terça-feira, 28 de julho de 2009

No blog com Saramago

Reproduzo aqui entrevista de José Saramago ao Estadão, na qual ele conta sua experiência como blogueiro. No seu jeito peculiar, o autor de "Ensaio sobre a cegueira" descreve bem como é o ponto de vista a as motivações de quem alimenta um blog - seja um reles mortal ou um prêmio Nobel...

Saramago prova das delícias de ser blogueiro

Escritor português lança livro com posts escolhidos entre os melhores que escreveu para rede mundial

Ubiratan Brasil - Estadão, Sábado, 25 de Julho de 2009

"Sou como um elefante numa loja de louças: não sigo pauta, nem roteiros." Desde setembro do ano passado, o escritor português José Saramago é um ilustre ?elefante? que circula com desenvoltura pela rede mundial de comunicação. Na função de blogueiro, ele abastece sua página na internet (www.josesaramago.org) com certa regularidade, tratando desde temas particulares (sua passagem por São Paulo, no ano passado) até os aguerridos, como suas críticas à atuação do primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi. Aliás, os ácidos comentários ("Na terra da Máfia e da Camorra, que importância poderá ter o fato provado de que o primeiro-ministro seja um delinquente?") impediram a publicação, na Itália, do livro O Caderno (224 páginas, R$ 45), lançado aqui pela Companhia das Letras.

Trata-se de uma seleção de textos que Saramago postou entre setembro de 2008 e março deste ano. Na introdução, o escritor lembra-se de quando os cunhados lhe ofereceram um caderno, em 1993, no qual deveria registrar seus dias na nova moradia, em Lanzarote, nas Ilhas Canárias. Saramago jamais rascunhou uma letra ali, mas se inspirou para escrever Cadernos de Lanzarote, publicado cinco anos depois.

No ano passado, com seu site já no ar, o escritor foi incitado a repetir a experiência no formato de blog. Ainda que convalescente de uma doença que quase o levou à morte, Saramago aceitou a empreitada. Na verdade, empolgou-se a tal ponto que, quando sua mulher Pilar pediu para diminuir a quantidade de posts a fim de descansar nas férias, ele ficou triste, acreditando que Pilar não estivesse gostando de seus comentários. Afinal, ali era seu novo campo de batalha, no qual acariciou amigos (Jorge Amado, Carlos Fuentes, Chico Buarque) e também cutucou políticos, como no texto "Sarkozy, o Irresponsável" e naquele contra Berlusconi que, dono da Einaudi, justamente a editora que publica a obra do escritor na Itália, proibiu o lançamento de O Caderno em italiano. Sobre essa nova forma de expressão (pretende lançar outra seleção de textos em setembro), Saramago respondeu, por e-mail, as seguintes questões do Estado, sem esconder um certo tom birrento que se lhe tornou característico.

Depois de alguns meses escrevendo como blogueiro, o que o senhor pensa dessa ferramenta de comunicação? Seria mesmo um revolucionário modo de se comunicar?

A rapidez é a sua grande virtude, mas daí a ser revolucionário vai uma grande distância. Revolucionário foi o telefone; o que veio depois são alargamentos tecnológicos dele, sempre com o mesmo objetivo: chegar mais longe e mais depressa.

Para um escritor, qual a principal utilidade de um blog: útil apenas para exercitar a escrita ou criar um canal quase imediato de comunicação com seu público?

A escrita não se exercita num blog. Se assim fosse, o mundo estaria cheio de escritores. Mas é certo que o blog permite um contato quase instantâneo com os seus destinatários, de certo modo o mesmo tipo de diferença que existia entre uma carta e um telegrama. A obsessão da rapidez é uma das características da nossa época em todos os aspectos da vida. Mas é uma perigosa ilusão pensar que se pode vencer o tempo.

O senhor definiu, certa vez, a internet como "uma página infinita". Qual a importância da internet em sua opinião?

"Página infinita" era uma definição de algum modo poética que a internet não tem que me agradecer. O que importa, porém, é o que se escreve nela. A tal "página infinita" aceita tudo, aguenta tudo, incluindo o pior. A liberdade de expressão não é boa nem má por si mesma, mas pelo uso que dela se faça.

Nos textos selecionados para o livro O Caderno, percebem-se desde considerações sobre notícias do dia ou sobre outros artistas (escritores, em especial) até narrativas pessoais, como sua passagem pelo Brasil no ano passado. Qual critério o senhor utiliza na escolha do assunto que lhe parecerá atraente para o leitor e, ao mesmo tempo, pouco ou nada invasivo em sua vida particular?

