VEJA: a irônica revolução da linguagem
É mais forte do que eu: mais uma vez a banca de jornal me chamava a atenção por alguma matéria de capa, mais uma vez a VEJA. Um cartum em que uma gigantesca águia era "peitada" por um pintinho marrento verde e amarelo. A chamada: "Brasil peita os EUA na ALCA - CORAGEM OU ESTUPIDEZ?". Precisa dizer o quê?
Que a revista está se especializando em tratar os leitores de forma infantilóide já se sabe há muito. Não satisfeita em reportar os fatos com ótica visivelmente tendenciosa, a redação de VEJA sempre termina suas matérias ratificando uma solução única e derradeira para a questão abordada. Nunca permite que o leitor forme sua opinião por si só após avaliar o conteúdo da revista. E isso é um tique nervoso que vai desde a capa até as matérias mais banais, como se fosse uma regra de prática jornalística.
Mas a capa dessa semana, além de continuar seguindo à risca o acima citado, provoca uma revolução na linguagem (sem querer, e vocês já vão entender por que). Uma imagem valer mais que mil palavras é exagero - "diz isso sem palavras!", lembra Millôr. Mas a capacidade do cartum ou da charge em sintetizar idéias não deve ser subestimada. Muito menos seu potencial informativo. E de forma completa, já que por ele percebe-se o que querem dizer e com que intenções querem dizer. Nesse ponto as palavras podem confundir, prostituindo a retórica.
E a VEJA jogou pro alto a sutileza e a dissimulação: acrescenta logo a seguir que a situação ridícula do Brasil "peitar" os EUA na ALCA - afinal, o pintinho marrento pra cima da enfezada águia é uma cena ridícula, da qual já se sabe o desfecho - seria enquadrada em um dos extremos: CORAGEM ou ESTUPIDEZ. (Aliás, esse é o maior vício da mídia hoje: tudo é bem x mal, fulano vence x fulano perde etc. Não há análise complexa como são as situações reportadas. Simplifica-se o difícil pela lógica emburrecedora, não pelo pragmatismo).
Assim, percebe-se uma revolução da linguagem protagonizada pela revista, só que de forma irônica. Diante da capa, eu pergunto: preciso ler a matéria? Mesmo que eu concorde com a opinião da revista, por que me dar ao trabalho de comprar e folhear suas páginas para me explicar o que já está resumido e finalizado na capa? Até com o suspense marqueteiro a VEJA acabou. É o cúmulo da síntese! Não é necessário me aprofundar na reportagem para melhor compreender. Está dito, ponto final. Ironicamente, mesmo eu estando na banca, não preciso comprar a revista - e normalmente as capas colaboram para o contrário...
Logo, tal revolução é sem querer, visto que a revista não iria criar um "auto-boicote". Mas se os leitores notarem essa nova fase, será um castigo merecido para o mau jornalismo que a vedete da editora Abril comete faz tempo.
quarta-feira, 15 de outubro de 2003
segunda-feira, 6 de outubro de 2003
Sabemos aonde estamos indo... como continuamos indo?
A ISTOÉ da semana passada (edição 1774) é digna de ser elogiada e criticada, levando-se em conta assunto, qualidade jornalística e tratamento de matéria. Com o título "Inimigo Oculto", a revista mostrou uma terrível realidade do nosso país: mais de 400 mil brasileiros são portadores do vírus HIV e não sabem.
Elogio a equipe de redação por fazer um trabalho digno da vocação jornalística de prestar serviço público informando com responsabilidade. A matéria traz dados oficiais da Organização Mundial de Saúde, mostrando que o Brasil é exemplar no tratamento da AIDS. Também colhe depoimentos de pessoas que se mostraram surpresas ao saber que eram soropositivas - até porque não levavam a "vida suja" geralmente correlacionada aos contaminados. Informa sobre a campanha "Fique Sabendo", que estimula os que transaram sem camisinha a fazer o exame e derruba crendices a respeito do contágio no contato social com aidéticos.
Minhas críticas à revista dizem respeito ao tratamento da matéria. Não foi de capa, o que permitiria um alcance maior de pessoas - e a importante urgência do assunto merecia esse destaque. Também acho válido que sejam enfatizadas vidas que convivem normalmente com o fato de serem soropositivas, o que foi feito por meio de depoimentos transcritos e fotos sorridentes. Mas o lado mais sombrio da doença também precisava estar ali, para não se correr o risco da banalização de um dos piores males da humanidade.
Aí é que está o principal. Aí é que desandei a chorar.
Porque a matéria mais importante do ano vai passar despercebida. Vai ser mais uma matéria de saúde pública sexual a ser engolida pela sociedade do consumo, do espetáculo, sem afeto, sensacionalista (idólatra das sensações), supérflua, hipócrita etc etc etc etc.
Haverá reflexão para os hábitos sexuais de hoje? Um dos depoimentos da matéria é de uma mulher com 4 filhos que nunca teve "aventuras" que dessem margem à suspeita da AIDS. Mas o marido a contaminou, fruto de infidelidade conjugal. E quer coisa mais folclórica hoje do que o "corno", o "triângulo amoroso", o "pular a cerca"? Fala-se disso como se o ato não produzisse conseqüências emocionais - e agora, físicas - desse romper de compromisso.
Os que preferem guardar-se pro casamento e levar a sério a fidelidade - sem impor essa decisão a nenhuma massa, é apenas uma decisão individual como tantas outras - são ridicularizados sem piedade. (Irônica sociedade em que tantos reivindicam o direito de assumir o que escolheram pra vida enquanto enquadram outros que possuem o mesmo objetivo).
