sábado, 28 de novembro de 2009

United Kingdom of Ipanema

Nunca uma expressão foi tão representativa da cultura de uma cidade - ou das autoridades constituídas perante ela, bem como seus prestadores de serviços. Quando uma grife carioca resolveu estampar "United Kingdom of Ipanema" nas suas peças, foi o ato falho de um certo insconsciente coletivo, que se revelou nos episódios dos "mini-apagões" dessa semana.

Ipanema, Leblon e Copacabana ficaram sem luz durante algumas horas no meio da semana. Nada comparado ao blecaute nacional do dia 10, mas o suficiente para a classe média-alta carioca estrilar. Estão no seu direito já que, proporcionalmente à renda, tiveram prejuízos como qualquer outro morador teria.

Mas eis que a Light resolveu pedir oficialmente desculpas aos moradores desses bairros. Não satisfeita, ainda ofereceu um gerador para 123 clientes da região enquanto a situação não se normalizava. Aí foi se desenhando o ato falho.

O jornal Extra, que é voltado para as classes média e média-baixa das Zonas Norte e Oeste da cidade, começou a estampar em suas capas cobranças explícitas para que a Light se desculpasse e oferecesse geradores para moradores da Tijuca, Engenho de Dentro, Méier, Campo Grande, Santa Cruz... E não faltaram histórias de leitores, devidamente cobertas pelo jornal logo em seguida, para deixar a céu aberto o "apartheid" da prestação de serviços (públicos e privados) para os cariocas.

Por essas e outras, a expressão United Kingdom of Ipanema cai tão bem. Assim como na Grã-Bretanha, um arquipélago formado por Inglaterra, Escócia, Gales e Irlandas, a cidade do Rio tem em Leblon (bairro do governador e dos artistas da Globo), Ipanema, Copacabana, Gávea, São Conrado e Barra da Tijuca (bairro natal do prefeito) seu Reino Unido.

O arquipélago aqui é social e psicológico: tenho certeza que, se fosse feita uma pesquisa a respeito entre os moradores dessas regiões, para eles o Rio de Janeiro não precisaria ir além dos limites do "Reino". Todo o resto poderia ser outra cidade, dando um upgrade no status de capital e cidade-estado que o Rio já teve.

Farei justiça: conheço várias pessoas que moram nesses bairros que não pensam assim (ou deixaram de pensar). Mas não se esqueçam que estamos falando de um universo de cerca de 400 mil moradores.

E a devoção a esse reino é tanta que a postura da Light lembra as cerimônias monárquicas em que os visitantes do castelo ajoelhavam-se diante do rei soberano, em reverência, respeito e temor. Um pouco de república democrática não faria mal a ninguém.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Boicotê ao Metrô Rio no dia 30/11

TODA a população está convocada a protestar de uma forma civilizada contra o péssimo serviço prestado pelo metrô. Sempre com atrasos, vagões sem ar-condicionado, superlotados e até mesmo sem luz. Alguma coisa tem que ser feita, não adianta mais ficarmos apenas reclamando uns com os outros. Temos que agir.

No dia 30 de novembro, ninguém faça uso do metrô. Boicote de passageiros. Vamos dar um prejuízo de milhões e chamarmos atenção de verdade das autoridades e responsáveis pelo caos.

Já nos sacrificamos todos os dias utilizando este transporte, que em troca só nos oferece desrespeito. A greve deve ser mantida, mesmo que, nesse único dia, tenhamos que pegar mais condução ou demoremos um pouco mais a chegar em nosso destino. O fato é que precisamos nos mobilizar.

Avise aos amigos, colegas de trabalho, envie e-mails, mensagem de celular, espalhe cartazes para que o maior número de pessoas venham a aderir a esta mobilização. Juntos podemos mudar o caos e o descaso que reinam no Metrô Rio.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O filho da imprensa

"Lula, o filho do Brasil", filme da família Barreto que teve sua pré-estréia ontem em Brasília, ia mesmo dar o que falar. Mas é uma grande faca de dois gumes para a produção, que não dá ponto sem nó. O problema é a esquizofrenia dos críticos e da imprensa.

