quarta-feira, 8 de outubro de 2008

O escritor que não passou da idade


A entrevista seguiu por e-mail e o escritor de quase 70 anos gravou as respostas num arquivo MP3, já tarde da noite, e as devolveu também por e-mail. João Ubaldo Ribeiro, que recentemente recebeu o prêmio Camões (a maior honraria da literatura de língua portuguesa, recebida por ele sem nenhuma surpresa) concede sua primeira entrevista a um blog e fala sobre a velhice, o contato com a realidade pós-internet e o papel do cronista de jornal hoje. Sem nunca esquecer de ressaltar seu amor pela ilha de Itaparica e também pelo bairro do Leblon, no Rio de Janeiro.

O senhor tem uma obra reconhecida pelo público e pela crítica e acabou de ganhar o prêmio Camões. O senhor já disse que, aos 60 e poucos anos, tem menos ambições na vida. Mas quais seriam elas?

Pra começar, eu não tenho 60 e poucos anos. Tenho 60 e tantos anos, ou 60 e muitos anos (risos). Porque eu estou com 67 e em janeiro faço 68. Nessa idade a gente começa a perceber com maior clareza, não só pelos aspectos orgânico e físico, mas também em pensamento, a finitude da vida. E, o que é lugar comum dizer mas é verdade, a gente percebe com clareza as ilusões que teve e a futilidade de tanta coisa pelo que já lutou nesse mundo, a futilidade de coisas a que outras pessoas dão importância. Enfim, o sujeito vai se sublimando um pouco com a idade, nem sempre dá sorte de não ficar amargurado, não entortar com a idade. O sujeito que envelhece razoavelmente conciliado com a vida fica mais ... Eu não vou dizer mais cínico, mas fica menos apegado a certos valores aparentes, como honrarias assim, e gloríolas passageiras. A gente fica mais filosófico com essas coisas.

Eu acho que fiz uma obra que em certa medida ainda não foi lida como eu acho que ela podia ser lida. É uma obra um pouco injustiçada ainda, acho eu, apesar de ser uma obra de sucesso. Mas acho que ela é vista como muito mais heterogênea do que na realidade é. Minha obra não é tão heterogênea assim. Ela tem uma continuidade, uma linha que um dia espero que vejam.

Eu acredito em Deus, e acho que Deus me deu muito, me dá muito. Tenho uma carreira de êxito, sou capaz de viver do meu trabalho decentemente. Nunca parti pra ficar rico, portanto não posso me queixar de não ser rico. Mas também não passo necessidade alguma, pelo contrario, tenho tudo que quero, sou um sujeito sadio. Então que ambições outras eu teria? Eu tenho vontade de acabar um romance que estou fazendo. E é possível, com as voltas que o mundo dá, que eu venha a querer fazer um outro livro, quem sabe?

O Nobel estaria nos seus planos?

Não, mas se você puder dar um jeito de trazê-lo pra mim eu não recuso não, tudo bem.

O que o senhor gosta de ler atualmente? Que autores? Algum contemporâneo?

Eu sempre gosto de ler, mas agora já estou com catarata, tenho que fazer uma operação, já leio com dificuldade. Como desde jovem tive mania de ler a mesma coisa, estou piorando com a idade e continuo a ler as mesmíssimas coisas sempre. Eu, que já passei tempos em que lia as mesmas páginas dos mesmos livros sempre, gosto de ler poesia. Mas tenho lido pouco. Cada vez gosto menos de ler teoria literária e coisas desse tipo, não suporto. Cada vez gosto mais de poesia, de Shakespeare, de Homero... Enfim, a mesma coisa de sempre.

O senhor já disse que gosta de navegar na internet. O que gosta de acessar?

Ah, eu disse isso? Mas eu não sou muito chegado a ficar navegando não. Eu sou bom de buscar coisas na internet, isso eu sei. Eu acesso de vez em quando os sites de notícias, alguns sites de curiosidades, de música, de literatura. E acesso de vez em quando uns sites de sacanagem pra ver como é, mas geralmente é meio chato e são sites perigosos de acessar. Mas em geral são meio chatos. Eu fiz muito isso quando estava escrevendo a Casa dos Budas Ditosos pra poder não ficar desatualizado (risos), não fazer cenas desatualizadas. Mas confesso pra você que, apesar de uma surpresinha ou outra, aprendi pouco. As coisas têm mudado pouco através dos tempos (risos).

