sexta-feira, 27 de julho de 2007

Gente humilde

É por isso que a gente nessa vida a gente precisa de humildade. Senão, a gente perde grandes baratos por causa de orgulho besta.

Você ganha um CD que a princípio você odiaria, a despeito da recomendação de amigos que sabem o fino da música brasileira. Aquele constrangimento e tal, encosta o CD na estante naquele dia.

Depois ouve um pouco e vê que estava enganado, preconceituoso. Mas, pelas tarefas cotidianas, o CD acaba esquecido, como os outros.

Aí o CD ressurge numa arrumação dessas, vem à tona dos ouvidos novamente e você se sente até mais maduro para curtir a boa música, seus arranjos e letras, seu contexto histórico. Tudo o que eleva a qualidade, incentivando o play it again.

Mas você só aproveita se largar de mão o orgulhinho besta que diz: "Você odiou no começo, vai mudar de idéia, maria-vai-com-as-outras?". E a lógica prossegue pra um monte de coisas nessa vida.

É por isso que a gente nessa vida a gente precisa de humildade. Reconhecer que você não estava tão senhor de si assim. Sabichão que pensa que tudo sabe e descarta "os inferiores" que, pelo seu critério, não te acrescentarão muita coisa.

Assistir documentários exercita essa humildade. Percebe lá a sabedoria de quem não é famoso, nem célebre, nem reconhecido em público. Mas calhou de ter uma câmera curiosa sabe-se lá de onde, registrando e ouvindo, e depois repassando nas telas. Quem tem ouvidos pra ouvir, ouça. Quem pode olhar, vê se vê.

Aproveita.

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Não se pode elogiar mesmo...


Nada como um dia após o outro. Ontem, destaquei a primeira página do Globo como exemplo do que a imprensa deve ser, fiscalizando o poder em nome da sociedade, com responsabilidade.

Hoje, parece que o Globo voltou ao normal...

Seqüência de três fotos mostram o momento em que o assessor da presidência Marco Aurélio Garcia e um companheiro de trabalho comemoram a notícia de que o avião da teria um defeito, tirando Governo e órgãos de controle da aviação do papel de possíveis culpados pela tragédia. Não bastando, os dois fazem gestos bem conhecidos de todo brasileiro: o top, top, top, mandando tomar lá; e outro, dizendo que os inimigos se auto-fornicaram (copyright: LFV).

Primeiro: qual a necessidade de colocar essas fotos na primeira página? E mais: quais as conseqüências? Porque, para um povo ainda sensibilizado e revoltado com a tragédia, ver pessoas ligadas ao Governo Brasileiro com esse tipo de reação não ajuda em nada. Ao mesmo, tempo, nada informa. Ou melhor informarIA que eles ficaram felizes pela responsabilidade não ser deles.

Eu te pergunto: você reagiria diferente? Você, sendo um dos responsáveis pelo funcionamento da Nação e de seus espaços áereos, vê uma tragédia dessas acontecer. Cerca de 200 pessoas mortas. Ao se dar conta que você não foi responsável por isso - como estava sendo anunciado e suspeitado, com certa razão - você não ficaria aliviado?

(Não vou nem levar em consideração os gestos obscenos. Ficar discutindo isso é moralismo babaca que não vai nos levar a lugar algum.)

A edição da notícia induz o leitor a encarar a reação dos assessores como uma leviandade do Governo diante do drama das vítimas. O leitor pode pensar que estou defendendo o Governo com unhas e dentes. Na verdade, defendo um jornalismo responsável, queixa recorrente nessas queridas linhas blogueiras.

Outra questão é da visibilidade do canal de comunicação: já imaginou se o país inteiro flagrasse as piadas que você conta para os colegas de trabalho? O que pensaríamos de você, hein? Retirar do contexto privado uma conversa e transferi-la para um canal público traz sérias conseqüências, que devem ser muito bem pensadas antes de serem publicadas. Vide os grampos da PF, que ao serem vazados a torto e a direito transformaram alguns citados em culpados, e depois que nada é provado contra os mesmos fica a sensação da impunidade. Dessa vez, provocada pela falta de noção para levar as informações a público.

