segunda-feira, 18 de agosto de 2008

O brasileiro não é ufanista

Diego Hipólito, favorito para vencer a medalha de ouro na ginástica olímpica, caiu no final da série de exercícios e ficou em sexto lugar. Cabisbaixo e muito decepcionado, o atleta balbuciou para os repórteres:

- Peço desculpas aos brasileiros que acreditaram em mim.

Diego não deve pedir desculpas a nós: assim como muitos esportes amadores, a ginástica não tem um planejamento nem grandes incentivos do Comitê Olímpico ou do Ministério do Esporte.

De onde vem a pressão sobre o atleta na hora de representar o país? Os brasileiros torcem, mas diferentemente do futebol, não há uma cobrança por expressivos resultados nos esportes olímpicos. Ficamos frustrados por Diego, pois ele era favorito. Mas não se pode dizer que a torcida colocou um enorme peso nas costas do atleta.

No entanto, observe a cobertura e a transmissão dos Jogos: quantas vezes você já ouviu ou leu o adjetivo "histórico"? Se o ginasta foi à final pela primeira vez, foi uma classificação "histórica"; se o bronze feminino no iatismo era inédito, então é uma medalha "histórica". Mesmo se um atleta fica em décimo lugar no geral, e essa for a melhor classificação em todos os Jogos, é um desempenho "histórico".

A banalização dos adjetivos para os feitos olímpicos cria falsas expectativas e coloca sobre os atletas uma pressão que, na verdade, é muito menor. Mas a partir do momento que uma rede como a Globo compra os direitos de transmissão, ela torna-se "parceira" do evento. Ou seja, o evento tem que ser um sucesso. E os espectadores precisam ter essa sensação de sucesso.

Só que apenas ufanismo não basta. O Brasil leva quase 300 atletas em cada delegação e o maior número de medalhas conquistadas numa Olimpíada foi... 15. Há algo errado aí, e é só olhar para o descaso de escolas e alunos pelas aulas de Educação Física para entender. Ou checar o orçamento do Ministério do Esporte.

Fora isso, por mais que a Globo (ou a Record, em 2012, vai dar no mesmo) exija dos atletas uma alta performance, ela não age da mesma forma. Por exemplo: pode-se dizer que Galvão Bueno sabe de Fórmula 1 e, vá lá, de futebol. Mas ele também narra natação, ginástica olímpica, basquete... É a lógica do ufanismo acima de tudo.

O brasileiro não é ufanista, e isso não quer dizer que ele não goste do Brasil ou não torça por seus representantes.

Queremos ver o sucesso de nossos atletas - e para isso eles precisam de uma preocupação séria das autoridades esportivas. E nós precisamos de uma transmissão fiel à realidade, seja ela qual for.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

O público enfatizado

Uma das notícias mais inusitadas das Olimpíadas de Pequim (e não Beijing, falou?) foi a declaração do judoca português Pedro Dias, que eliminou o favorito brasileiro João Derly. Ele escolheu um dos eventos mais assistidos no planeta para confessar que foi... corneado. E por Derly, que teria saído com a namorada de Dias enquanto este passeava com a mãe do brasileiro (?). Meio cafona, mas vá lá.

Desmentidos de Derly e suas pazes com a esposa à parte, a cobertura do caso não poderia deixar de ser intensa. Celebridades esportivas na mesma situação que as celebridades das artes e espetáculos, em meio aos Jogos Olímpicos? Nada mais midiático.

E logo surgiu a pergunta: quem seria a pivô da briga? O jornal Extra, das Organizações Globo, descobriu a menina. Como é cada vez mais comum no fazer jornalístico atual, vasculhou o perfil do Orkut da cobiçada namorada do português. A matéria continha parágrafos como esse:

Joana se descreve como uma pessoa muito amiga e tímida. Mas as fotos em seu álbum revelam que a bela não é tão tímida assim, com closes ousados. Suas comunidades também revelam uma moça apimentada. Dentre elas, destaque para "Beijos - 600 maneiras", "Eu adoro dormir sem roupa", "Adoro abraço por trás" e "Antes Safada do que Tapada".

E ainda outro trecho, também baseado nas informações das comunidades de Joana:

"...a moça gosta de homens com barba por fazer, como revela outra de suas comunidades, o que daria mais pontos a Derly em relação ao português."

Daí surge a dúvida: isso pode ser considerado invasão de privacidade? Os internautas não quiseram nem saber, e invadiram o perfil de Joana. Assim como já tinha acontecido com a mulher que subiu no palco de Bono Vox e com árbitros de futebol após partidas decisivas.

É fato que a internet é recente e ainda não sabemos lidar com ela, ainda mais por sua capacidade de apresentar novidades e transformações numa velocidade incrível. Se alguém "se revela" num site de relacionamentos público, imagina-se que deve estar preparado para esse tipo de coisa. Afinal, qualquer um poderia ler as informações acima, sem a necessidade da matéria do Extra.

Mas pense você: e se um jornal vasculhar seu perfil no Orkut, publicar as comunidades que você freqüenta, tirar conclusões sobre sua personalidade a partir delas e disponibilizar tudo isso a milhões de internautas? Será que, mesmo você tendo ciência de que botou tais informações num site público, não se sentiria invadido?

