sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Não precisa explicar, eu só queria entender

Passamos a vida buscando perguntas - esse é o nosso instinto. Instinto que muitas vezes tentamos sublimar, para isso criamos "ismos" que coloquem nossas entranhas perguntadoras num cercadinho. Aderimos aos "ismos" com tanto afinco, pensando que as perguntas vão se calar em nossa alma. Não vão.

O escritor português José Saramago tem uma pergunta consigo desde sempre e para sempre: “A pergunta que não consigo responder é muito simples: para quê? Para que tudo isso? Vou morrer sem encontrar a resposta. Creio que ninguém nunca encontrou”. Se você achou vago, pare e pense. Tudo isso da vida que começa no nascer e vai terminar no morrer. Entre esses dois momentos, perguntas pululam em nós.

O que nos atormenta é a falta de respostas? Começo a discordar. O que nunca nos deixará em paz é o fato de que as perguntas não cessam. Os questionamentos se qualificam. Os dilemas, as contrariedades, a complexidade das situações com as quais nos deparamos geram mais e mais perguntas. A avalanche de perguntas é o que assusta, não a escassez de respostas.

Pensamos que acalmamos as perguntas diante de qualquer sistema com o qual nos deparamos e pelo qual nos decidimos. É um engano que, cedo ou tarde, será desvelado. Você sentirá que levou uma rasteira de si mesmo. Os "ismos" não dão conta da multiplicação de perguntas que vêm do nosso âmago e não nos deixam sossegados.

Quem decide não se prender aos "ismos" vai lidando "na marra" com as perguntas. Escreve, filosofa, compõe, ouve, grita, chora, fica em silêncio, goza, joga bola... Dá o seu jeito. As perguntas não páram. As perguntas perguntam. As perguntas assolam. As perguntas ameaçam.

Paradoxalmente penso que, no momento em que admitimos esse instinto perguntador, é quando ocorre o desabrochar da maturidade. Julgar alguém maduro ou pensar-se assim é temerário, sempre. Porém a experiência de olhar nos olhos das perguntas e assimilar sua companhia dá-nos a sensação de madureza. De cicatriz pra nos lembrar de que as respostas nunca deveriam ser simplistas.

Mas eu queria falar das perguntas. Elas não páram. Nem no travesseiro - lugar e hora fértil para te levitarem da cama com certa agressividade, exilando o sono. Ou admitimos a voracidade de nosso instinto perguntador, ou estaremos sempre numa vida em suspenso, faltando algo, e o que é pior: sabendo por quê.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

A liberdade aprisionada

A piada pode surgir de repente (não necessariamente acompanhada da graça). A da vez foi proporcionada pela Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA). Lá estou eu sintonizando o menu principal (mosaico) de canais da SKY e vem o anúncio institucional clamando por Liberdade na TV. Achei estranho e resolvi prestar atenção. O tom do apresentador era grave. O conteúdo, risível e denotando o desespero dos magnatas do cabo.

Explico: a tal campanha por Liberdade na TV (que tem até site e vídeo no YouTube) refere-se ao projeto de lei 29/2007, que obriga que 50% dos canais das TVs por assinatura devam ser nacionais; e que 10% do conteúdo de todos eles, incluindo os estrangeiros, também seja nacional.

Achei o projeto exagerado. Mas antes de chegar nesse mérito, observe o texto do apresentador da ABTA: "Eles decidem o que você deve assistir e no final você pagará mais por isso. Não deixe que eles prejudiquem a sua liberdade de escolha". Rárárá. E o que as TVs por assinatura fazem conosco hoje? É diferente?

A TV a cabo chegou ao Brasil com a promessa de ser a alternativa ao rame-rame baixo nível da TV aberta, com opções melhores e, acima de tudo, opções. Hoje, o horário "nobre" de um canal chama-se "Politicamente Incorreto", com programas que rivalizam nas baixarias com Ratinhos e Datenas da TV aberta, por exemplo. E nenhuma operadora permite que você faça seu pacote e escolha pagar apenas pelos canais que de fato assistirá. Precisamos engolir mil canais inúteis para nossos gostos. Cadê a liberdade?

É o desespero diante de um público que tem encontrado na internet ou noutros meios o conteúdo que desejam (sobre isso, ver excelente artigo de Nelson Hoineff no Observatório da Imprensa). Tão desesperados estão que têm a coragem de acusar os políticos dos mesmos crimes que cometem contra o público. O instinto de sobrevivência é forte mesmo...

Por outro lado, não é por decreto que se criam canais. No momento em que se estrutura uma TV pública, percebe-se que a coisa não é tão simples. Assim como a imposição de cotas para produção regional também é polêmica. No entanto, precisamos reconhecer: agüentamos cotas e mais cotas de seriados rejeitados nos EUA e de filmes perfeitamente classificáveis como B. E não participamos da elaboração dessa grade de programação em nenhum momento. Isto é, só na hora de pagar.

Aí é outra "terra de ninguém": no caso da SKY, se você escolhe pagar em débito automático na conta-corrente, é um preço e você recebe em casa um "extrato de conferência". Se optar por pagar em boleto bancário, são mais 3 reais. Qual a diferença entre o conteúdo do extrato e do boleto? Nenhuma. O custo de emissão de um boleto junto ao banco, claro, é repassado pro cliente. Mais uma vez: não há liberdade de escolha. Diferente de outras concessionárias de serviço, temos que optar por pagar mais e ter mais trabalho ou pagar menos e confiar que os valores sempre virão certos. Porque se não vierem, prepare-se pra bloquear o débito, correr atrás pra contestar os valores etc...

Aprisionaram o significado da palavra "liberdade". Quem vai libertá-la?