Sabemos aonde estamos indo... como continuamos indo?
A ISTOÉ da semana passada (edição 1774) é digna de ser elogiada e criticada, levando-se em conta assunto, qualidade jornalística e tratamento de matéria. Com o título "Inimigo Oculto", a revista mostrou uma terrível realidade do nosso país: mais de 400 mil brasileiros são portadores do vírus HIV e não sabem.
Elogio a equipe de redação por fazer um trabalho digno da vocação jornalística de prestar serviço público informando com responsabilidade. A matéria traz dados oficiais da Organização Mundial de Saúde, mostrando que o Brasil é exemplar no tratamento da AIDS. Também colhe depoimentos de pessoas que se mostraram surpresas ao saber que eram soropositivas - até porque não levavam a "vida suja" geralmente correlacionada aos contaminados. Informa sobre a campanha "Fique Sabendo", que estimula os que transaram sem camisinha a fazer o exame e derruba crendices a respeito do contágio no contato social com aidéticos.
Minhas críticas à revista dizem respeito ao tratamento da matéria. Não foi de capa, o que permitiria um alcance maior de pessoas - e a importante urgência do assunto merecia esse destaque. Também acho válido que sejam enfatizadas vidas que convivem normalmente com o fato de serem soropositivas, o que foi feito por meio de depoimentos transcritos e fotos sorridentes. Mas o lado mais sombrio da doença também precisava estar ali, para não se correr o risco da banalização de um dos piores males da humanidade.
Aí é que está o principal. Aí é que desandei a chorar.
Porque a matéria mais importante do ano vai passar despercebida. Vai ser mais uma matéria de saúde pública sexual a ser engolida pela sociedade do consumo, do espetáculo, sem afeto, sensacionalista (idólatra das sensações), supérflua, hipócrita etc etc etc etc.
Haverá reflexão para os hábitos sexuais de hoje? Um dos depoimentos da matéria é de uma mulher com 4 filhos que nunca teve "aventuras" que dessem margem à suspeita da AIDS. Mas o marido a contaminou, fruto de infidelidade conjugal. E quer coisa mais folclórica hoje do que o "corno", o "triângulo amoroso", o "pular a cerca"? Fala-se disso como se o ato não produzisse conseqüências emocionais - e agora, físicas - desse romper de compromisso.
Os que preferem guardar-se pro casamento e levar a sério a fidelidade - sem impor essa decisão a nenhuma massa, é apenas uma decisão individual como tantas outras - são ridicularizados sem piedade. (Irônica sociedade em que tantos reivindicam o direito de assumir o que escolheram pra vida enquanto enquadram outros que possuem o mesmo objetivo).
Quem se importa com pessoas contaminadas com AIDS hoje? A indústria do sexo, ramificada desde as mais vulgares pornografias até as sutis/escancaradas propagações de valores questionáveis em horário nobre? Os orgulhosos conservadores certos de que sua lei e moral bastam para dominar facilmente os instintos humanos (que não precisam de muito pra perder as rédeas)? Os políticos que não sobrevivem sem o cabresto da ignorância, custe o que custar para os analfabetos de cidadania, sem educação básica - aquela que permite amadurecer para avaliar o melhor, e não ser engabelado pelos malandros oficiais (como dizia Chico Buarque)?
E agora é hora de me expor. Corro o risco de levar um implacável rótulo ao manifestar minha opinião, mas dane-se. Além de ser o meu blog, são minhas sinceras inquietações sobre os destinos do ser humano. A situação narrada pela revista é mais uma prova de que vivemos, como nunca, uma crise de valores. Quanto mais nossa vida se afasta do caráter de Deus, mais perdidos ficamos, menos sentido encontramos. Enquanto nos preocuparmos em buscá-lO apenas na hora da morte ou do sofrer, assim será nossa existência: sepulcral e masoquista, travestindo-se de hedonismo, esperteza egoísta, cinismo de idéias e insensibilidade contagiosa. Sem nunca nos preencher, e nos enganando com tanta perfeição até alcançar o alvo máximo: uma desconfiança geral em relação ao óbvio que salva.
Deus tá vendo. E chora.
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