sexta-feira, 30 de março de 2007

It's wonderful to be here

Acabo de ter uma experiência atrasada. Passa da meia-noite, é 2007 e eu ouvi Sgt. Pepper's, um dos mais marcantes discos dos Beatles, de ponta a ponta. Coloquei os fones de ouvido, aumentei o volume e percebi cada nuance, arranjo, ousadia, irreverência, em cada música. Queria não dormir e ficar com o disco ecoando no travesseiro. Recomendo. Sara dores de cabeça, mau-humor e decepção com o que a sociedade de consumo tem oferecido para nosso ouvir.

Digo experiência atrasada porque posso estar falando a quem já fez isso há muito tempo, várias vezes. Eu não: só agora ouvi Sgt. Pepper's decentemente. Sem exageros, só agora ouvi, de fato, o disco.

Por que Sgt. Pepper's é um marco na história do rock, talvez da música?

Porque Sgt. Pepper's é um marco na história do rock, talvez da música.

Há o pioneirismo dos Beatles em incluir nas faixas sons de platéia, animais, instrumentos de orquestra etc e tal. Sem falar na arte da capa. Não sou músico ou estudioso musical para assinalar o quê, exatamente e em detalhes, os Beatles fizeram ao realizar o disco. Falo da minha experiência, aos 26 anos e sem ter visto os Fab Four tocarem juntos, de ser abençoado com qualidade que vai além de gostar ou não. É isso que quero descrever.

Sim, é delicado. Alguns crêem que gosto não se discute (muitas vezes pra justificar um gosto ruim sem dar vergonha de assumi-lo, mas deixa pra lá); outros, pensam que comer o filé mignon depois do patinho só dificulta o retorno ao patinho. Vou pela horrorosa metáfora via açougue. A gente ouve de tudo nessa vida. Mas ouvir Sgt. Pepper's é perceber que você se encontra em outro nível. É dar de cara com a produção de algo que faz diferença na tua vida. É perceber que quatro caras podem modular a voz, chiar com umas cordas e batidas e isso soar como nova Música, com maiúscula.

Você ouve e quer que a Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club band toque no coreto da praça em frente à sua casa. É abrir a janela e ver Lucy in the Sky with Diamonds assim que o sol nasce. É querer reunir todos os seus amigos, em todo planeta e de todas as épocas, e declarar pra eles With a little help from my friends (e a nossa voz tem que sair igual à do Ringo). Saber que existe o disco é ver que as coisas estão Getting Better, qualquer coisa é só ficar Fixing a Hole que tudo se resolve bem.

E pára tudo e chora tudo: She's leaving home. Como os Beatles conseguiram condensar todo o sofrimento humano com a indiferença alheia - e suas conseqüências - em curtos versos? Como encontraram a melodia perfeita, o coro em separado (poesia genuína e vinda "da veia") com a métrica ideal? Gente, é de pasmar. Sentimo-nos culpados por She's leaving home, sentimos pena, torcemos por ela, dizemos "Bem-feito!" para nós mesmos ao final...

Não acabou: Mr. Kite, um engraçadinho que cruza o nosso caminho, e depois imaginamos When I'm 64. Paul já passou da idade, mas pareceu desafiar a física quântica: ele não está fora de nosso tempo, não? Cantar isso bem antes de ter 64. Queremos estar lá também, precisamos dele, ele nos alimenta. Lovely Rita nos dá Good Moorning, Good Morning e que belo começo de dia!

Mas volta a banda. Sgt. Pepper's novamente, em tom de despedida. Cara, o CD está aqui na mão, posso tocar quantas vezes quiser, mas eu me desespero por eles dizerem que vão embora! Que negócio é esse? Mera reprise é que não é. Aliás, Sgt. Pepper's nunca será repetição pura e simples, cada audição é um impacto diferente. Talvez daí venha o desespero. Mas as notícias de A day in the life são o tiro de misericórdia, sem misericórdia. Acabou. Você não é mais o mesmo.

Sgt. Pepper's não é mais um disco, morrem os gostos e toda discussão a respeito, reverências a postos. Ouvir outra coisa? Eu mereço mais que isso.

sexta-feira, 16 de março de 2007

Resposta do jornal Expresso e minha resposta à resposta
(sobre a cobertura do caso João Hélio)

"Olá, meu caro. Antes de tudo um ótimo dia pra você. É o que desejo. Afinal, o meu não foi nada bom. A barbárie cometida por aqueles bandidos, que não podem ser gente, ainda me faz chorar.