Já se sabe que Luis Carlos Barreto é um grande espertalhão do cinema brasileiro. Além do talento como produtor, sabe fazer lobby como ninguém. Conseguiu junto ao Congresso, após a existência da Lei Rouanet (incentivo fiscal para que empresas patrocinassem cultura como um todo), a Lei do Audiovisual, que tem o mesmo objetivo, mas é específica para o cinema.

Quem é do meio especula que, quando um grande edital de cinema prorroga a data de inscrição, é porque figurões como a família Barreto não conseguiram entregar seus projetos a tempo.

Pois é esse pessoal que teve a ideia de fazer um filme sobre Lula. Desde o começo estava claro o objetivo de fazer uma média com o Governo, e deram a sorte de ter um presidente com um roteiro de vida comum à maioria dos brasileiros. E que mantém seus níveis de popularidade altíssimos, muito disso fruto de sua identificação pessoal com o povo.


Bipolaridade

Após o incêndio das obras de Hélio Oiticica, que estavam guardadas num depósito do irmão do artista, o Globo foi entrevistar o ministro da Cultura, Juca Ferreira. Perguntaram se o Estado brasileiro não deveria ter mais iniciativas para preservar o patrimônio cultural.

O ministro tocou na ferida: "Mas vocês da imprensa não podem acender uma vela para Deus e outra para o diabo". Ele explicava que tinha pouca gente pra dar conta do trabalho da Cultura, incluindo fiscalização. Mas se alguma despesa de pessoal é anunciada, Juca reclamava que a imprensa criticava o Governo por aumentar os gastos públicos. Afinal, é pra ter ou não ter a presença do Estado?

A mesma esquizofrenia acontece com o filme sobre Lula. Na primeira página de hoje, o jornal destaca que o filme foi feito apenas com recursos privados, com empresas fazendo doações obscuras, insinuando que querem obter vantagem junto ao Governo. Tenho certeza que, se o filme tivesse utilizado lei de incentivo, iam dizer que os cofres públicos estariam pagando a campanha eleitoral de 2010.

Nem santos, nem cínicos

Ninguém é santo nessa história. Lula, o Governo, as empresas, os produtores: todos saem ganhando com o filme e com a polêmica que o envolve e traz Ibope. Quem precisa dizer a que veio é a imprensa, buscando o bom jornalismo. Que não confunde, mas colabora com o esclarecimento do leitor.

Há algum tempo, quando um carro foi submerso em Copacabana por uma tubulação que estourou, a legenda do Globo dizia: "Carro submerso em tubulação administrada pela Cedae, a única estatal fluminense que ainda não foi privatizada". A mensagem é implícita e ao mesmo tempo claríssma: privatização é sinônimo de competência, Estado não é.

As operadoras de telefonia estão aí pra mostrar que não é bem assim. Do mesmo modo, nem sempre o Estado vai ser o melhor ator para determinado tipo de atividade. Mas essa dinâmica precisa ser assimilada pela imprensa, de uma vez por todas. Os leitores estão de saco cheio de pautas que já saem das redações com uma tese pré-concebida, buscando enquadrar os fatos na versão.

Com a internet, esse tipo de expediente caduca a passos largos, destruindo a credibilidade jornalística. O que se pode pensar do patrocínio cultural, por exemplo? É melhor ser totalmente privado ou possuir Lei de Incentivo? Ou ter dinheiro direto do Estado? Não se amadurece essa discussão.

O filme sobre Lula nunca deveria ser feito, a fim de evitar qualquer tipo de questionamento? Ou deveria ser lançado somente após as eleições - sob o risco de não conseguirem patrocínios suficientes, já que o retorno de público poderia não ser o mesmo de quando Lula ainda estivesse sob os holofotes presidenciais?

Ou a imprensa volta a suas origens, sem brigar com os fatos e buscando o esclarecimento da população, ou perderá cada vez mais o seu valor.