Bem disse meu colega Henrique, quase-profeta, comentando o post anterior: "Lessa,concordo com você, mas temos que manter o cuidado com a imprensa. Há uma grande companhia envolvida e até agora não foi demonstrado se o acidente foi provocado por problemas com a pista ou foi fruto de um erro humano. Esse é um excelente momento para bater nos órgãos federais que controlam a aviação, mas ainda não há provas de conexão entre os problemas de apagão aéreo e este trágico acidente".

Senão, top, top, top pra todos nós...

quinta-feira, 19 de julho de 2007

A gente precisa dessa imprensa


A capa do Globo de hoje denota o que vem a ser um jornalismo que o povo brasileiro tanto necessita: um fiscalizador responsável dos detentores do poder, em nome do interesse público, sem ignorar a verdade factual.

Quem me conhece (e que lê este blog) sabe que não morro de amores pelo referido jornal, ou pela atual imprensa brasileira. Mas, com justiça, preciso ressaltar quando eles acertam e fazem diferença (pra melhor) na sociedade.

Enumerar os milhões de órgãos "responsáveis" pela aviação brasileira e inquirir, em nome da população, quem vai resolver, de fato, o caos áereo após uma tragédia - mais uma - é dever da imprensa que tem voz. É bem melhor, mais maduro e mais útil do que simplesmente fomentar picuinhas políticas, histórias de alcova e Big Brothers Boçais.

A primeira página do Globo de hoje deve ser objeto de reflexão do próprio Globo e dos demais veículos, em nome dos anseios da população: queremos informação responsável, com credibilidade, humanizante em vez de mercadológica, necessária para nossa sobrevivência diária.

Que não precise cair outro avião para a imprensa redescobrir seu verdadeiro papel.

sexta-feira, 6 de julho de 2007


Você mora no Complexo do Alemão?

Se você não mora e quer saber o que acontece com os habitantes de lá durante a ocupação das favelas, leia o texto abaixo.

Se você não mora e já tem opinião formada sobre a "ofensiva de segurança" da polícia, leia o texto abaixo.

"Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados e todos os que assistem a esta sessão ou nela trabalham:Por designação do Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Deputado Luiz Couto, representei esse colegiado parlamentar, em visita à comunidade da Grota, no Complexo do Alemão, na Cidade do Rio de Janeiro, alvo de forte ação das forças de segurança pública.Por tratar-se de um acontecimento de repercussão nacional, apresento, para conhecimento e reflexão desse plenário, o relatório de nossas atividades naquela localidade.

POLÍTICA CONSEQÜENTE DE SEGURANÇA OU ESPETÁCULO LETAL DE ABERTURA DO PAN?

O relato de uma visita à comunidade da Grota, no Complexo do Alemão, durante a tarde de sábado, último dia de junho de 2007."Quem usa o sapato sabe onde o calo dói", ensina a sabedoria popular. Para se ter a dimensão exata da ação das forças de segurança na última quarta-feira, 27 de junho, no Complexo do Alemão, não basta ouvir as autoridades e a opinião da sociedade que não vive lá. Tratou-se de uma atividade vinculada a uma política pública: os 1.350 policiais militares, civis e da Força Nacional que participaram da operação são servidores e os veículos blindados e helicópteros que os apoiaram também são custeados pelo contribuinte.

Logo, esta operação, realizada, em tese, para a defesa da população e do bem-comum, precisa ser avaliada também pelos 200 mil moradores da região afetada. A esses, em geral, não se dá a palavra: apenas se promete, de forma paternalista, um "futuro melhor, de cuidados". Para ouvir estes silenciados, parlamentares das Comissões de Direitos Humanos da ALERJ e da Câmara dos Deputados lá estivemos. Todos compartilhamos da certeza de que é necessário que o Estado esteja presente nas áreas pobres, onde hoje, sabidamente, o poder despótico do varejo armado de drogas ilícitas tem amplo controle. Todos entendemos que é urgente o estancamento da oferta de armas e o desarmamento dos grupos que se beneficiam com esse comércio, tão mais próspero quanto mais gente - no sossego de seus bairros mais bem tratados, onde também residem os "barões" do negócio transnacional - se torna usuária e dependente dos produtos químicos. Todos escolhemos, secretário Beltrame, viver em paz e sob a proteção do Poder Público, legal, legítimo e controlável pela cidadania.

