Foi a pergunta que enviei a um grupo que
temos com amigos que se mudaram para o hemisfério norte. Sabendo que lá o
inverno tem fama de rigoroso, estava preocupado com a adaptação deles.
Eles contam que o verão se foi e agora, já no final do outono, o dia
escurece mais cedo, coisa à qual eles não estavam acostumados, nunca
viveram isso. A temperatura também fica mais baixa a
cada dia: 10 graus, 5 graus, 0 graus. A sensação térmica,
principalmente quando surgem os ventos, é mais aguda que isso. A
previsão para o final do ano é de -30 graus de temperatura.
Para lidar com isso, camadas e mais camadas de roupas para andar na rua;
vitamina D para compensar a cada vez menor exposição ao sol; vitamina C
para não gripar, diante dos ambientes fechados e da reclusão forçosa
dentro de casa.
Nessa semana ligaram pela primeira vez a
calefação. Até então não foi necessário, pois o apartamento é bem
quente. Além disso, na cidade em que estão, há uma solução de
arquitetura em função do clima: as casas são geminadas, o que faz com
que as calefações não precisem ser colocadas no máximo. Por estarem
próximas, se aquecem mutuamente e rápido, sem onerar mais um ou outro
condômino.
Quem já mora no local recomenda que meus amigos
passem o Natal com familiares em um local mais quente. Mais do que a
temperatura física, diante da adaptação ao novo ambiente, pensam ser
vital estar em dia com os laços e afetos que abrigam e esquentam
emocionalmente.
“E como está aí no Brasil? Estamos preocupados”, eles me perguntam.
Conto que indo pro final do outono a sensação é de que o dia escureceu
mais cedo, coisa à qual não estamos acostumados, minha geração nunca
viveu isso. O frio parece aumentar a cada dia, com ventos
autoritariamente fortes deixando-o ainda mais agudo. A previsão é que só
piore.
Para lidar com isso, camadas e mais camadas de proteção
para andar na rua, viver em público; vitaminas terapêuticas para
compensar a cada vez menor exposição à luz e à razão - e para não
adoecermos, diante dos ambientes fechados e da reclusão forçosa de
tantas ordens.
Acionamos a calefação humana que mutuamente
aquece, e porque mútua, não exaure ou sobrecarrega os demais. Temos
buscado uma arquitetura social que nos reaproxime nesse sentido, sem
onerar um ou outro concidadão.
Quem já passou por isso
recomenda que estejamos cada vez mais juntos, resistindo ao frio um dia
de cada vez. Diante da adaptação ao novo ambiente, pensamos ser vital
estar em dia com os laços e afetos que abrigam e esquentam
emocionalmente. E que vão nos sustentar não apenas no Natal.
Afinal, lá como cá, o verão há de chegar.
sexta-feira, 9 de novembro de 2018
segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018
A louça
Não sei qual é a sua relação com lavar a louça. A minha é ambígua e
rica em experiências.
Há quem odeie lavar a louça, a própria tarefa muitas vezes é associada
a castigo ou moeda de troca: se não tiver dinheiro para pagar a conta do restaurante,
já sabe. Outros têm nojo de estar em
contato com restos de comida - o que entendo perfeitamente mas não pesa tanto
pra mim. Pior é lavar banheiro...
Encarar a pia e seus componentes que parecem ter acabado de chegar de
um bloco de carnaval rende memórias e aprendizados. E até uma crônica (ou duas,
acho que já escrevi sobre o tema).
Não foram poucas as vezes em que a solução para problemas ou “destravamento”
de pensamentos ocorreram com um copo ou um prato ensaboado às mãos. Dizem que é
o mesmo mecanismo ativado enquanto tomamos banho ou caminhamos. Entramos num
modo de trabalho contínuo em uma tarefa banal e as limitações do cérebro são
postas abaixo.
Também é o momento em que percebemos o especialista em logística que
existe em nós (a pós-graduação disso é ter filhos). Coloco os amigos reunidos: copos
enfileirados ao lado da torneira; pratos, empilhados; talheres, dentro da pia.
Em seguida soa o apito da fábrica e tem início a linha de lavagem. Encerra-se o
expediente com a louça repousando no escorredor ou já dentro do armário, seca, se
eu fizer hora extra com o pano de prato.
Claro que a rotina descrita acima é a minha em particular. Minha mãe
colocava tudo junto de molho dentro da pia para depois lavar de uma vez (o fato
de um dia a cuba ter despencado devido ao peso não mudou seus hábitos). Outros
se dão ao luxo de robotizar a produção: a máquina de lavar louças que se
encarregue do serviço.
Soube de alguém que usava pratos e talheres descartáveis, só pra não
ter que lavar a louça. Lá se vai mais plástico no mar, pois embora economizasse
água, esta ainda é um recurso renovável. Fora o desperdício de descobertas e
autoconhecimento.
“Pode gastar seu vocabulário nessa crônica. Eu não gosto de lavar a
louça, e pronto”. Sem problemas, o objetivo não é convocar ninguém para a
tarefa, nem convencer como se fosse um assunto de suma importância. Mas tem o seu lugar no meu dia, com todas as
suas gotas de significado.
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