Severino Cavalcanti, homem do povo
Ah, Severino... Você pensou que o conto de fadas duraria para sempre? Pois é... Imagino que sua cabeça esteja dando voltas, sem entender direito esse episódio de seus 40 anos de vida pública. Como espectador atento tentarei te esclarecer despretensiosamente, apenas pela consideração com o homem público que você (por enquanto) é.
Lembra, Severino, que em governos anteriores você sempre se candidatava à presidência da Câmara dos Deputados? Chegou a ser primeiro-secretário, mas quando a eleição era para o terceiro homem da República você chegava sempre em quarto, quinto lugar. O chamado "baixo clero" sempre te acompanhou, mas não era suficiente. E a imprensa te dava uma linha nas páginas para depois esquecê-lo com gosto (saudade desses tempos, Severino?).
No entanto, em 2005 a coisa mudou: a base aliada ao Governo estava dividida (algum dia esteve coesa?), o mesmo partido lançou dois candidatos à presidência da Câmara, os oportunistas de sempre alojavam-se em quem convinha melhor. O resultado era imprevisível, mas não tanto quanto foi de fato. Na antevéspera da eleição muita gente mudou seu voto pré-declarado e pronto: você, Severino, era o novo presidente, depois da milésima tentativa.
Você não estranhou que a imprensa sequer mencionou seu nome nessa antevéspera derradeira? Que nunca foi cogitada a possibilidade de você emplacar, Severino? Talvez você não estranhasse o silêncio da apuração jornalística quanto à sua candidatura, mas hoje eu estranho... Enfim: você e o baixo clero mal podiam acreditar que estavam no poder, finalmente. Nem vocês nem o resto do Brasil, boquiaberto.
E você foi um político coerente como há muito não víamos: quis colocar em voga tudo o que pregava antes, a começar pelo aumento constante dos vencimentos dos parlamentares. Você não entendia quando muitos dos que te elegeram se mostraram receosos com decisões assim. Mas não foi pra isso que te elegeram? Acho que não, Severino...
Por que tanta perseguição a você agora, Severino? Por que todos de dedo em riste quanto a sua trajetória política, que não mudou após ganhar a eleição? Por que essa indignação tardia? Será que ela sempre existiu de fato, Severino? Respire, reconheço que é difícil de entender.
Fato é, Severino, que você já cumpriu sua missão. E foi descartado no momento que convinha. Para tirar por impeachment quem foi eleito (presidente e vice), ia sobrar pro terceiro homem da República assumir essa joça. Quando viram que essa oportunidade esbarraria em você, Severino, aí eles viram que foram longe demais.
E tome cheque surgindo (logo agora?), denúncia de propina (logo agora?), acusação de corrupção quando você era primeiro-secretário (logo agora?)... E olha que incrível: a imprensa que nunca te deu bola não saía mais do seu pé. Chegaram a anunciar sua renúncia em capas de revista, como que decretando sua decisão posterior. Premonição ou pressão? A primeira é difícil dizer de onde costuma vir, já a segunda...
E você ainda tentou alertá-los, Severino... Aquele umbigo de fora ao comemorar sua eleição já dizia tudo, e eu fiquei fascinado com sua sutil crítica via jogada de marketing. Você dizia a todos que os parlamentares só olhavam para seus próprios umbigos elegendo alguém como você, que o Brasil era pretexto para a farra de Brasília. Ninguém reparou nisso, né, Severino?
Ninguém reparou também que cassar umas dezenas de envolvidos é inútil. Adianta matar o mosquito da dengue e deixar os focos, as possibilidades de novas investidas? Não, qualquer dona de casa sabe que não adianta.
Aqui estamos nós, Severino, você bem pertinho da gente - o que eu achei valoroso de sua parte ao renunciar. Agora você está condenado ao desprezo, esquecido em seus interesses, enganado quanto às promessas a você feitas. Exatamente como os eleitores de nosso país. Isso é que é político com "cheiro de povo".
sexta-feira, 23 de setembro de 2005
quarta-feira, 14 de setembro de 2005
Sandy estava num outdoor
Sandy estava num outdoor, chamando a atenção para uma propaganda, como sua fama a guia. Pulava sobre um automóvel, e eu da janela de meu ônibus (na condição de passageiro e não de proprietário, obviamente) reparei pela primeira vez em seu sorriso. Não vi se era bonito ou sincero, somente reparei. O ônibus fez a curva e meu raciocínio seguiu junto.
Sandy saiu daquele outdoor e foi pra casa. Foi ver TV, ouvir música, ler alguma revista, tirar uma soneca depois do almoço. É uma Sandy diferente da Sandy da propaganda? Vai saber... Mas ela não pode colocar os pés fora de casa. Nada de ataque de fãs, nada disso. Sandy sai de casa, porém condicionada. Sandy é uma máquina.
Sandy não pode acordar de mau-humor e assim sair de casa, ou triste por algum outro motivo pessoal. As capas não dormirão no ponto, e estamparão o diagnóstico: "Sandy em depressão". Sandy não pode brigar com o namorado (não poderia sequer namorar, ao menos como a Sandy de dentro de casa), pois as capas exortarão: "Sandy e Fulano: será o fim?". Sandy não pode falar palavrão, não pode desabafar diante da possibilidade de uma câmera. Sandy precisa sorrir pra pular no automóvel.
