Se há algo que está fazendo falta nesses tempos de quarentena é o abraço. Falo do gesto espontâneo, fruto da alegria do encontro (ou reencontro) e da intenção em confortar.
O abraço de lado quando se chega na roda de café pra falar com quem você estava acostumado a falar todo dia. Um abraço meio de lado, dando um leve tapa em omoplata alheia, na ratificação de que estamos juntos no mesmo barco.
Um abraço apertado nos seus melhores amigos, que traduz sem palavras tudo o que você está passando, dada a cumplicidade explícita. Um abraço tão forte que te aperta os olhos, lágrima na espreita.
O abraço que vem na sequência de aperto de mão estalando, emendando no puxão que coloca queixos em ombros. Que não se desfaz de todo quando ambos afastam o tronco sob a fineza de um sorriso de satisfação.
A distância física forçada nem é o pior lado dessa história. Ruim mesmo é ter a ciência de que, se estivéssemos no mesmo recinto de quem merece nosso abraço, saber que a ciência nos mostrou como o vírus faz do afeto uma ponte. E que o mais prudente seria suspender prévia e indefinidamente qualquer abraço que chegasse à ponta dos dedos.
Se em algum momento for extremamente necessário sair de casa, ou mesmo descer ao térreo para pegar uma entrega, é preparar-se para o pior. Isto é, paradoxalmente torcer para não encontrar nenhum amigo no caminho. Um abraço virou um perigo. Desejamos não ver quem desejamos ver.
Acumulam-se os abraços cá dentro – de casa, de nós. Sacamos da poupança da memória diariamente os abraços que queremos dar e não podemos. O que fazíamos regularmente com quem já se foi, agora transferido aos que ainda aqui estão mas impossibilitados de estarmos.
Aqueles abraços, estes abraços, todos os abraços, até mesmo os que ainda não nasceram em nossas idéias e fontes diversas. Toda uma outra dimensão de abraços em espera ativa para que tudo isso acabe.
Mas antes que tudo acabe.