(Acima, Fernanda Torres na montagem teatral de "A Casa...")


O senhor lê blogs? Na sua opinião, um blogueiro pode ser considerado um escritor? Por quê?

Eu leio blog, mas muito eventualmente, não sou freguês de blog nenhum. Eu acho blog ótimo, uma coisa quase revolucionária. Cada um pode publicar, todo mundo vira editor do que quer dizer, e ainda oferece mais possibilidades do que uma editora de antigamente, pois a difusão é instantânea e, digamos, mundial. E o relacionamento com o leitor é facílimo, há interatividade. É ótimo o blog.

O grande problema do blog é a concorrência, tem blog a dar com pau, todo mundo tem um blog. Muita gente tem aqueles famosos “retalhos de mim”, publica, faz uma ou duas edições no blog e desiste. Mas acho que o blogueiro pode ser considerado escritor sim, por que não? O blog é uma nova forma de publicação e oferece várias possibilidades. Agora, acho que ele tem esse problema: o blog enfrenta uma concorrência mortal – como é com os livros, se pensarmos bem. O blog se identifica com o autor.

O senhor gosta de escrever uma crônica periódica em jornal ou só faz isso por necessidade?

Eu gosto de escrever a crônica sim, isso dá disciplina, um senso de compromisso que faz bem, principalmente quando você vai ficando velho, é bom se sentir preso a um compromisso. Agora tem o lado B, que é chato, sempre foi chato ter a obrigação. A obrigatoriedade é fogo, ainda mais eu, que resolvi, desde que fiz minha primeira crônica, que jamais escreveria a famosa crônica sobre a falta de assunto, e jamais escrevi. Mas que é fogo, é, fazer sempre. Mas eu gosto.

Qual o papel que um cronista de jornal possui atualmente?

Isso depende do cronista. Ele pode ser o que chamam de formador de opinião, uma designação que eu não gosto muito. Ou pode ser um crítico de costumes, pode ser um repórter, um observador da cena cotidiana... Enfim, o cronista de jornal seja talvez um jornalista que desfruta de maior liberdade de assunto, de maior campo. E ele pode às vezes se limitar por iniciativa própria: isso acontece, se o sujeito começa a escrever numa “latitude grande” e acaba preso a um território que ele mesmo cria. Cronista tem um papel cada vez maior no jornal. Porque notícia no jornal é um negócio que não pode competir em velocidade com o tempo real, então o jornal tem que ser a reflexão, o pensamento e o entretenimento. Se o jornal não tiver esses elementos... E o cronista é privilegiado nesse negócio quando ele é fornecedor de texto e, espera-se, de um bom texto.


Senhor presidente e Pode ser que ele esteja maluco são dois exemplos de artigos em que os presidentes da República são duramente criticados pelo senhor. Em geral, qual é a expectativa do senhor após escrever artigos como esses, especificamente, que geram reações polarizadas? Já teve retorno de algum presidente após a publicação dos referidos artigos?

Não, não tive retorno de presidente nenhum. Eles nem leram, nem sabem, ninguém nunca me mandou recado nenhum. Eu que sei que provavelmente não sou adorado por esse pessoal que andei criticando. Eu tenho [retorno] dos que são mais realistas que o rei, dos puxa-sacos... E dos lulólatras, dos que transformam essas pessoas em praticamente ídolos, em deuses, e suas crenças numa espécie de religião. Daí surgem os fanáticos. Desses é que eu sofro um pouco, mas não muito. Eu não me sinto coagido nem pressionado nem coisa nenhuma. Também não xingo, eu sou formado em Direito e procuro manter em boa lembrança os crimes contra a honra. Sou muito cuidadoso em não perpetrar pelos jornais injúria, calúnia ou difamação, que são os três crimes contra a honra previstos no código penal. Procuro sempre não me enquadrar em nenhum deles, e procuro dizer as coisas de uma forma tal que não configure um crime. Mesmo porque não quero e não tenho ódio de ninguém, e nem quero tornar isso uma coisa doente ou patologicamente hostil.

