Inspirados nos bombeiros, professores tentam acuar o Governo do Estado do Rio
Um senhor, com os olhos machucados pelo spray de pimenta, era amparado por um rapaz. Ambos estavam no andar da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, aonde chegaram sem planejar. Após caminhar da Rua Primeiro de Março até a Rua da Ajuda, a única coisa que ouviam era o silêncio. A indiferença, que pode ser mais cortante do que o próprio ódio, foi o combustível para ficarem ali. “Foi tudo espontâneo. Quando percebi, estava amparando um professor que me deu aula no ensino médio.”
Marcio Freire era o rapaz. De camisa amarela e calça jeans, cabelo baixo e um olhar cansado, ele explica com paciência porque os professores da rede estadual estão acampados no coração do Centro do Rio. A poucos passos de grandes empresas como Vale, Petrobras e Itaú, da Assembléia Legislativa do Estado (Alerj) e do principal Fórum da capital, experimentam a vida de moradores de rua: dormem na calçada e são ignorados pelos transeuntes.
Mas não todos. Há quem pare e tente entender por que uma centena de profissionais da educação estão se sujeitando àquilo, e assinam abaixo-assinados em apoio. “Apesar de não aparecermos na mídia, o acampamento está dando visibilidade à causa, para que não esqueçam porque estamos aqui”, conta José Antonio, de óculos e barba escura, vestindo um casaco preto para se proteger do frio. Ele dá aulas num supletivo em Copacabana. Marcio, no ensino fundamental em Queimados, na Baixada Fluminense.
As principais reivindicações salariais são um reajuste de 26% e a incorporação imediata do valor total da gratificação Nova Escola, “criada no governo Bonnie & Clyde”, como José Antonio se refere ao casal de ex-governadores Anthony e Rosinha Garotinho. Sergio Cabral tem aplicado a incorporação em parcelas, prometendo a última para 2015 (quando nem poderá mais governar, já que está no seu segundo mandato). Tal prática sequer repõe a inflação. No caso das merendeiras, mesmo com triênios e a gratificação, não chegam a receber um salário mínimo.
“A Lei de Responsabilidade Fiscal prevê que cada estado da federação gaste até 47% do que arrecada com Educação. O Governo do Rio só aplica 26%. E somos o segundo estado mais rico do Brasil. Prefeituras pequenas do Rio pagam mais que o Estado, mesmo com menor arrecadação. Sem contar a questão das isenções”. Marcio fala do episódio em que Sergio Cabral deu isenções fiscais a empresas que hoje possuem contratos com o Governo (como o conglomerado de Eike Batista, que recebeu R$ 75 milhões de isenção) ou estabelecimentos com impossibilidade de comprovar a contrapartida para o Estado, como a rede de cabeleireiros Werner e até casas de massagem.
Melhores condições de trabalho também estão na pauta de reivindicações. “Turma com 50 alunos é impraticável”, diz José Antonio. Número que pode aumentar, já que a Secretaria de Educação planeja fechar escolas que estão com número reduzido de alunos. A maioria das aulas da rede estadual são noturnas, ou seja, os alunos costumam trabalhar e freqüentar as escolas perto de suas casas. Com o fechamento, teriam que se deslocar para mais longe e chegar mais tarde em casa, o que pode impactar tanto o rendimento como a própria sequencia dos estudos.
“E a gratificação Nova Escola é para aqueles que batem as metas estipuladas pela Secretaria de Educação. Não somos contra a meritocracia, mas as condições são desiguais. Dou aula na periferia de Queimados, e os alunos chegam na escola com fome, maltrapilhos. Os pais são analfabetos, não vão ajudar no dever de casa. Saio prejudicado em relação a um professor que dá aula no Centro do Rio, por exemplo. E o que vai acontecer, daqui a pouco? Os professores vão buscar trabalhar em escolas melhores, com mais condições, deixando as outras ainda mais abandonadas”, diz Marcio.
“Vocês vão dormir aqui hoje?”, pergunta uma mocinha morena com uma prancheta na mão. Marcio e José ainda não sabem. “Pra você saber mesmo como é o clima do acampamento, tinha que passar uma noite aqui!”, diz Marcio ao repórter.
Mais de 100 professores usam 52 barracas típicas de camping para se proteger na Rua da Ajuda. Ao centro do acampamento, fica uma tenda branca (como as usadas pelos vendedores de praia), sob a qual ficam algumas mesas com material de divulgação. Ao lado, debaixo da marquise, estão os mantimentos, como galões térmicos para café e suco, isopores com quentinhas e sanduíches. Num varal improvisado, várias folhas de papel identificam as escalas do dia: “Equipe de Saúde”, “Equipe de Limpeza”, “Equipe de Alimentação”. “Temos até equipe de recreação, com música, pantomima, teatro, para elevar o moral de quem está aqui”, conta José Antonio. Para as necessidades higiênicas, usam o banheiro do Sindicato do Professores, na Avenida Rio Branco, que possui chuveiro.
O acampamento não foi planejado. Depois de uma assembléia realizada em frente à Alerj, na Rua Primeiro de Março, os professores marcharam em direção à Secretaria de Educação, que fica na Rua da Ajuda. Todos, com a ajuda de um trio elétrico, se postavam à frente do prédio com palavras de ordem. Os secretários de Planejamento e Governo, Sergio Ruy Barbosa, e de Educação, Wilson Risolia, não haviam marcado nova rodada de negociação, e a manifestação não mudava o quadro.
Assumidamente inspirados pela ocupação dos bombeiros, cerca de 70 professores resolveram entrar no prédio e permanecer no andar da Secretaria de Educação até serem atendidos. “O policial militar que guardava a entrada nem reagiu. Não sei se pela surpresa ou por ser solidário a uma classe que, como a dele, também não está sendo atendida pelo Governo do Estado. Mas o certo é que eles não esperavam”, continua Marcio. Só mais tarde veio a tal reação, com o spray de pimenta nos professores de gerações diferentes. Durante a noite, uma viatura da polícia guarda o local.
Depois de algum tempo, os professores conseguiram forçar a realização de reuniões com os Secretários. Nenhuma evolução. A categoria também se diz decepcionada com Sergio Cabral que, de uma maneira curiosa, dirigiu-se aos professores antes de vencer as eleições de 2006. “Ele disse que entendia nossa situação e mandou uma carta para cada professor, comprometendo-se com tudo que está dando as costas agora. Agora eu te pergunto: Sergio Cabral ainda era apenas um candidato. Como ele conseguiu nossos endereços individuais?”, espanta-se José Antonio.
O ar condicionado é outro fator que motiva os professores a continuar com os protestos (o acampamento foi instalado no dia 12 de julho). Segundo Marcio, foram instalados aparelhos de ar condicionado em todas as escolas estaduais, a despeito da real necessidade. “Dou aula num CIEP que fica em cima de uma colina, é arejado, não precisava”. Em Queimados, a rede do bairro não agüentou, causando um apagão no local.
A maioria dos aparelhos está desligada devido ao mesmo problema de eletricidade, mas o aluguel de cada um, em torno de 900 a 1500 reais, continua sendo pago em dia. Já o salário básico de um professor, concursado e de nível superior, é de 680 reais. Eles também recebem um cartão-cultura de 500 reais, que não podem ser gastos em outros fins. Os aposentados não recebem nem a gratificação Nova Escola nem o cartão-cultura. A última proposta apresentada pelo Governo do Estado oferecia um reajuste de 3,5%, e foi rejeitada pelos professores.
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