sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

A escrita bate papo

LESSA - Que texto esse do Fausto Wolff, hein?
AMIGO - Muito bom, né?
L - Os ferrados serão imortais...
A - É... Será que eram grandes porque eram ferrados, ou ferrados porque grandes?
L - Tudo bem que pra um trilhão de ferrados aparece um imortal...
A - Pois é. Apenas alguns conseguem transformar a dor que lhes vara a alma em arte. O que por si só, deve ser uma tortura. Se para produzir arte estando tudo bem já é difícil...
L - Escrever dói. Ou, se você sente dor, sai a escrita. A boa escrita, com alma (não que eu seja masoquista).
A - Sei. Mas ao mesmo tempo é preciso um certo distanciamento diante da dor, porque se você se envolver demais na hora de escrever (pelo menos no meu caso), a coisa sai sem qualidade.
L - Esse distanciamento é exíguo, não pode ser demais nem de menos. Mas, pelo menos comigo, preciso que algo me mova a escrever. Uma descarga de intensidade - que é muito comum na dor.
A - Ah, sim, concordo. Mas eu preciso ter um certo distanciamento, como se tivesse que encapsular a dor para poder olhá-la mais atentamente, sem deixar o sentimento da hora se esvair.
L - Mas a euforia pode causar isso também.
A - Concordo de novo.
L - Se o sentimento da hora se esvai, acabo não escrevendo. Por isso meus artigos são muito datados. O que confirma minha vocação jornalística.
A - Entendo. Por isso que às vezes tento escrever no calor da emoção apenas para registrar os sentimentos. Quase um fluxo de consciência, para depois, se quiser alguma coisa coisa com o texto, trabalhá-lo.
L - Eu escrevia no Word pra depois postar no blog. Hoje, percebi que escrever na internet mudou um pouco a forma do meu texto, e que é muito bom escrever direto no Blogger. Em compensação, não tenho arquivado os textos em Word, isso é ruim.
A - Tem muita coisa que escrevo ainda em papel, coisas que não bostejo (publico). Um caderno com coisas mais pessoais.
L - É o seu "Livro Aberto" (à la Fernando Sabino)...
A - Talvez.
L - Eu também tenho algumas anotações assim, que comecei a fazer para "me ler". Teve uma época em que eu não conseguia lidar com meus avós e tinha um milhão de coisas na cabeça. Resolvi comprar um bloco pautado e viajei pra Cabo Frio, pro niver da minha madrinha. Passei a festa inteira escrevendo no bloco, sem parar.
A - Eu também faço esse registro de problemas e épocas. Levei um na minha última viagem sozinho.
L - A sogra da minha madrinha se espantou e veio me perguntar o que eu tanto escrevia sem parar...
A - Hahahahaha
L - E, pra completar, um professor dela veio fazer a mesma pergunta... com jeito de cantada.
A - Epa!
L - Pois é... que situação! Mas o bloquinho tá lá, cheio, em breve vou reler.
A - É uma ótima experiência.
L - Depois enchi mais outro, que era preenchido esporadicamente. Às vezes a gente não sabe o que está se passando conosco e - incrível! - você descobre quando a caneta vai riscando o papel.
A - Exato! Os problemas acabam entrando em perspectiva, e o que parecia um dragão é apenas uma lagartixa.
L - Pois é, eu não deixo de ficar impressionado. Mas mesmo que não virem lagartixa, ao menos você se sente menos cego em tiroteio...

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Um Maranhão de dúvidas

Foi tenebrosa notícia quando a nadadora Joanna Maranhão revelou que sofreu abuso sexual por parte de seu técnico quando ela tinha apenas nove anos. Imediatamente, começaram a surgir reportagens não só sobre o caso, como também sobre a confiança dos pais de atletas nos técnicos de seus filhos (que não raro começam a carreira cedo).

É complicado. Um assunto desses requer muita sensibilidade e cautela por parte da imprensa na hora de tratar a público. Um alarmismo sem necessidade é passo certo para a paranóia. O caso de Joanna é exceção, minoria ou corriqueiro? É preciso uma boa apuração para que o público não pense que isso ocorre a torto e a direito, e assim os pais ganharem mais um motivo pra não dormir à noite.

No entanto, a mãe da nadadora botou a imprensa em xeque, de uma maneira ainda mais complicada: revelou o nome do técnico que abusou de Joanna. E aí? Publica-se ou não a informação? A imprensa não tem como apurar (ao menos, ainda) se a denúncia procede ou não.

