sexta-feira, 15 de abril de 2005

Agora

Três anos, em março. Uma parte definitiva de vida que operou pelo contraste do que sou e do que estou, do que faço e do que aspiro. Por três anos provações foram minha sobremesa diária após o expediente - ou durante, sendo mais fiel aos fatos reais. O ofício ao mesmo tempo escolhido e descartado: um concurso feito antes do vestibular, a certeza de um dia sair, em busca da vocação encontrada.

Em busca da vocação encontrada. Repito por conseqüência da teimosa revelação que me cercou por três anos, sem trégua ou acomodação. Enquanto as finanças prosperavam e o prestígio/reconhecimento em vida profissional se mantinham na ascendência, o dissabor do sabor interno de realização era amargo. Ali estava, com a certeza tantas vezes confirmada de que não era para ali estar, de que era preciso aspirar sem apenas suspirar. Correr.

E chegaria a estas linhas de outra forma? Sem a provação, como já disse, do praguejar pragmático contra a poesia possível (por que não?), chegaria até a retrospectiva dos três anos com tanta maturidade? Não. Não olharia pra trás com orgulho do aprendizado e das cicatrizes, marcas de expressão pra me relembrar que preciso me expressar. A mim mesmo antes de a qualquer outro, a fim de completar os ciclos, sair do que o concurso me proporcionou, que não era a busca da vocação encontrada.

Encontrada e fiel, não posso agir diferente. A coerência é um chamado, e eu aqui respondo, me publicando contra a minha racionalidade. Se pensasse bem, anotaria num bloquinho pessoal essas conclusões pessoalíssimas sobre profissão e chamado de vida. Mas faço parte do público: estou na primeira fila, aguardando mais do que ninguém o início do espetáculo há tanto anunciado. Ainda que comece timidamente, não remunerado, irregular. Que comece logo a existir, pra que não nasça abortado.

Por soberana ironia, o ofício me levou à enfermidade do tendão, o mal do século eletrônico. E o que já se revelara um obstáculo por meio de suas bondades - sua estabilidade, seu vil metal em boa hora, suas promessas de encarreiramento invejado - ainda atravancava a busca da vocação, agora encontrada. A pseudo-impossibilidade de não teclar, de não expressar, de não vazar, de não parir (abortar?), de não publicar. Rasgava-me sem direção: uma pausa para melhor trabalhar no que não era eu? A cura que nunca vem, maneiremos no uso do PC. Como maneirar o que transborda na gente?

A coerência é um chamado e eu aqui respondo, com umas pontadas acima do punho e no meio do antebraço, prestes a pegar o diploma, na expectativa de largar abismo abaixo o saco de bondades para subir ao cume da vocação encontrada. Três anos se passaram e bem mais que vinte e quatro podem vir, mas hão de vir ao lado da vocação encontrada, que vem na hora boa, a do horizonte permeável à construção do que se quer, do que se almeja, do que se romantiza sem alienação. E que se concretiza, pela graça de Deus.

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