Na sede do "Afro-Reggae", que realiza belo trabalho sócio-cultural na comunidade da Grota, nós e lideranças comunitárias ouvimos duas dezenas de moradores que viveram integralmente as horas de pânico com a incursão militar na favela. De imediato, destaque-se isso: foi uma incursão, um "ataque", uma ofensiva. Não uma ocupação, o passo inicial de uma presença permanente, um apoio para a imediata inserção da outra face, indispensável, do Poder Público, com sua assistência social, educacional, cultural, sanitária, de estímulo à agregação comunitária.

Um soldado da Guarda Nacional, postado na entrada da via de acesso à Grota, perguntou preocupado: "Mas vocês vão entrar?" "Não estaremos em segurança, não há uma ocupação?", indagamos. E ele, visivelmente incomodado: "Não tenho essa informação".

A única novidade dessa operação foi a sua potência, que também gerou atrocidades maiores contra quem não tem nada a ver com o conflito e devia ser respeitado como cidadão. Eles vieram para matar e não para prender ninguém. Isso só fez aumentar a raiva e a revolta dos moradores. Vê lá se em bairros chiques ou de classe média eles iam agir assim!"O que é este "agir assim"? Para além do inevitável tiroteio, que furou paredes de casas e caixas d´água, e da positiva captura de arsenais, houve dezenas de casas arrombadas, invadidas e saqueadas - na contabilização das perdas materiais, moradores, devidamente identificados pela OAB, registraram o sumiço de celulares, dinheiro, documentos pessoais, cds e dvds, utensílios de cozinha (inclusive facas), alimentos, peças de vestuário, calçados e até brinquedos, além da destruição de móveis e eletrodomésticos.

Automóveis também foram arrombados, com seus rádios e ferramentas roubados. Uma kombi, cujo proprietário tem todos os documentos em dia, e que era seu ganha-pão, depois de ser utilizada pela força policial (que a acionou com ligação direta), inclusive para transportar corpos, foi incinerada. A dona de um barzinho ainda faz o levantamento do prejuízo com a "ocupação" de seu estabelecimento por policiais, que zeraram seu estoque de bebidas e quitutes, além de levarem um par de tênis e um celular.

O "agir assim", ao arrepio da lei, significou situações ainda mais graves, como pelo menos duas execuções sumárias, de possíveis traficantes desarmados e imobilizados, relatadas em detalhes por testemunhas, que dizem ter "nascido de novo": um pai de cinco filhos, mostrando os sinais de sangue no exato local da eliminação que assistiu, apavorado, e um jovem de 14 anos.

O espírito de muitos dos "agentes da ordem pública", no relatado pelos que por eles foram abordados, era de absoluta intolerância e agressividade, além do procedimento corrompido que os inaceitáveis roubos e furtos, já descritos confirmam. Um jovem detido foi indagado, aos gritos, se acreditava "no diabo". Face à negativa, o policial disse, iniciando o espancamento: "pois sou filho dele, você vai conhecer agora!". Um senhor, cuja casa se tornara "base de operações" sem seu consentimento, ousou dizer que estava havendo "abuso de autoridade". Além do tapa, ouviu que "autoridade aqui sou eu e cale a boca se não quiser ir pra vala!". São esses que celebram como vitória o saldo de, até agora, 44 mortos e uma centena de feridos, cujo óbito é justificado genericamente por "ligação com o crime".

O senso comum aplaude. Há membros destacados das tropas do Estado que não escondem o sonho de "ir para o Iraque". Bush sentir-se-ia bem com soldados assim.Ao fim de nossa visita, a comunidade vivia sua rotina do anoitecer de um sábado: rostos sofridos de senhoras nas janelas, jovens conversando ou jogando carteado, sob desbotados cartazes de candidatos que nunca mais apareceram, sons de preces e funks e batuques no ar, esgoto a céu aberto onde ratazanas passeavam, tvs nos bares transmitindo o jogo inaugural do "Engenhão", o estádio do Pan, trabalhadores voltando para casa, com sacolas de compras na mão. Vida pulsando, tensa. E a pujante e constrangedora atividade do "movimento", como sempre.