Viva o povo brasileiro narra a história de um país que nasceu (e vive) sob o viés exploratório dos mais poderosos, ou de uma elite. Nas suas crônicas são apontados os problemas que o Brasil e suas instituições ainda apresentam. O senhor perdeu a esperança quanto ao futuro do país? O que o povo brasileiro poderia fazer para mudar isso?

Essa é uma pergunta comprida demais pra ser respondida aqui, isso requeriria um seminário. Claro que eu não perdi totalmente a esperança porque do contrário, levado isso ao extremo lógico, se você acha que realmente o futuro é destituído de qualquer esperança, você morreu. Não é à toa que a esperança é uma das virtudes teológicas, é quase pecado não se ter esperança. Então tenho, sim, um pouco de esperança. Agora, como vai se fazer isso, você me desculpe, não vou responder agora. Eu já escrevi alguma coisa sobre isso, já se escreveu muito sobre isso, e se fala muito sobre isso, não dá pra ser respondido com uma palavrinha ou outra.

O senhor se considera um "herdeiro de estilo" de Padre Antonio Vieira e Gregório de Matos (ambos grandes expoentes do estilo barroco na literatura brasileira)?

Meu Deus do céu, se eu fosse herdeiro de Vieira eu seria um abençoado! Vieira era uma imensidão, e Gregório de Matos era um talento magnífico. O Gregório que conhecemos era uma floresta, não era um homem, era uma efervescência de alegria e de sensibilidade poética ao mesmo tempo, a lírica dele é linda...

Eu sou herdeiro num sentido mais genérico, sou herdeiro desses homens todos e particularmente, por ser baiano, tenho certamente alguma afinidade glandular, ou genética, eu sou bastante abarrocado. Eu gosto, sou chegado a um barroco desde pequeno. Tanto assim que era obrigado a copiar os sermões do padre Antonio Vieira nas férias e devia detestá-lo, mas adoro Vieira. E depois de adulto fui obrigado a copiar os textos do padre Manoel Bernardes, reacionário, chatíssimo, mas que escreve divinamente, a mão dele é guiada por Deus.. Aí não só copiei com boa letra mas peguei o livro que o tornou célebre, A nova floresta, que é enorme, e fiz dele uma seletazinha para a [editora] Nova Fronteira, porque até hoje tenho esses padres perto do meu coração.

O senhor foi amigo de Glauber Rocha e teve sua obra adaptada para o cinema e para a TV. O que te agrada assistir no audiovisual hoje?

Bom, na verdade nada, porque eu não tenho assistido coisa nenhuma (risos). Eu estou tentando entender uma série de coisas e vivo muito em cima desse computador aqui lendo outras coisas, e tentando aprender uma convivência com a realidade nova. E tenho pensado muitas coisas importantes, então não tenho tempo pra ver coisa nenhuma, não quero ver nada.

Há alguma relação entre o Leblon e a Ilha de Itaparica?

Há, claro. Você se lembra, inclusive, que o Leblon é uma ilha. Ele tem na frente um mar, dos dois lados um canal e do outro lado a Lagoa. O Leblon é um território que devia ser tornado independente, como Itaparica também deveria. Deviam fazer uma espécie de federação entre os dois, sei que Leblon e Itaparica constituiriam um eixo de felicidade inominável. Mas a geopolítica presente nos criou certas dificuldades nesse sentido.

Quais os próximos projetos do senhor?

Meu projeto continua sendo conseguir terminar o romance que persigo há vários anos. Mas por causa das entrevistas que eu dou nunca consigo tempo pra fazer isso... (risos)

Veja também: João Ubaldo e o prêmio Camões

4 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom, Lessa! João Ubaldo me faz comprar O Globo aos domingos. Vai lá no meu blog, tem um post que você vai gostar. Bjs

Pedro disse...

Ficou muito boa a entrevista. O cara parecia bem-humorado, né?
Abraço mermão!

Unknown disse...

Muito legal essa entrevista. O Leblon é uma ilha!

Tuco disse...

Bacana mesmo. Gente boa o Ubaldo!