção. O barato é colunismo, porradaria, politização total em todos os assuntos, sem ficar em cima do muro. Vida séria.

Abandonei o prazer da crônica, que costuma dar vida aos achados de cada dia. Aqueles que ficam nas entrelinhas da seriedade e da correria. Que não mudam o mundo, mas nos ajudam a achar mais graça nele. Quiçá sobreviver melhor.

Para mim, flertar com a crônica é manter o lúdico vivo e tudo o que ele pode nos proporcionar. Veja como a criança leva a sério cada coisa nova em seu caminho, com sua evolutiva cognição desbravando territórios desconhecidos. E como cada um desses passos são vitórias que ela celebra mesmo sem o saber.

É nessa expectativa que retomo minha crônica semanal, dezesseis anos depois. Durante esse tempo muitas histórias se foram pelos inúmeros ralos da vida adulta. Mas não há lugar para murmurações. Volto ao gênero que me trouxe o prazer de ler e de escrever, no desejo de me contar e de contar o que vejo. Sem grandes pretensões. O que, para a voltagem de nossos dias, já é uma grande pretensão.