Meninos de seis a oito anos corriam na viela atrás da bola, alegres, observados por outros tantos pouco mais velhos que eles, muito bem armados e ciosos do seu poder de mando. A lua cheia reforçava o contorno do horizonte crepuscular, com as casas humildes desalinhando o perfil da montanha. O Poder Público já tinha, há muito, ido embora dali. Todos - que o aspiram como prestador de serviços, promotor de oportunidade e garantidor de direitos - temem que ele volte do mesmo jeito: não como solução social continuada, e sim como horror e destruição."

(Pronunciamento do deputado Chico Alencar, da Comissão de Direitos Humanos da Câmara)

domingo, 1 de julho de 2007

Vocês façam-me o favor...

De calar a boca, aqueles que dizem que o futebol hoje é força, preparo físico e "matar a jogada" com faltas. Calem a boca aqueles que dizem que o futebol bonito não traz resultado, ou que o talento não é tão decisivo quanto antigamente. Calem a boca todos vocês que pensam e dizem isso, pois o terceiro gol de Robinho, hoje, contra o Chile, é prova viva de que vocês estão errados.

Robinho, magrelinho daquele jeito, nem chutar forte ele sabe, jogando sozinho - porque ele jogava bem, ao contrário do resto da seleção - fez o que fez, aos 41 minutos do 2º tempo. Pulmão o garoto tem, de correr aquilo tudo, dar um drible "da vaca" num zagueiro, depois um drible curtinho em outro (o famoso "come" das peladas), sempre correndo, ninguém pega, o chute de perna esquerda (ele é destro) e o golaço, golaço, golaço.

Taí a contribuição do preparo físico: ser suporte do talento. O primeiro qualquer um consegue, o segundo é genético. Mas como tudo na vida, o talento pode ser tolhido pelas instâncias de poder (técnicos), pela força bruta (brucutus que só entram em campo pra fazer falta e bater, bater, bater) e rarear. Isso tem acontecido no Brasil desde cedo, e Robinho é jóia rara por ter vencido tudo isso, desde as divisões de base - porque lá o garoto, nos seus 10, 11 anos, já sabe que tem que ter força física, "matar a jogada", perde o aspecto lúdico do futebol. A diversão que quando bem executada, leva o craque à glória máxima: o gol! E com o gol, a vitória, o resultado.

Futebol bonito pode ser futebol de resultado, nessa ordem. Se você discorda, cale a boca depois do gol de Robinho. Cale a boca, meu camarada, depois de Robinho aparecer nessa insossa seleção brasileira de Dunga (que nunca foi craque, nem técnico - com duplo sentido, por favor). Pois o time não faz nada de bom, e ele teve que resolver sozinho. Opa, sozinho não: com talento que ele tem e não abre mão na hora de jogar profissionalmente.

Talento por si só não leva a lugar nenhum? Pois levou a bola no fundo do gol três vezes hoje, mas na terceira ele humilhou você, meu camarada, que acha que jogar sério é destruir jogada, bloquear ataque, vencer por 1x0 ou nos pênaltis e achar que teve um "orgasmo futebolístico". Você não teve nada, meu caro, principalmente porque pensando assim, você nunca fica na expectativa de que Robinho faça o que fez no terceiro gol, e quando acontece, você não sabe desfrutar da delícia que é um golaço, golaço, golaço.

Então façam-me o favor: me esqueçam se forem comentar algo que não seja o terceiro gol de Robinho hoje, ou algo similar. Porque o que é raro porém resistente deve ser celebrado continuamente, em lugar de intermináveis mesas-redondas sobre "nó tático", defesa fechada, recuar pra jogar no contra-ataque. Olha o nome: CONTRA-ataque!!! A gente tem que falar do terceiro gol de Robinho, dos dribles de Robinho, dos golaços de Robinho, do talento puro e simples, genial, diante do deserto de criatividade que se instalou atualmente na seleção brasileira - e até em outras seleções, como se viu na Copa de 2006. Ah, e Robinho ficou no banco nessa Copa. Tá explicado.

Calem a boca.