domingo, 20 de agosto de 2006

A vida é curta


A vida é curta. Por enquanto, apenas 8 meses, dependurados na barriga em simbiose maternal. Aguarda o momento enquanto é segurado firme, a mãe segurando firme na barra do metrô para não cair. Os lugares, todos ocupados, incluindo os já a ela reservados.

A insensibilidade geral é larga. Bancos verdes, laranjas, sem preconceito de cor em honra à indiferença. A mãe se segura e os demais acomodam-se cegos, ou num fingimento cuja habilidade quase admiro.

O olhar da mãe é curto. Não almeja grandes conquistas, apenas um lugar naquele vagão. Um descanso exigido por lei natural e legitimado no direito, degolado na atitude ilegítima dos sentados. O olhar da mãe é curto e me corta. É comigo agora. Meu desespero em checar se realmente ninguém dos bancos reservados vai levantar é estimulante do meu erguer-me. Ela parece ter compreendido meu próprio olhar antes de mim: começava a deslocar-se em minha direção. Era hora de algo mudar.

A distância entre nós encurtou-se. Um homem no banco em frente a mim quase levita em marcha acelerada para preservar a vida curta e sua mãe, que senta à minha frente. Vejo seu rabo-de-cavalo a um palmo. Os sentados nos reservados poderiam hospedar-se num museu de cera. Estáticos gélidos de alma.

A viagem é curta e eu salto. Daqui a um mês ele vem à luz e me pergunto: em que lado se postará? Dos profissionais da frieza ou dos revoltados incomodados? Não saberá, por certo, que sua mãe participou do circo humano da dissimulação. Nem poderei relatar-lhe meu testemunho. "O mundo te espera, e cruel", eu diria.

domingo, 13 de agosto de 2006

PCC, mestre em Comunicação Social


Seqüestraram um repórter. UM repórter. Após centenas de ataques, outra centena de mortos, toques de recolher, paspalhices políticas e terror generalizado, o PCC resolve seqüestrar um repórter, funcionário do maior monopólio de comunicação do país. Após esse feito, seu vídeo de reivindicações, que fala da situação carcerária insustentável, é veiculado na íntegra, do contrário a pena de morte do repórter estaria assinalada.

É incrível que, até então, o noticiário só conseguia cobrir os momentos de pânico, influenciar ou relatar a repressão policial maior ainda, mostrar os chefões do PCC etc etc. Mas pouquíssimas vezes fizeram matérias sobre a situação carcerária do país, as condições para que ladrões de galinha ou de lojas de shopping se tornem monstros e que monstros nunca dêem meia-volta na sua vocação criminosa.

Mas no momento em que UM repórter da Globo é seqüestrado, todo o país é obrigado a ver o que os jornais teimam em não mostrar: as causas do problema.

Não discutirei aqui as origens de um criminoso, qual a melhor solução para a violência e a desigualdade social, ou coisa do tipo. Vou me ater ao fato da vez: como os principais representantes do PCC reiteraram sempre (incluindo Marcola na CPI do Tráfico), os ataques se repetem porque a situação carcerária é desumana, uma fábrica de bombas-relógio como a que estamos assistindo agora.

"Mas eles são desumanos também! Olha o que estão fazendo com cidadãos de bem! E eles não estão presos à toa!". Não estou negando isso.

No entanto, o sistema prisional brasileiro especializa-se dia após dia a piorar o que já está ruim. Imagine você juntar num cubículo para 12 pessoas cerca de 50 indivíduos com antecedentes criminais, de variados níveis e índoles. Além disso, trate-os como animais, abuse de sua autoridade diante deles. Há como conter essa panela de pressão por tempo indeterminado?

Esse é o tipo de cobrança que a sociedade também deve exercer sobre os governantes. Segurança pública não é apenas manter os marginais longe de nossas belas casas - é proporcionar condições para que os mesmos, se não forem ressocializados, ao menos não apresentem perigo iminente. E que não tenham motivação ou condições para isso. Prender e manter nas condições já referidas é fortalecer rebeliões futuras, quando a fúria será maior e mais organizada. É o que vemos em São Paulo.

Pois dessa parte da história a imprensa passa longe. Também não são abordados os casos (milhares de casos) de ladrões de pequenos furtos que já deveriam estar soltos e permanecem lá, pois não são Suzane von Richtofen para terem advogados acompanhando passo a passo os direitos de liberdade condicional etc que possuem. Ficam lá, sem esperança, e cujas únicas opções são a morte ou sobreviver por meio de facções como o PCC. Pioram, graças ao sistema prisional, que deveria nos dar segurança.

A imprensa encarna o espírito de classe média/média-alta que nos acomete hoje: bandido bom é bandido morto ou esculachado dia após dia. Não se percebe que esse tipo de postura, estendida aos governantes e suas administrações penitenciárias, é a pólvora perfeita para incendiar o Morumbi intocável. É muita ignorância.

Assim, qual é a maneira de mostrar à sociedade as causas de problemas tão graves de nosso sistema de segurança pública? Seqüestrando um repórter da Globo. Bin Laden faz escola, e a imprensa não aprende.

Como jornalista, fico temeroso em perceber que os canais de intermediação - a mídia -são cada vez mais desprezados para que conheçamos nosso contexto. E por pura incompetência e cegueira de seus donos, fingindo que vivem num mundo diferente por terem mais dinheiro. Ilusão que o PCC tem se especializado em desfazer.

Oro para que o repórter não pague com sua vida pela teimosia de governantes e donos de jornais.