segunda-feira, 19 de abril de 2004

É lamentável, porém previsível

Pode-se comentar a última final do Campeonato Carioca sem falar muito de futebol? Sim. Ingredientes: lógica de folhetim, falta de assunto e de criatividade, uma direcionada edição e um árbitro fraco. Tirando esse último item, foi dessa maneira - sem falar da arte e sim do que estragaria o espetáculo - que a imprensa esportiva carioca se comportou na semana que antecedeu o clássico. E foi ela a responsável direta pela violência dentro de campo.

E por quê? Tudo começa quando a Globo filma o treino do Vasco com a famosa câmera escondida e flagra a ordem do técnico cruzmaltino: "Se ficar parado, pega o tornozelo dele!". Parecia combinado. Não é que o craque do campeonato, Felipe do Fla, acabava de torcer o tornozelo num treino? Havia garantido que jogava, mas respondeu aos ávidos repórteres que "eu sei que ele estava se referindo a mim". Pra completar, a Globo pegou um jogo em que o mesmo técnico, então no Corinthians, mandava o jogador "pegar"o adversário. Em seguida, o tal jogador era expulso. Mas foi mesmo em seguida? Mistérios da edição. Lona armada, faltava o circo.

Foi esse o fato criado pela imprensa que se arrastou até o fim do jogo. Uma frase comum a muitos técnicos mas que criou o vilão da vez, que queria acabar com a alegria do herói do campeonato - a tal lógica de folhetim. Uma louvável iniciativa - combater os que incitam a violência em campo - foi utilizada para um fim menor: colocar um "tempero" para os jornais que não tinham o que dizer até domingo.

O incrível é que o Globo, no domingo mesmo, fez uma ótima matéria com Neguinho da Beija-Flor e Martinho da Vila, falando das origens de cada time etc. O tipo de matéria que daria para encher as páginas esportivas das vésperas da decisão, sem precisar apelar para o maniqueísmo de sempre.

Deu no que deu: era só Felipe pegar na bola para as torcidas ficarem em suspenso, todos mirando o fraco juiz, os jogadores nervosos com o clima criado. 6 expulsões, brigas a todo momento, desde o início do jogo... Quem assistiu a partida percebeu que, não fosse o exagero da cobertura do desvio do técnico do Vasco, o jogo seria tenso porém mais limpo. Para não pensarem que estou sendo parcial, aviso logo que sou flamenguista e jornalista...

Mas o pior foi ouvir o pior lamentando. Galvão Bueno, péssimo, só dizia que estava profundamente abalado com as cenas de violência, que era lamentável tudo aquilo, no que o comparsa Sérgio Noronha só concordava. Como se não tivessem responsabilidade. Agora, os profissionais de campo é que são os vilões, né? Não teve premeditação nem nada? Não teve climinha criado? Faça-me o favor. Quer dizer que os jogadores, seres cada vez mais alienados e joguetes nas mãos dos "repórteres esportivos" jabazeiros, é que são os únicos protagonistas do ambiente nervosinho dentro de campo? É chamar cada torcedor de burro.

Agora, alguém levantou esse aspecto nas mesas redondas? Claro que não... O corporativismo e o "puxa-saquismo" falam mais alto. Não é à toa que Ricardo Teixeira, Caixa d'Água e Eurico Miranda reinam a tanto tempo no futebol. Quando convém à imprensa, os fatos não são relatados, nem mesmo criados. São aumentados à máxima potência, lucre o que lucrar.

segunda-feira, 12 de abril de 2004

Pedro Bial, meu ídolo

Eu nem imaginava fazer Jornalismo no dia em que o muro de Berlim caiu. Sendo sincero, eu nem entendia o que significava tanta gente tão feliz em martelar um muro que dividia dois países que sempre foram um e agora voltavam a ser - a Alemanha. O que eu me lembro é que eu tinha 9 anos e um correspondente internacional da Globo estava ao vivo no local dando a notícia.

Com o tempo eu percebi que ele era um correspondente respeitado, havia estado em vários momentos importantes da história do mundo para trazer tudo à minha telinha. Passou um pouquinho mais de tempo e eu fui conhecendo melhor a trajetória dele por meio de um livro muito legal: "Crônicas de repórter". Além dos relatos, o cara escrevia bem! Eram crônicas, de fato.

