Fiz questão de colocar no título do post o slogan da III Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa que o Lessa27 pôde acompanhar na data de hoje, em Copacabana. O clima era amistoso e o objetivo de ressaltar o respeito às diferenças parecia claro. Mesmo com os umbandistas e candomblecistas sendo maioria, a pluralidade de religiões estava representada.
Não é à toa que os representantes de religiões afro estavam em maior número. A explicação pode estar na vilanização desses grupos por parte dos evangélicos, flagrante em muitos de seus programas na TV aberta. Bem como a incitação à hostilização: episódios de templos afros atacados por evangélicos tornaram-se comuns nos últimos anos.
"Queremos que eles façam o que Jesus ensinou: amar ao próximo", disse o babalawo Ivanir dos Santos, principal líder da Caminhada. "Nosso país tem as religiões afro como parte de sua cultura, e elas devem ser respeitadas".
Diante desse contexto, difícil imaginar que os evangélicos pudessem dar as caras por lá. Mas eles compareceram.
Evangélicos perseguidos
"Somos minoria aqui, né?", reconheceu Amaury Fortes, da Igreja do Trem (de camisa preta, na foto abaixo). Eles estavam na caminhada para denunciar a perseguição que alegam sofrer pelo Estado. "Por medida judicial fomos proibidos de pregar nos trens do Rio de Janeiro. O Ministério Público entrou com uma ação, mas sequer fomos ouvidos".
Se a justificativa para medida fosse a tranquilidade dos passageiros ao diminuir as manifestações nos vagões, era possível compreender. Só que, segundo Amaury, quem tocar e cantar funk ou samba não será reprimido. "Mas se quisermos tocar música gospel, não podemos".
Evangélicos pedindo perdão
Um rapaz com luvas azuis de boxe tailandês nas mãos se destacava em meio aos participantes da Caminhada. Também estava com uma calça específica do esporte. Na camisa, a inscrição "Faixa preta de Jesus". Era o evangelista Sergio Eric, acompanhado do pastor Vagner Gonçalves. "Somos neo-pentecostais", ressaltava Sergio, sabendo que a confissão de fé soaria com mais impacto no lugar onde estavam.
Pertencentes ao Ministério Fogo Vivo, em Nova Iguaçu, eles mantêm um trabalho de recuperação de jovens delinquentes e viciados em drogas, também de combate à pedofilia. E o que estavam fazendo na Caminhada? "Queremos pedir perdão pelo preconceito que as igrejas evangélicas têm exercido contra outras religiões", continuava Sergio, num tom confiante e conciliador.
Evangélicos com visão cidadã
Os representantes da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, que organiza o diálogo interreligioso (do qual a Caminhada é um dos resultados), deram uma coletiva antes do evento. O Lessa27 conseguiu entrevistar alguns integrantes: dois anglicanos e um presbiteriano, vertentes evangélicas tradicionais.
O bispo anglicano Filadelfo Oliveira explicou que, indepentemente das diferenças que existam entre as religiões, elas devem ser respeitadas na expressão da sua fé. "Está no ethos da igreja anglicana ser ecumênico, interreligioso, com respeito à dignidade humana", contou Celso Franco (de estola preta), bispo emérito. "Nós nos sentimos em casa aqui".
"Quando sou pastor e vejo pessoas discriminarem outras, sou impedido de concordar com isso. Ainda que não me alinhe nas convicções de fé, não posso dar as costas. É por isso que estou aqui", conta Marcos Amaral, pastor presbiteriano.
Questionado se a Caminhada não corria o risco de ser apenas uma reação à hostilização religiosa, prorrogando assim o clima de conflito, Marcos refletiu sobre a visão missiológica da igreja evangélica. "Temos um versículo-chave que é o 'Ide por todo o mundo e pregai o evangelho'. O evangelho são boas novas, boas notícias. Se você está sendo perseguido, se seu santuário é destruído por terceiros, se seus filhos estão sendo humilhados na escola e alguém, que não professa a mesma fé que você, se levanta para te defender, isso é evangelho, é boa notícia".
"Temos que ir, mas não podemos impor nada. Jesus nunca veio impor. A igreja evangélica ainda não entendeu isso, e assim ela é conduzida ao conflito. Eu estou aqui para defender o direito dessas pessoas expressarem a sua fé, não estou concordando com essa fé", completou.
A cara do Brasil?
Embora a Caminhada fosse em defesa da liberdade religiosa, outros grupos estiveram presentes em Copacabana. A Igreja Reformada Ecumênica, apesar do nome, trazia na camisa a frase "Deus não tem religião". Maçons e ciganos (que não são uma religião, mas um grupo étnico) também apareceram.
A Caminhada teve uma participação expressiva, cerca de 150 mil pessoas. Em determinado momento quase toda a Avenida Atlântica estava preenchida. O que me veio à cabeça é que, mesmo com os episódios de intolerância registrados, fica difícil imaginar esse tipo de manifestação, de forma tão pacífica, em outro país.
Pude confirmar que a pluralidade religiosa, com doses de sincretismo, é algo tipicamente brasileiro. E que o crescimento evangélico, aliado à propriedade de meios de comunicação de massa, já começa a perturbar essa ordem, em todos os sentidos.
Porém é inegável que participar da Caminhada reforça o sentimento de comunidade tão necessário, ainda mais nas metrópoles. Qual o problema de pessoas tão parecidas com você expressarem uma fé diferente? E por que a simples convivência não pode coexistir com discordâncias? Não é assim em qualquer família?
Acompanhe abaixo mais retratos da Caminhada:
Ivanir dos Santos (de azul) e demais representantes da Comissão
de Combate à Intolerância Religiosa iniciam a Caminhada
Igreja Renovada Ecumênica
Eclair Heleno, grão-mestre da loja maçônica da Penha
Marino Novato, experiente em artesanatos de cultura afro
Mãe Francisca entrou na roda... da política
Emanuela e Ricardo Vacite, ciganos
O papa falou e disse
Um comentário:
Muito boa a cobertura, depois q li o post parece até q participei da caminhada.
Abraço
João Pedro
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