sexta-feira, 5 de maio de 2006

O fato

A necessidade de se mostrar nas letras. O incômodo de olhar a folha em branco, a caneta em punho, o coração pulsando por tantos motivos e apenas uma certeza: escrever.

Mas escrever o quê? Não sei, o que também me parece absurdo. Tenho uma lista de histórias para contar, mas não agora, não sei por quê. É mais transpiração e atendimento ao chamado de macular o papel branco. Como pode, um papel branco, branquinho, sem nada... escrito? É quase uma ofensa, uma insinuação insolente, desafiando aquele que não vive sem escrever, ainda que não escreva para viver. E ofendidos nós caímos na provocação, e não deixamos aquele marrento papel em branco em paz. Vêm os rabiscos organizados que lapidam a auto-estima do escritor.

E o impressionante é que se consegue escrever sem abordar nenhum assunto diretamente, apenas descrever o exercício metalingüístico da escrita pela escrita. Porque é isso que "mexe" com a gente, o ato de produzir as letras que urgem, a despeito de nosso momento ou contexto, se eles permitem ou não que escrevamos. E quando somos vencidos pela impossibilidade, a angústia reina em dobro: pelo fato de não podermos escrever e pelo desespero de que a inspiração/transpiração passe, erradicando a idéia, até então, digna de ser escrita.

Terror!

Pode ser pior, acredite. Podemos ter uma tendinite já aos 20 e poucos anos e ela doer tanto ao teclado ou à caneta, trazendo uma interrogação para possibilidades futuras de escrever (a não ser que ainda hoje se resolva o agravante da doença). Um obstáculo paradoxalmente benéfico, pois quando confrontados é que sabemos do que somos feitos, sabemos qual é a nossa busca. E a inconveniente tendinite me leva ao encontro da vocação inescapável, assunto que já mencionei por aqui tantas vezes. O espinho me traz a glória, e é impossível não sorrir diante desse fato, apesar do braço dolorido.

Assim prossegue a dança entre os sonhos e as possibilidades, revelada aqui nesse microcosmo de alguém com sua caneta e seu papel. Meus tendões e a lógica louca pós-moderna, que faz do excesso de tudo uma virtude inconseqüente e da qualidade de vida antes, durante e depois do pão de cada dia, um crime hediondo e nada lucrativo. Eu não pertenço a esse mundo, eu só pertenço a mim mesmo.