Aí eu descobri que esse mesmo repórter era um literário convicto. Imaginem: em seus 20 e poucos anos ia para o Largo da Carioca, no Rio, recitar poemas para os transeuntes! Não satisfeito, já repórter consagrado, continuou com a mania, dessa vez em saraus culturais por toda a cidade, com outros jovens poetas. Pra completar, revelou-se um fã de ninguém menos que Guimarães Rosa, um dos decanos de nossa literatura. De um livro do mestre fez um filme - "Outras estórias" - e a ousadia está em querer transportar para as telas a inigualável literatura do escritor sertanejo, que quase criou um idioma puramente brasileiro.

Esse repórter com alta bagagem cultural e senso crítico continuou em outras frentes, como o programa "Espaço Aberto", da Globonews. Um talk show com temas variados, com um apresentador característico para cada tema. O dele, claro, era literatura. No centenário de Drummond, por exemplo, fez uma ótima entrevista com Silviano Santiago, especialista da obra do poeta de sete faces. Todas as entrevistas eram do mesmo nível.

Meu ídolo!

"Adorar só a Deus", já dizia mamãe desde minha infância. E o Todo-Poderoso, dessa vez, não teve piedade. Castigou-me com uma situação que hoje desafia as leis da lógica, da física, deixando-me incrédulo com seu desfecho.

Pois o tal repórter virou a principal atração de um show de realidade onde a cultura sempre passou longe. Ele se tornou o mestre de cerimônias de pessoas não apenas emburrecidas como mega-exploradas - como carniça, são expostas ao Brasilzão em nome de preciosos pontos na audiência. O repórter colocou em xeque toda a credibilidade construída jornalisticamente, culturalmente. E acho que foi xeque-mate.

Por que se sujeitar a tal ofício? É tanto dinheiro assim? A fama ele já tinha, a realização na carreira também parecia conquistada. Entediou-se de fazer algo tão normal e sem Ibope como boas reportagens? Seja o que for, até hoje não entendo como ele seguiu por esse caminho. Se fosse alguém que nunca teve possibilidade de construir a bagagem cultural que ele tem... É mais fácil adaptar-se à prosperidade após uma vida de miséria do que o contrário. Como se explica então?

Sei que, de uma raiva por promover um programa que não traz benefício algum à humanidade, passei a sentir pena dele. Não aquela pena arrogante, mas pena por testemunhar um desperdício deliberado de talento e, como já disse, de credibilidade. Além disso, ele, que servia como um referencial para mim, conseguiu uma façanha. Fez uma guinada de 180º e continuou sendo referencial: em vez de exemplo profissional, um desconstruidor de cidadania.

Descanse em paz, Pedro Bial. Prefiro lembrar de seu falecido porém honrado passado do que ligar a TV e contemplar seu putrefeito fim anunciado, morto-vivo. Como as mentes "famosísticas" dos condenados a participar de um BBB.

sexta-feira, 2 de abril de 2004

As paixões da Paixão

Caramba, meio mundo já escreveu ou falou da "Paixão de Cristo". Agora é a minha vez!

O incrível é que, antes de ver o filme, quase fiquei sem vontade de assistí-lo. Porque, segundo a mídia em geral, era uma ofensa aos judeus (grandes heróis do século XX) e sangue até dar nojo. Anti-semitismo e violência davam o tom de um filme sobre Jesus Cristo? Tô fora.

Aí comecei a ler nas entrelinhas. E nas "foralinhas" também: a grita era geral contra as cenas fortes do filme, que nos EUA era classificado como R ("restricted" - restrito) e aqui só pra maiores de 14 anos. Mel Gibson mostra com detalhes os romanos castigando as costas de Jesus, ossos à mostra, a via crúcis e a crucificação em si. Um espetáculo mórbido demais para um blockbuster.

Pulga atrás da orelha 1: Gladiador, Coração Valente, O Patriota (estes 2 últimos, ambos de Gibson) possuem cenas de fechar os olhos. Por que não houve na época a mesma campanha midiatico-moralista contra uma exagero na dose? E o Xuazinégue, que a cada verão faz a alegria dos qua adoram ver uma degola, um braço explicitamente quebrado, sangue jorrando em meio à muita ação? Onde estão as pedras pra tacar nesses filmes abertamente violentos?

(Pior foi ver o Globo trazendo na chamada de capa que o filme era uma festa pros sadomasoquistas, pelas chicotadas no corpo seminu de Jesus. Convenhamos... bom senso manda lembranças e souvenires!)