Nenhum critério em particular. Reajo a estímulos que na sua maioria me vêm de fora, faço os comentários que me parecem adequados e passo a página.

As leis que controlam o direito autoral de textos lançados na internet ainda são precárias. O que pensa o senhor disso? Deveria haver um controle ou o espaço deve ser livre, a despeito de suas consequências?

Embora considere que todo o trabalho deve ser remunerado, inclino-me a pensar que o espaço de internet deverá ser livre. Mas esta é a opinião de um leigo na matéria.

A prática do blog pode condicionar as pessoas a escreverem (e também a lerem) textos mais curtos? Será que as histórias muito curtas terão matéria verbal suficiente para corresponder a gêneros literários reconhecíveis?

Não creio que venha a existir esse condicionamento. O curto e o comprido têm feito boa companhia um ao outro e assim irão continuar.

Os textos que estão no livro também estão disponíveis gratuitamente no blog. O fato de se adquirir o livro significa que o leitor (ao menos, um punhado deles) ainda tem respeito e dá o devido valor para a obra impressa?

Assim é. Tal como o conhecemos, o livro terá ainda uma longa vida. Uma biblioteca é um lugar especial, os livros são os homens e as mulheres que os escreveram. Estar numa biblioteca é estar acompanhado.

Os escritos de um blog podem ser considerados obra menor na carreira de um escritor?

Os escritos de um blog não definem, por si sós, uma qualidade determinada. São filhos da casualidade, do humor, dos apetites. Salvo alguma exceção que não conheço, duvido que alguma vez esses escritos venham a ser considerados obras maiores.

Ao escrever para o blog, o senhor diminuiu o tempo dedicado à escrita da literatura? Como conciliá-los? Aliás, o exercício do blog ajuda de alguma forma o da literatura?

Vinte e quatro horas dão para tudo. É uma questão de administrar racionalmente o tempo de que se disponha. Quanto a ajudar o exercício do blog o da literatura, não ajuda nem desajuda. São duas tarefas diferentes e não complementares.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Cinco coisas que não sou, mas gostaria tanto de ser que arrisco

Fui convidado pela Livia para escrever sobre o tema em meu blog. Aí vão as minhas opções e pseudo-projeções:

Craque de futebol do Flamengo

Não apenas jogador de futebol do time do coração, como qualquer criança. Gostaria de ser craque, camisa 10 indispensável ao time, com facilidade pra fazer toda jogada que quisesse. E marcar gol de título no último minuto de final de campeonato, com o estádio explodindo de alegria!

Apresentador de talk-show

É de lei assistir a um talk-show e torcer para que o apresentador faça a pergunta que está na minha cabeça, ou a piada que seria perfeita para aquele momento. Ou simplesmente fazer uma entrevista muito melhor do que aquele boçal privilegiado com um programa só dele...

Amigo de Fernando Sabino e Carlos Drummond de Andrade

Se eles já me convenceram a escrever e me dão conselhos e consolos através de seus textos, imagine se eu os conhecesse! Viver naquele pedaço de Copacabana entre a Rua Canning e a Conselheiro Lafaiete, sorvendo da companhia e dos direcionadores vocacionais que eles sempre proporcionaram a seus companheiros de vida.

Integrante dos Beatles

Brincar enquanto trabalha, inventar o videoclipe, eternizar minhas músicas e ter raiva da Yoko. Hoje só dá pra realizar a última opção.

Dono de livraria sem medo de prejuízo

Conseguir qualquer livro que precisasse, fazendo rodas de leitura com escritores consagrados de todo o mundo - sem a esnobice. E um café da mais fina qualidade (e bem frequentado) pra completar.

Também tô convidando pra brincadeira os blogs abaixo :

Borduna

Ababelado Mundo

Bolha Lilás

Palavras do Exílio

sábado, 4 de julho de 2009

Olhaí, ah, o meu diploma, olhaí...

Não é à toa que abaixo da minha foto no perfil deste blog consta que sou jornalista formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). A intenção é subsidiar o leitor com informações que colaborem para credibilidade do que escrevo. Assim, ele poderá avaliar a qualidade de meu trabalho enquanto lê os artigos e saber um pouco das minhas origens, de onde estou falando.

Na polêmica decisão do Superior Tribunal Federal (STF), é preciso esclarecer: o diploma de Jornalismo não foi derrubado, como se está dizendo. A obrigatoriedade dos patrões em contratar um diplomado para exercer o jornalismo é que não existe mais.

