quinta-feira, 20 de abril de 2006

Ao atravessarmos a rua

Ao atravessarmos a rua, todo cuidado é pouco. É preciso olhar o sinal (ou farol, ou semáforo), aguardar os veículos pararem e seguir pela faixa de pedestres até o seu objetivo: o outro lado da rua. Uma tarefa simples e totalmente cotidiana, crucial para seguirmos em vida.

Agora imagine que, enquanto você está no meio da rua, alguém grita o seu nome. Você não sabe de onde vem a voz, tampouco quem está falando. Informações fundamentais para você decidir o que faz. Continua atravessando? Ignora a voz? Dependendo de quem for, você presta atenção e pode voltar à calçada. Ou atravessar mais rápido. Enfim, saber quem fala e de onde fala é que dá credibilidade à informação, permitindo assim que você tome a melhor decisão para seguir em vida.

Pois eu penso que os cidadãos brasileiros encontram-se na mesma situação diante da imprensa atual.

Muito se tem gritado daqui e dali, vozes elevadas querendo ostentar moral ou indignação, denúncias, pizzas de novo, culpados, absolvidos, interesses permeando a atmosfera. Você pode concluir que sempre foi assim e que, dependendo das conveniências e do nível de "rabo preso", não muda muita coisa.

Ainda assim, quero lembrar um exemplo que considero significativo na história recente da imprensa brasileira. Em 2002, a revista Carta Capital declarou abertamente o voto em Lula, e por meio de seus editoriais e artigos apoiava o candidato do PT. Enquanto isso, continuava cobrindo a campanha, como todos os veículos de comunicação.

Considero que a postura da revista foi a mais honesta, uma vez que nos ajuda a "atravessar a rua", até hoje. Quando lemos em suas páginas matérias sobre o Governo Federal e demais acontecimentos da atual cena política, sabemos qual a posição do veículo sobre seus sujeitos e objetos de análise e cobertura. Sabemos quem fala o quê, e de onde está falando. Isso se chama transparência.

Por outro lado, os principais jornais e emissoras do país teimam em nos dizer que são "imparciais" e "isentos", e que buscam o equilíbrio na hora de cobrir os acontecimentos. Diante do que temos presenciado nas páginas de jornais e blocos de TV, isso se chama estelionato. E com a audiência do cidadão brasileiro, o seu bem mais precioso (eu diria que a credibilidade é o bem mais precioso, mas não sei se tais veículos ainda se preocupam com isso).

Como distinguir as versões elaboradas dos fatos reais, uma vez que ninguém admite de onde está falando? E ainda flertam dia após dia com as aspas, aproveitando as falas de políticos daqui e dali, uma vez que os próprios veículos não têm coragem de assumir o DNA do que transmitem. Talvez por estarem com tanto "rabo preso" quanto aqueles que denunciam...

Seria muito mais benéfico para a democracia e para o Estado brasileiro se a imprensa compartilhasse com seu público uma informação tão importante quanto seus "furos": o lugar de onde se emite a mensagem. Isso daria mais elementos ao cidadão para decidir não somente seu voto, como também tantas outras decisões importantes para sua autonomia pessoal e conscientização nacional. Assim como desejamos dos parlamentares o voto aberto nas sessões, queremos a "apuração aberta" da imprensa no que diz respeito às intenções de suas pautas.

Ou sou só eu que preciso de um jornalismo responsável?

terça-feira, 4 de abril de 2006

O homem na corda bamba (*)

Está tenso. Tensiona os músculos e o espírito, e controla sua ansiedade para dar o passo seguinte. Ao mesmo tempo, preocupa-se em manter o equilíbrio. Qualquer passo em falso, verdadeira queda, derradeira morte. Não há rede de segurança, e ele precisa ignorar o abismo e lembrar-se dele, ao mesmo tempo. Avista o outro lado, quer chegar, mas precisa manter o ritmo.

Ao chegar perto, pensa em se apressar. Depois de tanta espera e suor, agora falta muito pouco. A tentação de se apressar é cada vez mais forte, mas ele sabe que se jogar pro alto toda a tensão administrada, atira-se abaixo. A ansiedade o envolve de tal forma que fica na dúvida se era mesmo pra ter seguido aquele caminho. " Era!" , ouve a confirmação em seu espírito.

O homem na corda bamba, personagem tão conhecido de quem já foi ao circo, volta a minhas memórias ao escrever esse editorial. Tentei observar o que ele agüenta lá em cima e fechando os olhos por um minuto, ao abrir me vi na corda. Meu medo de altura por companhia, pra deixar a situação mais dramática. Corda metafórica, sentimentos semelhantes ao de tantas fases de nossa vida.

Não sei que vozes o homem na corda bamba consegue ouvir durante sua exibição. Se o barulho da platéia o atrapalha, se pensa que nunca devia ter sido o que é. Mas ouvir " esse é o caminho, andai por ele" , na voz inconfundível do Espírito Santo, é tudo o que busco na minha corda. Quer dizer, vida. Acho que dá no mesmo.
(*) Originalmente publicado em 15/05/2005 no boletim dominical da Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro