terça-feira, 8 de março de 2005

Nadar é preciso. Ou precisamente nada?

"Se eu pudesse contar..." é o título de uma música meio antiga, que são minhas palavras hoje. Se eu pudesse contar o que é ter aula de natação após um longo período sedentário, eu contaria. Mas não tenho fôlego, as pernas cansam logo e pior: o molequinho de metade do meu tamanho me vence no crawl.

Já achava péssimo diagnosticar tendinite e escoliose de uma só vez (será que estou em vias de me aposentar, carregando comigo ites e oses?), e configurando-se em cura vem a natação, o pior remédio. É aquele gosto ruim, de uma só talagada, mas sem o qual não melhoro. É só nisso que penso quando paro no meio da piscina, pedindo pelamordedeus que acabe rápido. Professor, que horas são? Na verdade, não tenho coragem de perguntar. Na verdade mesmo, estou cansado demais, e com água no nariz.

Percebi que a aula foi um soco na minha auto-estima. "Você não sabe nadar, não sabe respirar, não se exercita regularmente, agora sofra as conseqüências!". Como muitos relatos dos que escaparam da morte numa fração de segundo, minha vida passa diante de mim e eu me recrimino pelos desprezos atléticos de outrora. Chego à outra margem, olho onde penso que estão os olhos do professor - ele está de óculos de sol - e penso que ele comanda minhas penitências, vestindo a capa de incentivador só pra ser politicamente correto. Neurose minha? Pode ser, entrou muita água no ouvido...

Vamos ouvir o outro lado, como manda o bom jornalismo. O disseminado culto ao corpo nos atrapalha na busca da saúde ideal. Não temos noção se queremos apenas manter um organismo saudável ou ser esbeltos pra não fazer feio - literalmente. Por trás da multiplicação das academias está a tão famosa ditadura da beleza, que desestimula aqueles que sabem que nunca irão consegui-la. Assim sendo, pra que se manter saudável? Pra ter uma aula de natação que me derrube emocionalmente? As batatas fritas, o sofá e a TV me dão mais alegria e (aparente) recompensa.

Quero passar longe do melodrama, mas deixar os leitores próximos de minha tragédia grega nas águas. As "barrigas de tanque" saíram do campo doméstico para a confissão de fé das baladas e "pegações", desnorteando quem tenta sobreviver em meio à lógica do consumo exacerbado - de coisas e pessoas. Estou no meio disso tudo, sem poder fugir da raia. Talvez aquele molequinho me ajude.