Não se pode negar a diferença de uma informação (ou um perfil no Orkut) perdida entre muitas outras daquela que um jornal de grande circulação escolhe, destaca e deixa ao alcance de inúmeras pessoas. Por exemplo: jornal é jornal, dicionário é dicionário. Ambos possuem o mesmo conteúdo - as palavras. Mas com funções, contextos, e alcances diferentes.

E aí surge outra dúvida: isso é jornalismo? Utilizar apenas uma fonte para informar ao grande público sobre uma pessoa que está em evidência? Não sei se o Extra teve essa preocupação. Mas se estiver de fato querendo fazer jornalismo, o faz de maneira responsável? Ou seja, apresenta um relato confiável e que não vai prejudicar o "entrevistado"?

Na história da comunicação nenhuma mídia substituiu completamente suas predecessoras. O jornal impresso, o rádio, a TV e agora, a internet, coexistem, influenciando-se mutuamente. A real ameaça (já concretizada) é que, devido à sua instantaneidade e a possibilidade de participação do usuário, a internet está escancarando como se produzem as notícias. Um feito e tanto.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Masoquismo

Uma das últimas coisas que eu gostaria de ter na vida seria amnésia. Pensar em perder a memória, seja de coisas recentes ou antigas, me dá arrepios. Sabendo que nossas lembranças estão sempre associadas emocionalmente com episódios importantes da vida, compondo nossa identidade, pior ainda.

Olhamos para determinadas fases de nosso passado e nos assustamos: como pude fazer aquilo? Onde eu estava com a cabeça? E então, alimentados por essa memória que não se apaga de nós, decidimos não errar mais, aquele deslize registrado internamente nos alerta a não repetir o que fizemos de ruim.

Diante disso, há momentos em que eu gostaria de ser argentino.

Nossos hermanos aprenderam que os crimes da ditadura não poderiam ficar impunes, principalmente a tortura. Não é incomum que muitos militares (até de alta patente) tenham sido julgados, condenados e presos quase 30 anos depois de comandar esse tipo de ação.

E a Argentina continua com Forças Armadas! Ou seja, punir quem desonrou os direitos humanos não significa desrespeito ou descaso com os oficiais de hoje.

Mas no Brasil não parece ser assim. Nosso país é especialista em grandes acordos: a anistia foi para perseguidos e perseguidores; em vez de Diretas Já, um pacto para os congressistas escolherem o mandatário da nação indiretamente.

O ministro da Justiça, Tarso Genro, tentou levantar o assunto de punição aos torturadores. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, chiou em nome dos militares. Polêmica vai, polêmica vem, o presidente Lula resolveu que não se fala mais nisso.

Ok, Lula definiu que o Poder Executivo não fala mais nisso, deixou a batata quente pro Poder Judiciário. Mas se houvesse vontade política por parte de seu Governo nessa matéria, as coisas não seriam repassadas assim tão facilmente.

E asssim prosseguimos. Tentando deixar o nosso passado embaixo do tapete, como se as memórias pudessem ser simplesmente deletadas. Os torturados e suas famílias não vão esquecer. Os torturadores que ainda existem no aparato policial, por exemplo, sempre vão se lembrar que podem sair impunes.

Nunca antes na história desse país um presidente perdeu tantas oportunidades de fazer História.

sábado, 2 de agosto de 2008

Salto alto e pochete

Matei a charada! Pode me chamar de pretensioso ao final do artigo, ou mesmo artista do óbvio. No entanto, pessoalmente, acredito que caminhei mais algumas milhas na dificílima arte de decifrar como se desenrola um relacionamento homem-mulher.

Minha namorada (hoje esposa) quase me espinafrou a sangue-frio quando me viu portando uma pochete no ombro (veja bem: eu não usava na cintura). Tinha me maravilhado com aquele singelo artefato: meu celular, minha carteira e minhas chaves cabiam num só lugar de maneira portátil. Chega de revezamento de bolsos!

Paralelamente, ela vez por outra reclamava que aqueles sapatos estavam assassinando-a, devido aos saltos, altos e finos. Ainda assim, o uso em determinadas ocasiões era prioritário, quando não obrigatório.

Salto alto e pochete: como dois objetos conseguem ser tão concisos quanto a características intransferíveis do homem e da mulher. Enquanto nós priorizamos a utilidade e o conforto acima de tudo, elas fazem o mesmo com a estética. E nessa gangorra os relacionamentos passam por aventuras inesquecíveis.

Pensamos: qual a razão para se usar um sapato desconfortável, que machuca os dedos e os calcanhares? E por que não devemos usar um recipiente tão perfeito para guardar o resumo de nossa vida diária?

Pensam elas: qual a razão para se usar algo tão horroroso no ombro (e que na cintura é uma aberração)? E por que não devemos usar sapatos tão lindos (que torço para que nenhuma mulher mais tenha)?

Ambos evocam as argumentações acima e se entreolham, incrédulos com a profissão de fé do outro.

Estética e utilidade (com conforto) podem caminhar juntas, mas essa graça não foi alcançada pela pochete ou pelo salto alto. Foram inventados apenas para colocar em xeque os relacionamentos que tentam driblar a arte de negociar e a oportunidade de perceber como funciona o sexo oposto.

Mesmo assim, saimos perdendo: sempre haverá os bolsos, mas determinadas vestimentas femininas não pedem outra coisa que não os sapatos de salto alto. E pior: adoramos vê-las com eles.

O que não apaga a minha sensação de ter matado uma charada.