Sandy faz shows, sessão de fotos, vai cumprir o contrato global e surgir alguns minutos na telinha, Sandy convocada para a telona, Sandy suspeita de silicone, Sandy Lolita quase nua, Sandy talvez na carreira independente, Sandy címbalo sexual-midiático, Sandy a boa filha, Sandy a inspiração, Sandy e a Melissinha, Sandy e as crianças, os adolescentes, os adultos.
Sandy volta pra casa. Extenuada? Vai saber... Sandy deve adorar colocar os pés em casa e ser a Sandy que sempre sonhou, que ironicamente é a Sandy real, a Sandy que nunca estaria nas capas. Não por ser má pessoa, mas por não ser a máquina que todos precisam e almejam encontrar a cada 15 minutos de fama, renováveis. Sandy olha no espelho e vê espinhas, olheiras e a maquiagem desfeita. Sandy deve sorrir um sorriso diferente do outdoor e deitar na cama que, por enquanto, não possui uma câmera à espreita. Sandy no Big Brother? "Interessante, ainda não havíamos pensado nisso...".
Sandy, a máquina, violenta todo dia a Sandy normal, com o consentimento de seus pais, seu irmão (máquina, idem), sua conta bancária, seus luxos e sua obrigação em se dizer feliz, para alegria do mercado editorial mais rentável. Sandy normal é... normal demais, mito de menos. Sobreviva o mito, tripudiando da humanidade. Sandy humana perde feio, deve doer, mas segura o sorriso até chegar em casa.
Pela primeira vez reparei no sorriso de Sandy. Não julguei nada, sequer sei dizer se era bonito, feio ou oportuno. Mas reparei. Sandy sorrindo é triste, pois não oculta a máquina. Sandy não está sozinha nesse mundo canino que se quer de fadas, o que é um consolo para a Sandy de dentro de casa. Migalha de consolo.
Sandy estava num outdoor, chamando a atenção para uma propaganda, como sua fama a guia. Pulava sobre um automóvel, e eu da janela de meu ônibus (na condição de passageiro e não de proprietário, obviamente) reparei pela primeira vez em seu sorriso. Não vi se era bonito ou sincero, somente reparei. O ônibus fez a curva e meu raciocínio seguiu junto.
Sandy saiu daquele outdoor e foi pra casa. Foi ver TV, ouvir música, ler alguma revista, tirar uma soneca depois do almoço. É uma Sandy diferente da Sandy da propaganda? Vai saber... Mas ela não pode colocar os pés fora de casa. Nada de ataque de fãs, nada disso. Sandy sai de casa, porém condicionada. Sandy é uma máquina.
Sandy não pode acordar de mau-humor e assim sair de casa, ou triste por algum outro motivo pessoal. As capas não dormirão no ponto, e estamparão o diagnóstico: "Sandy em depressão". Sandy não pode brigar com o namorado (não poderia sequer namorar, ao menos como a Sandy de dentro de casa), pois as capas exortarão: "Sandy e Fulano: será o fim?". Sandy não pode falar palavrão, não pode desabafar diante da possibilidade de uma câmera. Sandy precisa sorrir pra pular no automóvel.
Sandy faz shows, sessão de fotos, vai cumprir o contrato global e surgir alguns minutos na telinha, Sandy convocada para a telona, Sandy suspeita de silicone, Sandy Lolita quase nua, Sandy talvez na carreira independente, Sandy címbalo sexual-midiático, Sandy a boa filha, Sandy a inspiração, Sandy e a Melissinha, Sandy e as crianças, os adolescentes, os adultos.
Sandy volta pra casa. Extenuada? Vai saber... Sandy deve adorar colocar os pés em casa e ser a Sandy que sempre sonhou, que ironicamente é a Sandy real, a Sandy que nunca estaria nas capas. Não por ser má pessoa, mas por não ser a máquina que todos precisam e almejam encontrar a cada 15 minutos de fama, renováveis. Sandy olha no espelho e vê espinhas, olheiras e a maquiagem desfeita. Sandy deve sorrir um sorriso diferente do outdoor e deitar na cama que, por enquanto, não possui uma câmera à espreita. Sandy no Big Brother? "Interessante, ainda não havíamos pensado nisso...".
Sandy, a máquina, violenta todo dia a Sandy normal, com o consentimento de seus pais, seu irmão (máquina, idem), sua conta bancária, seus luxos e sua obrigação em se dizer feliz, para alegria do mercado editorial mais rentável. Sandy normal é... normal demais, mito de menos. Sobreviva o mito, tripudiando da humanidade. Sandy humana perde feio, deve doer, mas segura o sorriso até chegar em casa.
Pela primeira vez reparei no sorriso de Sandy. Não julguei nada, sequer sei dizer se era bonito, feio ou oportuno. Mas reparei. Sandy sorrindo é triste, pois não oculta a máquina. Sandy não está sozinha nesse mundo canino que se quer de fadas, o que é um consolo para a Sandy de dentro de casa. Migalha de consolo.
Assinar:
Postagens (Atom)