Vários jornalistas consagrados (e antigos de idade) que têm a vocação confirmada desde sempre não passaram pela faculdade - até porque ela não existia. É o caso de Mino Carta e Elio Gaspari, por exemplo. Ou do baluarte da profissão, Barbosa Lima Sobrinho, por tantos anos presidente da Associação Brasileira de Imprensa.

O que não se pode aceitar é a questão do diploma ser tratada como: 1) mera formalidade burocrática que impede talentos de aflorar; ou 2) como a garantia absoluta da qualidade do profissional. Os que são a favor da decisão do STF utilizam a primeira justificativa, os contrários a segunda. Ambos são extremos que não colaboraram em nada para a discussão da obrigatoriedade antes de Gilmar Mendes ter batido o martelo.

A maior preocupação, antes e agora, deverá ser sempre sobre a qualidade do ensino. Um de meus professores na UFF, que não morria de amores pela obrigatoriedade (mas era extremamente preocupado em nos preocuparmos com o bom ensino), foi defenestrado por colegas e alunos quando expôs tal opinião num debate no campus.

Demostrando a importância desse ponto, o pronunciamento das Organizações Globo sobre a decisão do STF foi: achamos bem-vinda a decisão, mas continuaremos a selecionar profissionais formados em jornalismo. O óbvio ululante ficou exposto no Jornal Nacional, que anunciou as palavras dos Marinho.

E qual seria esse óbvio? Uma corporação de comunicação não pode prescindir de profissionais capacitados, pura e simplesmente. Mas adora uma brecha na lei para vulnerabilizar os postulantes ao cargo, num mercado de trabalho cada vez mais enxuto.

É só lembrar: em todo e qualquer concurso público, um cargo de nível superior possui salários mais altos que um cargo de nível médio. Muitos fazem faculdade pensando nisso. Se o diploma não é mais obrigatório para a contratação de um jornalista, que obrigação eu tenho, como empregador, de tratá-lo como um profissional de nível superior? Não que isso vá automaticamente acontecer, mas a estrada já está pavimentada.

Logo, os donos dos meios de comunicação apóiam a decisão do STF, pois ela lhes dá ainda mais poder. A Federação Nacional de Jornalistas e os sindicatos país afora discordam, pois percebem a artimanha que o Judiciário sacramentou.

E não deixa de ser irônico que o Jornalismo, um ramo profissional que utiliza seus saberes para falar à sociedade de maneira fundamentada, clara e "entendível" (quando não faz isso, perde mercado e é criticado) tenha sido "castrado" pelo Direito, que possui linguagem e descaminhos jurídicos praticamente inacessíveis e ininteligíveis para a maioria da população.

Nem vou perder tempo falando de Gilmar Mendes. Joaquim Barbosa já disse tudo.

Vamos ver o que acontece no vestibular 2009. Jornalismo era um dos cursos mais disputados - continuará a ser? Para quem está na dúvida se entra na briga por uma vaga, recomendo o que sempre disse a respeito de qualquer carreira: não discuta com a sua vocação. E outra: não se contente com o que aprender na universidade (coisa que também vale pra qualquer profissão).

Para os docentes da área, mais do que nunca, é hora de se preocupar com o bom ensino do Jornalismo, mostrando que a não-obrigatoriedade nada tem a ver com os objetivos da formação escolar. E a universidade não pode cair na tentação de encastelar-se academicamente, como o Judiciário faz tão bem.

A comunicação muda cada vez mais rápido, e os profissionais do ramo não estão se reinventando - estão sendo reinventados à força. Cabe a nós, jornalistas, nos darmos conta dessa mudança e perceber que ainda temos papel relevante na sociedade, embora muitas vezes não seja fácil para ela se dar conta disso. Num rápido exercício: como você ficou sabendo das mil mordomias descaradas do Senado Federal? Pois é, pela imprensa.

Mas não cabe, a partir disso, a imprensa assumir um ar esnobe e aristocrático: ela não está sozinha na reverberação das informações. Blogs, twitters, celulares e seus produtores não-jornalistas devem ser encarados como colaboradores, não inimigos. A concorrência desleal é com o STF, pelo visto.

Enfim, tudo isso é pra dizer, sem romantismo, que me orgulho em ser jornalista. Informo minhas origens na UFF sem constrangimento, com todas as dificuldades que passei (como em qualquer lugar). Foi na faculdade que moldei minha vocação e conheci os fundamentos e valores da carreira. Não sou dotô, mas tenho um diploma que não é só decoração.