Bom, se minha mentalidade menor e simplista me fez entender o que você quis dizer, você acha todos os jornais do Brasil sensacionalistas. Mas vem em tom particularmente visceral para cima dos tablóides (gostaria de lembrar que você incluiu o Extra, mas ele não é tablóide. Tablóide são jornais menores como Expresso e Meia Hora). Gostaria de lembrar ainda que os jornais, tablóides ou não, sensacionalistas ou não, não prendem ninguém. Não têm poder de polícia. Não têm poder de Justiça. Muito menos de decidir pela pena de morte. Também não têm o poder de vilipendiar famílias como a de João Hélio. Quem vilipendiou (desprezou ou repeliu) a família de João Hélio, além da minha e das pessoas de bem, foram os facínoras que não podem ser gente. Os jornais (tablóides ou não, sensacionalistas ou não) apenas tentam retratar os fatos e falar com os seus. Os tablóides não pioram a vida do povo, quem piora a vida do povo são indivíduos como aqueles criminosos.
Os jornais, tablóides ou não, sensacionalistas ou não, não concordam com atitudes como a que matou o menino João. Seja o criminoso maior ou menor. Os mesmos jornais que você acusa de vilipendiar famílias são os que mostram absurdos cometidos por pais que maltratam seus filhos. Graças a Deus, esses menores são vítimas e têm os jornais a seu favor. Mais ainda: eles têm o Estatuto, que é quem tem poder de polícia, poder de Justiça.

Discordo quando você diz que fazemos discurso em tom exacerbado. Exacerbada foi a atitude daqueles que cometeram tal barbárie que chocou toda a população. Acho que vou repetir isso: toda a população. De novo: toda a população brasileira. Assim como deveria ser exacerbado ao máximo o castigo de criminosos deste tipo. Absurdo pra mim, expressamente proibido pra mim, é achar que tal cidadão que comete esse crime deve mesmo sair da cadeia em cinco anos..."

Marcelo Senna
Editor


Caro Senna,

Antes de mais nada, obrigado pela atenção e resposta. Não é todo dia que uma redação publica cartas sobre o fazer da imprensa, tampouco responde diretamente a quem as escreveu.

É preciso ressaltar que todo o sentimento que você e a redação tiveram, eu - e toda a população brasileira - tivemos. Indignação, nojo, revolta, ódio contra os bárbaros, desejo de vingança, perplexidade com a impunidade de nosso país. No entanto, em nenhum momento questionei ou pus em dúvida os sentimentos de vocês.

Confirmo que vim particularmente visceral pra cima dos tablóides. Esses sim, são todos sensacionalistas - e não todos os jornais do Brasil, como vc interpretou minhas palavras. O Extra não seria um tablóide no formato, mas na linha sensacionalista sempre foi, tanto quanto o "The Sun" e tantos outro mundo afora. E nem preciso me prender ao formato: o Linha Direta, os programas do Datena e do Wagner Monte, e tantos de nossa TV,seguem a mesma linha.

Os demais jornais não são sensacionalistas, quem faz esse serviço pra eles são tablóides como os que citei. Não é à toa que o Globo tem o Extra e o Expresso, o Dia tem o Meia Hora etc. Por que a população de baixa renda tem que consumir um tipo de abordagem tão rasa como a que vcs fazem com todos os assuntos? Se não são sensacionalistas - ou seja, apelam para as sensações - por que todo dia é sexo e sangue na capa, independente do episódio do pequeno João?

Portanto, Senna, eu não desqualifico a revolta que tomou conta de vocês diante de tão bárbaro episódio. Questiono é o fazer jornalístico, a construção de um discurso, a maneira de abordar fatos que, por si só, já são impactantes. Quando falo "tom exacerbado" é a dramaticidade de cada enunciado, a maneira de tratar as histórias como folhetins. É o desrespeito para com a família, que terá que agüentar matérias diárias sem nada acrescentar na reflexão sobre o episódio, apenas discorrer sobre como era o pequeno João, suas fotos, seus desenhos, e o rememorar da tragédia sem fazer o leitor pensar sobre a situação. Ah, sim, apenas o pedido de pena máxima sem contextualizar o tema, afinal, haverá espaço (físico) pra isso no Expresso?

"Os mesmos jornais que você acusa de vilipendiar famílias são os que mostram absurdos cometidos por pais que maltratam seus filhos. Graças a Deus, esses menores são vítimas e têm os jornais a seu favor. Mais ainda: eles têm o Estatuto, que é quem tem poder de polícia, poder de Justiça. "

Agora eu fiquei confuso: se o Estatuto tem essa importância, por que é tratado com desprezo na matéria que citei, como se fosse um atravancar da lei?

Mais uma vez: respeito o sentimento de vocês diante de tão horrendo episódio. Mas não devemos nos render a nossas sensações estando em postos da sociedade tão importantes quanto governantes, policiais ou médicos. Somos jornalistas, com alcance e influência em boa parte da população brasileira. Formadores de opinião em potencial, referenciais. Precisamos zelar pela responsabilidade do que publicamos e COMO publicamos.

Um grande abraço,
Marcos André Lessa