sábado, 31 de julho de 2010

A (des)ordem pública - episódio 2



"Grande arraiá nos dias 16, 17 e 18 de julho" dizia a faixa sobre a praça perto de casa. Comentei logo com minha esposa, já que adoramos festas juninas e seus quitutes, além de morrer de rir ao ouvir o pagode russo ("Mas eu sonhei que estava em Moscou..."), um clássico da ocasião.

Na sexta, dia 16, as barracas estavam prontas desde cedo e a partir das 15h começou a festa, com a venda das comidas, bebidas e fichas para pescaria e afins. O locutor, que parecia o organizador da festa, agradecia ao Lions Clube da Tijuca pelo patrocínio e apelava para que os moradores saíssem de suas casas e prestigiassem o arraiá.

As músicas juninas tocavam direto no sistema de som, numa ótima seleção: Luiz Gonzaga, Geraldo Azevedo, Elba Ramalho. E num volume natural para alcançar toda a praça sem importunar os moradores. Até dava pra ouvir lá de dentro, mas nada que fosse absurdo. "Morar de frente tem seus problemas...", pensei eu.

Mas a partir das 18h um pseudo-grupo de pseudo-forró, que cantava tudo menos forró, subiu ao palco montado na praça. Não dá pra exigir que a trilha sonora seja do meu gosto, mas o volume aumentou "surdamente"! Conversar dentro de casa virava um sacrifício, o que só se comprovou com a chegada de um casal de amigos. Fiquei imaginando os idosos do meu prédio diante daquele inferno auditivo.

Sabe quando você fica meio rouco depois de uma happy hour com os amigos num local barulhento? Assim eu começava a ficar, dentro da minha própria casa. Com um princípio de dor de cabeça e sem conseguir prestar a atenção devida às notícias da viagem que meus amigos tinham acabado de fazer.

Não me restou outra alternativa senão ligar para a polícia. Anotaram minha queixa do volume alto e disseram que iam repassar ao batalhão, que enviaria uma viatura para averiguar. Sem a menor confiança naquela conversa, desliguei. O som alto foi até meia-noite, hora em que os "artistas" se despediram.

No sábado, para que nada se repetisse, liguei novamente para a polícia.

- Ontem houve uma festa junina que vai se repetir hoje, e o som está alto demais, é uma área residencial...

- Onde é a festa junina?

- Na Praça X.

- Só um minuto... Olha, esse evento é autorizado pela Prefeitura, então até as 22h eles podem usar o som. Deve até ter uma viatura lá acompanhando.

- Mas está alto demais, além do normal. Não há nada pra fazer além disso?

- O senhor pode ligar para a Prefeitura e pedir para medirem os decibéis, pra ver se está fora do normal.

Ligando para a Secretaria de Ordem Pública:

- Ontem houve uma festa junina que vai se repetir hoje, e o som está alto demais, é uma área residencial...

- O senhor tem que ligar para a Patrulha Ambiental, eles é que têm o medidor de decibéis.

Ligando para a Patrulha Ambiental:

- Não, nós não temos o medidor de decibéis. O senhor deve ligar para o telefone de denúncias de poluição sonora.

Liguei pra lá, chamou e ninguém atendeu. À noite, o som estava mais baixo - talvez outros moradores tenham reclamado também. No palco, o locutor reforçava: "queremos agradecer ao Lions Clube da Tijuca, por essa festa maravilhosa. E também ao deputado Julio Lopes, o homem do Bilhete Único, e que vai trazer a estação Uruguai do metrô pra gente!"

quinta-feira, 29 de julho de 2010

A (des)ordem pública



O Conversa Fora e a conversa fiada

Conto agora um episódio que pode ser emblemático sobre a tal da ordem pública que a Prefeitura do Rio declara resguardar com afinco. Testemunhando o zelo com que a gestão Eduardo Paes tem exterminado os "puxadinhos" do comércio (quando os restaurantes avançam sobre as calçadas para logo permanecerem ali eternamente), resolvi fazer minha parte como cidadão. Não moro no Leblon, mas quem sabe dá certo?

Perto da minha casa há o restaurante Conversa Fora, ideal para assistir a jogos do pay-per-view que não pago. Mas só pra isso, pois o serviço é ruim, o chope é aguado e o bolinho de "batatalhau" custa os olhos da cara. Não bastasse tudo isso, resolveram entrar na onda dos "puxadinhos".

Primeiro, o restaurante colocava cadeiras e mesas na calçada à noite, deixando apenas uma faixa menor para a passagem dos pedestres. Retiravam tudo de dia, permitindo que o espaço da esquina voltasse ao normal.

Até que um dia percebo um toldo branco, tal e qual um guarda-sol gigante, aparafusado no chão. Abaixo dele, e de maneira permanente, as mesas e cadeiras. É questão de tempo colocarem canteiros em volta, para deixar a ocupação ainda mais inevitável.

Inspirado pelo meu amado prefeito, resolvi ligar para a Secretaria de Ordem Pública, no telefone indicado no site:

- Guarda Municipal, bom dia. (A GM é que realiza operações contra os "puxadinhos" para a Secretaria)

- Oi, gostaria de denunciar um restaurante que está ocupando a calçada com mesas e cadeiras.