Quem se importa com pessoas contaminadas com AIDS hoje? A indústria do sexo, ramificada desde as mais vulgares pornografias até as sutis/escancaradas propagações de valores questionáveis em horário nobre? Os orgulhosos conservadores certos de que sua lei e moral bastam para dominar facilmente os instintos humanos (que não precisam de muito pra perder as rédeas)? Os políticos que não sobrevivem sem o cabresto da ignorância, custe o que custar para os analfabetos de cidadania, sem educação básica - aquela que permite amadurecer para avaliar o melhor, e não ser engabelado pelos malandros oficiais (como dizia Chico Buarque)?
E agora é hora de me expor. Corro o risco de levar um implacável rótulo ao manifestar minha opinião, mas dane-se. Além de ser o meu blog, são minhas sinceras inquietações sobre os destinos do ser humano. A situação narrada pela revista é mais uma prova de que vivemos, como nunca, uma crise de valores. Quanto mais nossa vida se afasta do caráter de Deus, mais perdidos ficamos, menos sentido encontramos. Enquanto nos preocuparmos em buscá-lO apenas na hora da morte ou do sofrer, assim será nossa existência: sepulcral e masoquista, travestindo-se de hedonismo, esperteza egoísta, cinismo de idéias e insensibilidade contagiosa. Sem nunca nos preencher, e nos enganando com tanta perfeição até alcançar o alvo máximo: uma desconfiança geral em relação ao óbvio que salva.
Deus tá vendo. E chora.
A ISTOÉ da semana passada (edição 1774) é digna de ser elogiada e criticada, levando-se em conta assunto, qualidade jornalística e tratamento de matéria. Com o título "Inimigo Oculto", a revista mostrou uma terrível realidade do nosso país: mais de 400 mil brasileiros são portadores do vírus HIV e não sabem.
Elogio a equipe de redação por fazer um trabalho digno da vocação jornalística de prestar serviço público informando com responsabilidade. A matéria traz dados oficiais da Organização Mundial de Saúde, mostrando que o Brasil é exemplar no tratamento da AIDS. Também colhe depoimentos de pessoas que se mostraram surpresas ao saber que eram soropositivas - até porque não levavam a "vida suja" geralmente correlacionada aos contaminados. Informa sobre a campanha "Fique Sabendo", que estimula os que transaram sem camisinha a fazer o exame e derruba crendices a respeito do contágio no contato social com aidéticos.
Minhas críticas à revista dizem respeito ao tratamento da matéria. Não foi de capa, o que permitiria um alcance maior de pessoas - e a importante urgência do assunto merecia esse destaque. Também acho válido que sejam enfatizadas vidas que convivem normalmente com o fato de serem soropositivas, o que foi feito por meio de depoimentos transcritos e fotos sorridentes. Mas o lado mais sombrio da doença também precisava estar ali, para não se correr o risco da banalização de um dos piores males da humanidade.
Aí é que está o principal. Aí é que desandei a chorar.
Porque a matéria mais importante do ano vai passar despercebida. Vai ser mais uma matéria de saúde pública sexual a ser engolida pela sociedade do consumo, do espetáculo, sem afeto, sensacionalista (idólatra das sensações), supérflua, hipócrita etc etc etc etc.
Haverá reflexão para os hábitos sexuais de hoje? Um dos depoimentos da matéria é de uma mulher com 4 filhos que nunca teve "aventuras" que dessem margem à suspeita da AIDS. Mas o marido a contaminou, fruto de infidelidade conjugal. E quer coisa mais folclórica hoje do que o "corno", o "triângulo amoroso", o "pular a cerca"? Fala-se disso como se o ato não produzisse conseqüências emocionais - e agora, físicas - desse romper de compromisso.
Os que preferem guardar-se pro casamento e levar a sério a fidelidade - sem impor essa decisão a nenhuma massa, é apenas uma decisão individual como tantas outras - são ridicularizados sem piedade. (Irônica sociedade em que tantos reivindicam o direito de assumir o que escolheram pra vida enquanto enquadram outros que possuem o mesmo objetivo).
Quem se importa com pessoas contaminadas com AIDS hoje? A indústria do sexo, ramificada desde as mais vulgares pornografias até as sutis/escancaradas propagações de valores questionáveis em horário nobre? Os orgulhosos conservadores certos de que sua lei e moral bastam para dominar facilmente os instintos humanos (que não precisam de muito pra perder as rédeas)? Os políticos que não sobrevivem sem o cabresto da ignorância, custe o que custar para os analfabetos de cidadania, sem educação básica - aquela que permite amadurecer para avaliar o melhor, e não ser engabelado pelos malandros oficiais (como dizia Chico Buarque)?
E agora é hora de me expor. Corro o risco de levar um implacável rótulo ao manifestar minha opinião, mas dane-se. Além de ser o meu blog, são minhas sinceras inquietações sobre os destinos do ser humano. A situação narrada pela revista é mais uma prova de que vivemos, como nunca, uma crise de valores. Quanto mais nossa vida se afasta do caráter de Deus, mais perdidos ficamos, menos sentido encontramos. Enquanto nos preocuparmos em buscá-lO apenas na hora da morte ou do sofrer, assim será nossa existência: sepulcral e masoquista, travestindo-se de hedonismo, esperteza egoísta, cinismo de idéias e insensibilidade contagiosa. Sem nunca nos preencher, e nos enganando com tanta perfeição até alcançar o alvo máximo: uma desconfiança geral em relação ao óbvio que salva.
Deus tá vendo. E chora.
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