Porque uma coisa é certa: acabou a carreira da pessoa citada pela mãe de Joanna, que ainda sofrerá olhares e desconfianças pro resto da vida. Como dizem os princípios do direito, todos são inocentes até que se prove o contrário - é o que o técnico citado tentará fazer. Mas o fato de já ter sido divulgado em massa que ele pode ter cometido um dos maiores pecados universais da contemporaneidade (abuso sexual de crianças) não tem volta.

Lembram do caso da Escola Base (que deveria ser lembrado sempre nas redações)? Na ocasião, um casal que era dono de uma escola infantil foi acusado de abusar sexualmente dos alunos. O circo da mídia foi criado, a escola faliu, os acusados foram publicamente condenados e... nunca houve provas. E nem a maior das erratas vai apagar a suspeita na reputação dos dois, fora os prejuízos emocionais.

E se for provado que o técnico mencionado foi falsamente acusado? Provavelmente, a mãe de Joanna poderá ser processada. Mas e a imprensa que espalhou a informação de uma fonte, prejudicando um cidadão? Vai retificar a informação na mesma intensidade (primeiras páginas, várias reportagens etc)? Se o fizer, vai adiantar?

Volto à pergunta: a imprensa deveria divulgar o nome? Se não o fizesse, seria sonegar informação ou não? Suicídios não são noticiados pelo fato de não causarem publicidade que "incentive" novos atos do tipo - é um dos poucos acordos universais que a imprensa cumpre. No caso do técnico de Joanna, da Escola Base, não deveria existir o mesmo cuidado? A não ser, claro, que já estivesse devidamente comprovada a culpa.

A intenção da mãe de Joanna era pôr um ponto final no assunto. Só se for pra ela, porque para o técnico e para a imprensa, a história - e os questionamentos - estão apenas começando.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Tá explicado.

(Foto encontrada num blog bem legal, de uma amiga bem legal: www.bibidebicicleta.blogspot.com)

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

NASA, confete e serpentina

Férias com chuva? Carnaval com chuva? Não desejo isso a nenhum incauto. Ao despertar, chuva. Durante o dia, chuva. Ao dormir, chuva. Ida ao banheiro de madrugada, chuva. Chuva, chuva, não pára de chover e o teto do apartamento é o limite. Reconheço: o aconchego do lar é aconchegante com a ajuda da TV a cabo e do DVD. Ao longe, blocos de carnaval urrando suas alegrias até os décimos-vigésimos andares do bairro, mesmo debaixo d'água.

Os blocos de gente assumidamente disfarçada ganham terreno (concedido pelas autoridades) e são espaçosos. Nada contra, é feriado, carnaval, tem que ser assim. Além do mais, não dirijo e não saí de casa, praticamente. Não me incomodaram (solidarizo-me com os que discordam de mim nesse aspecto).

O espaço do carnaval imiscuindo-se a nosso espaço, os foliões descem de casa, tomam as ruas, se fazem. Os sambas, as marchinhas, os gritos de incentivo via microfone do trio ou do puxador da rua viajam pelas ruas da cidade. É carnaval, e os blocos são os embaixadores/repórteres desse acontecimento inescapável ao Brasil.

E a NASA faz 50 anos.

Hein?

A NASA faz 50 anos, você não sabia? Eu acabei de saber. Pra comemorar, vão transmitir pelo espaço a canção Across the Universe, dos Beatles. Segundo a agência espacial, a velocidade alcançada será de 300 mil quilômetros por segundo. Se você acha rápido (e é), veja o quão insignificantes somos: daqui a 430 anos a canção chega na estrela Polaris. A escolha é óbvia, desde o título até sua letra, e faz 40 anos que ela foi gravada (ouça aqui).

Pois veja só: música conquistando o espaço, como acontece com os blocos de carnaval. E o digno espaço sideral só poderia receber mesmo uma música dos Beatles. Serão 430 carnavais do universo sustentados pelo bloco de Liverpool, seja qual for o clima. Eu, que nesse 2008 fiquei em cinzento cativeiro ainda antes da quarta-feira, acabei sabendo de tudo isso enquanto ouço a farra lá da rua.

Quem dera se eu pudesse descer do prédio e dar de cara com os Fab Four atravessando a rua à la Abbey Road... Ou que o feriadão mais universal do planeta pudesse imitar Polaris e ser um cenário oficial para uma comemoração beatlemaníaca. O espaço pode ser fora da Terra, pode ser o passeio público, ou pode ser apenas um substantivo. Mas o espaço que recepciona uma canção dos Beatles é o um dos meus lugares preferidos para passar o carnaval.