Pulga atrás da orelha 2: de onde surgiu a discussão sobre "quem matou Jesus"? Fica mais do que claro que foi a elite política daquele período histórico, que não admitia perder popularidade e poder para um zé ninguém bem-intencionado, manipulando o povão de acordo com seus interesses pessoais. Para isso, flertam com o poder constituído - ainda que este seja uma afronta a tudo o que dizem crer - para os fins justificarem os meios. Alguma semelhança com os dias atuais??????

Aquela elite judaica não representa todos os judeus, assim como o sanguinário Ariel Sharon também não os representa nos dias de hoje. Assim como Bin Laden não representa todos os muçulmanos, assim como Edir Macedo não representa todos os evangélicos, assim como ACM não representa todos os políticos, assim como os neo-nazistas não representam todos os alemães... É impossível sair do filme tendo motivos para odiar os judeus. Aquele foi um período histórico representado.

(Em tempo: Steven Spielberg, só de raiva, fará um filme sobre a Inquisição. Ótimo, Sr. Spielberg. Mostre ao mundo o que não é ser cristão. Mostre o que é usar a fé dos fiéis para interesses terrenos, mesquinhos e pessoais. Assim como Mel Gibson fez ao mostrar os judeus do Sinédrio que condenou Jesus. Aliás, ninguém comenta a cena em que, quando Jesus está sendo acusado por testemunhas contraditórias, dois membros daquela elite tentam defendê-lo. Judeus defendendo Jesus. Que, por sinal, era judeu de nascença: Belém da Judéia).

E quanto à violência: segundo os Evangelhos, Jesus sofreu tudo aquilo, daquele jeito. Só que até hoje nenhum filme tinha enfatizado ou mostrado esse aspecto. Não quero aqui dizer que o filme é perfeito, que Gibson é profeta ou coisa do tipo. Mas somos bem grandinhos pra não cairmos em mais uma maniqueísmo imbecilizante. Ou não somos?

Ademais, transcrevo aqui uma entrevista de Jim Caviezel (que faz Jesus) à Newsweek que não mereceu sequer uma linha nessa polêmica toda. Mas era uma fonte indispensável para a mídia trabalhar com mais responsabilidade no servir ao público. E sobre o que realmente importa na história que dividiu a História:

Você é católico. Fazer o papel de Cristo aprofundou sua fé?
Eu O amo mais do que eu pensava que era possível. Eu O amo mais do que minha esposa, minha família. Houve momentos em que eu estava lá em cima (na cruz) e eu mal conseguia falar. Uma contínua hipotermia estava me torturando. Eu me conectei a um lugar onde eu nunca tinha ido. Eu não quero que as pessoas me vejam. Tudo o que quero é que elas vejam Jesus Cristo.

Mel Gibson te disse por que ele quis fazer esse filme?
Ele me disse que passou por um período muito difícil de sua vida, e que ele redescobriu os Evangelhos há 12 anos. Ele começou a meditar na paixão e morte de Jesus. Então disse que as feridas de Cristo curaram as feridas dele. E eu acho que o filme expressa isso.

Toda a polêmica em volta do filme – e o fato de Gibson ser acusado de anti-semitismo – surpreendeu você?
Foi a coisa mais frustrante de se ver. Posso te dizer com certeza, Mel não é anti-Semita. Maia Morgenstern (que faz a Virgem Maria) é uma linda atriz romana judia cujos pais estiveram no Holocausto. Todo dia Mel perguntava a ela: “Maia, fale sobre suas tradições. Isso está OK para ser encenado?”. Ele quis fazer esse filme bem semítico. Em vez de exibir um Jesus ariano, de olhos azuis, Mel quis mostrar um Jesus judeu. Nossa fé é baseada na tradição judaica. Viemos da Casa de Abraão, então não podemos odiar a nós mesmos. A multidão diante de Pilatos que pedia a cabeça de Jesus de nenhuma maneira pode condenar toda uma raça pela morte dele. Assim como as ações de Mussolini não condenam todos os italianos, ou as maldades de Stalin não condenam todos os russos. Todos nós somos culpados pela morte de Cristo. Meus pecados O colocaram lá (na cruz). Os seus também. Esse é o enredo do filme.

Foi difícil ficar quieto quando os líderes judeus esbravejaram contra o filme?
Eles têm o direito de defender sua fé. Mas eu creio que quando meus irmãos judeus assistirem esse filme, vão perceber que o roteiro não é sobre “de quem é a culpa”. É sobre amor. É sobre sacrifício. Sobre perdão e esperança.