segunda-feira, 4 de julho de 2005

A janela de Roberto Jefferson

Eu tentei fugir, mas ficou extremamente difícil. Cheio de compromissos acadêmicos de fim de curso, deadline para textos em outras publicações, meu blog e meu espaço no site Opinião Pública (link ao lado) relegados a último plano... Mas não teve jeito: contra todas as exortações da prudência e atendendo a anseios que vêm à tona, preciso ser mais um a falar dos (recentes) escândalos de Brasília.

O que mais me chamou a atenção nessa longa jornada em que o Governo atola-se há um mês não foram as denúncias (graves, sem dúvida) nem a decepção com certas práticas que julgava estarem muito distantes do PT, mesmo no poder. A imagem que me saltou aos olhos foi a da janela de Roberto Jefferson.

É incrível como o deputado, acusado de comandar esquemas de propina, recluso com seus advogados e não dando entrevistas, mantinha sua janela aberta ao público. E aos jornalistas, claro: sempre saindo nas primeiras páginas. O dúbio parlamentar fazia questão de manter sua privacidade... com o janelão aberto?

A janela era profética. Nós é que ainda não havíamos entendido.

Desde seu primeiro depoimento na CPI, Jefferson transformou-se na ironia encarnada: convocado como réu, portou-se como promotor de justiça; encaminhado ao curral dos bodes expiatórios, por meio de uma sinceridade profunda e cínica nivelou-se por baixo arrastando todos os seus pares, até então à vontade com as pedras em riste; sem apresentar prova alguma, praticou retórica e balançou a estrutura do poder: já não se conta nos dedos de apenas uma mão quem saiu do Governo ou, no mínimo, foi envolvido nas acusações de Jefferson.

Réu confesso, antes de tudo. No entanto, a amplitude de suas denúncias, o lugar de onde as projetava - o olho do furacão dos governantes da vez, como sempre marchou desde que entrou no Congresso - não deixava dúvidas: enlameado, porém não sozinho. De quem sempre se esperou tais práticas surgem as inesperadas metralhadoras contra aqueles de quem nunca se esperava manchas tão significativas.

A partir daí, roda, roda e avisa: CPI aqui e ali, indignação súbita, moral em alta na baixaria inconsciente etc etc etc. E o que Jefferson ganha com isso tudo? Outra entrevista na Folha de São Paulo; entrevista no Roda Viva; entrevista no Jô Soares. Falamos de Ronaldinho, Roberto Carlos (o cantor), ou de algum outro ícone propício aos palanques acima? De um balcão da Comissão de Ética, passando pela CPI que o acusava (também), Jefferson é convidado a torto e a direito para lugares que emprestam sua credibilidade a um suspeito-mais-que-suspeito.

Os jornais alardeiam: já temos um novo PC, os novos traidores da pátria, mar de lama again. É preciso cobrir tudo isso, claro. Mas os mesmos órgãos de imprensa que nos trazem o Apocalipse atual tentam acalmar: a economia não se abalou, o presidente não está envolvido, o Brasil segue caminhando, apesar de tudo. Agora fiquei na dúvida: é mesmo a maior crise dos últimos tempos? Ou não é? Hein?

Roberto Jefferson colhe, com gosto, o que plantou no seu apartamento: pensávamos que era ele a bola da vez, que ele estava encurralado, vigiado 24 horas por dia pela opinião pública via mídia, mas todos esquecemos do principal: quem abriu a janela foi ele. Jefferson poderia ter fechado a janela, mas não o fez. Ele sabia que ali fora estariam câmeras, fotógrafos e tudo o mais caindo na sua infantil armadilha.

E isso se repetiu depois. Sabe-se lá por que, todo o país e seus porta-vozes entraram pela janela de Roberto Jefferson sempre que ele permitiu. Homeopaticamente, foi lançando suas versões - muitas vezes contraditórias, mas quem lembra desses detalhes no meio do fogo ardente? - ameaçando ter mais munição, espertamente inocentando o mandatário-chefe, porque Jefferson não é bobo. Nem da corte, embora pareça.

Que investigação existe? Que questionamentos aos delatores? O que há é uma janela aberta por alguém, e toda vez que essa janela se fecha, é preciso chamar Vossa Excelência a abrir de novo. Uma janelinha na TV Cultura, outra (repetida) na Folha, mais uma - dessa vez mais informal e divertida - na Globo. Nas sérias CPIs, todos se debruçam na janela retórica de Jefferson, que sai rindo de todas as sessões, sabemos sim porquê. É o gozo da vitória, é o orgasmo de quem tem todo um país na mão.

Foi só abrir a janela.