- A ação está acontecendo agora?

- Na verdade, já faz tempo que instalaram um toldo, com as mesas e cadeiras ficando na calçada de forma permanente.

- Ah, então o senhor deve ligar para a Administração Regional da Tijuca, para ver se o restaurante tem autorização para fazer isso. Nós só atuamos quando o estabelecimento não é autorizado e no momento em que está ocorrendo a ação.

Ligando para a Administração Regional:

- Olá, liguei para a Secretaria de Ordem Pública para denunciar um restaurante que estava ocupando mesas e cadeiras na calçada. Eles me orientaram a, antes de denunciar, ligar pra vocês pra saber se o estabelecimento tem autorização pra fazer isso.

- Ah, mas isso não é conosco. O senhor tem que ligar para o departamento de Licenciamento e Fiscalização. Eles é que podem te dar essa informação.

Persisti, querendo colaborar para a ordem de nossa cidade. Ligando para o departamento:

- Olá, liguei para a Secretaria de Ordem Pública para denunciar um restaurante que estava ocupando mesas e cadeiras na calçada. Eles me orientaram a ligar pra a Administração Regional pra saber se o estabelecimento tem autorização pra fazer isso antes de denunciar. A Administração falou que vocês dão essa informação.

- (Surpreso) Olha, nós não podemos dar essa informação pelo telefone...

- E como eu posso fazer essa denúncia? A Secretaria de Ordem Pública me disse que preciso saber dessa informação.

- O senhor pode ligar para a Ouvidoria ou pode vir aqui pessoalmente registrar o pedido.

- Ok, me dá o telefone da Ouvidoria...

- Só um minuto... Mas vem cá: onde é esse restaurante que o senhor está falando?

- Na esquina das ruas X e Y...

- Mas qual é o restaurante?

- Conversa Fora.

- Ah, eles têm autorização sim...

- Mas você acabou de me dizer que não pode dar esse tipo de informação pelo telefone!!

- (Sem graça, e desconversando) Peraí, vou dar o telefone da Ouvidoria...

No final das contas, mandei a foto do restaurante e um resumo do ocorrido para a coluna do Ancelmo Gois, na intenção de fazer barulho e ver se acontece alguma providência. Curioso é ver uma Prefeitura tão ciosa da ordem pública e instando os cariocas a fazer o mesmo, mas não estando preparada para fazer um simples atendimento telefônico de denúncia.

Mas se fosse no Leblon...

quinta-feira, 1 de julho de 2010

A PRAÇA

Hoje moro em frente a uma praça. Ela é arborizada, possui uma pista de corrida, aparelhos de ginástica, bancos, brinquedos para crianças. Fica no meio de quatro ruas, e valoriza todo o entorno. É uma praça que está sempre cheia de gente, de vez em quando há feirinhas, aulas de tai-chi-chuan, eventos em feriados e por aí vai.

Acabei de rever dois documentários sobre dois grandes artistas brasileiros: Chico Buarque e Oscar Niemeyer. Filmes que, cada um a seu jeito, me lembraram que a praça que eu gostaria de visitar é bem diferente da que estou acostumado a ver.

No momento em que Chico explicava sobre a encenação musical de "Morte e Vida Severina", no teatro de Nancy, na França, sua voz narra os fatos em cima das imagens dele mesmo passeando pela praça da cidade. Ampla, cercada por prédios baixos e com apenas um monumento ao centro:


Imediatamente me lembrei da Praça São Pedro, na Itália, aquela vastidão de horizonte no meio da cidade, cercada de longe pelos prédios do Vaticano, com um bom espaço para se percorrer andando:


E aí vejo Niemeyer contando como criou seus projetos, de onde vinham as ideias, até chegar à Praça dos Três Poderes, em Brasília. Ele comenta como o projeto foi criticado pelo fato de ser uma praça sem árvores, grande daquele jeito etc. Assim como eu estou acostumado com a pracinha em frente à minha casa, os críticos ainda não estavam acostumados às invenções do arquiteto:



Então ele explicou sobre a necessidade da praça evidenciar a arquitetura em volta, que Niemeyer considera como a arte composta naquele espaço. As árvores trariam sombra, é verdade, mas também esconderiam e limitariam aquela vastidão. E percebi que o princípio também vale para as praças de Nancy e de São Pedro.

Fora a explicação, meu gosto pessoal vai pelo mesmo caminho. Tenho muita vontade de visitar todas essas praças por elas terem preservado algo que a metrópole nos surrupiou faz tempo: o horizonte amplo urbano, puro e simples. O aproveitamento do espaço sem a necessidade de se construir nada nele, apenas a permissão andarilha e contemplativa.

Vivemos tão apertados e tão acostumados à falta de espaço, fruto de visões igualmente estreitas, que essas praças parecem nos lembrar que bom é um simples passeio a pé, sem nada a nos obstruir o caminho.

Isso tem afetado até a moradia: apartamentos minúsculos são vendidos tão somente porque a ganância imobiliária quer colocar o máximo de opções no mesmo andar, saturando o espaço, matando o respiro. Quem vive sem respirar?

Portanto, completo meu roteiro de viagens futuras: Roma (já estava, há séculos), Nancy e, acreditem, Brasília.