A vida é curta
A vida é curta. Por enquanto, apenas 8 meses, dependurados na barriga em simbiose maternal. Aguarda o momento enquanto é segurado firme, a mãe segurando firme na barra do metrô para não cair. Os lugares, todos ocupados, incluindo os já a ela reservados.
A insensibilidade geral é larga. Bancos verdes, laranjas, sem preconceito de cor em honra à indiferença. A mãe se segura e os demais acomodam-se cegos, ou num fingimento cuja habilidade quase admiro.
O olhar da mãe é curto. Não almeja grandes conquistas, apenas um lugar naquele vagão. Um descanso exigido por lei natural e legitimado no direito, degolado na atitude ilegítima dos sentados. O olhar da mãe é curto e me corta. É comigo agora. Meu desespero em checar se realmente ninguém dos bancos reservados vai levantar é estimulante do meu erguer-me. Ela parece ter compreendido meu próprio olhar antes de mim: começava a deslocar-se em minha direção. Era hora de algo mudar.
A distância entre nós encurtou-se. Um homem no banco em frente a mim quase levita em marcha acelerada para preservar a vida curta e sua mãe, que senta à minha frente. Vejo seu rabo-de-cavalo a um palmo. Os sentados nos reservados poderiam hospedar-se num museu de cera. Estáticos gélidos de alma.
A viagem é curta e eu salto. Daqui a um mês ele vem à luz e me pergunto: em que lado se postará? Dos profissionais da frieza ou dos revoltados incomodados? Não saberá, por certo, que sua mãe participou do circo humano da dissimulação. Nem poderei relatar-lhe meu testemunho. "O mundo te espera, e cruel", eu diria.
domingo, 20 de agosto de 2006
domingo, 13 de agosto de 2006
PCC, mestre em Comunicação Social
Seqüestraram um repórter. UM repórter. Após centenas de ataques, outra centena de mortos, toques de recolher, paspalhices políticas e terror generalizado, o PCC resolve seqüestrar um repórter, funcionário do maior monopólio de comunicação do país. Após esse feito, seu vídeo de reivindicações, que fala da situação carcerária insustentável, é veiculado na íntegra, do contrário a pena de morte do repórter estaria assinalada.
É incrível que, até então, o noticiário só conseguia cobrir os momentos de pânico, influenciar ou relatar a repressão policial maior ainda, mostrar os chefões do PCC etc etc. Mas pouquíssimas vezes fizeram matérias sobre a situação carcerária do país, as condições para que ladrões de galinha ou de lojas de shopping se tornem monstros e que monstros nunca dêem meia-volta na sua vocação criminosa.
Mas no momento em que UM repórter da Globo é seqüestrado, todo o país é obrigado a ver o que os jornais teimam em não mostrar: as causas do problema.
Não discutirei aqui as origens de um criminoso, qual a melhor solução para a violência e a desigualdade social, ou coisa do tipo. Vou me ater ao fato da vez: como os principais representantes do PCC reiteraram sempre (incluindo Marcola na CPI do Tráfico), os ataques se repetem porque a situação carcerária é desumana, uma fábrica de bombas-relógio como a que estamos assistindo agora.
"Mas eles são desumanos também! Olha o que estão fazendo com cidadãos de bem! E eles não estão presos à toa!". Não estou negando isso.
No entanto, o sistema prisional brasileiro especializa-se dia após dia a piorar o que já está ruim. Imagine você juntar num cubículo para 12 pessoas cerca de 50 indivíduos com antecedentes criminais, de variados níveis e índoles. Além disso, trate-os como animais, abuse de sua autoridade diante deles. Há como conter essa panela de pressão por tempo indeterminado?
Esse é o tipo de cobrança que a sociedade também deve exercer sobre os governantes. Segurança pública não é apenas manter os marginais longe de nossas belas casas - é proporcionar condições para que os mesmos, se não forem ressocializados, ao menos não apresentem perigo iminente. E que não tenham motivação ou condições para isso. Prender e manter nas condições já referidas é fortalecer rebeliões futuras, quando a fúria será maior e mais organizada. É o que vemos em São Paulo.
Pois dessa parte da história a imprensa passa longe. Também não são abordados os casos (milhares de casos) de ladrões de pequenos furtos que já deveriam estar soltos e permanecem lá, pois não são Suzane von Richtofen para terem advogados acompanhando passo a passo os direitos de liberdade condicional etc que possuem. Ficam lá, sem esperança, e cujas únicas opções são a morte ou sobreviver por meio de facções como o PCC. Pioram, graças ao sistema prisional, que deveria nos dar segurança.
A imprensa encarna o espírito de classe média/média-alta que nos acomete hoje: bandido bom é bandido morto ou esculachado dia após dia. Não se percebe que esse tipo de postura, estendida aos governantes e suas administrações penitenciárias, é a pólvora perfeita para incendiar o Morumbi intocável. É muita ignorância.
Assim, qual é a maneira de mostrar à sociedade as causas de problemas tão graves de nosso sistema de segurança pública? Seqüestrando um repórter da Globo. Bin Laden faz escola, e a imprensa não aprende.
Como jornalista, fico temeroso em perceber que os canais de intermediação - a mídia -são cada vez mais desprezados para que conheçamos nosso contexto. E por pura incompetência e cegueira de seus donos, fingindo que vivem num mundo diferente por terem mais dinheiro. Ilusão que o PCC tem se especializado em desfazer.
Oro para que o repórter não pague com sua vida pela teimosia de governantes e donos de jornais.
Seqüestraram um repórter. UM repórter. Após centenas de ataques, outra centena de mortos, toques de recolher, paspalhices políticas e terror generalizado, o PCC resolve seqüestrar um repórter, funcionário do maior monopólio de comunicação do país. Após esse feito, seu vídeo de reivindicações, que fala da situação carcerária insustentável, é veiculado na íntegra, do contrário a pena de morte do repórter estaria assinalada.
É incrível que, até então, o noticiário só conseguia cobrir os momentos de pânico, influenciar ou relatar a repressão policial maior ainda, mostrar os chefões do PCC etc etc. Mas pouquíssimas vezes fizeram matérias sobre a situação carcerária do país, as condições para que ladrões de galinha ou de lojas de shopping se tornem monstros e que monstros nunca dêem meia-volta na sua vocação criminosa.
Mas no momento em que UM repórter da Globo é seqüestrado, todo o país é obrigado a ver o que os jornais teimam em não mostrar: as causas do problema.
Não discutirei aqui as origens de um criminoso, qual a melhor solução para a violência e a desigualdade social, ou coisa do tipo. Vou me ater ao fato da vez: como os principais representantes do PCC reiteraram sempre (incluindo Marcola na CPI do Tráfico), os ataques se repetem porque a situação carcerária é desumana, uma fábrica de bombas-relógio como a que estamos assistindo agora.
"Mas eles são desumanos também! Olha o que estão fazendo com cidadãos de bem! E eles não estão presos à toa!". Não estou negando isso.
No entanto, o sistema prisional brasileiro especializa-se dia após dia a piorar o que já está ruim. Imagine você juntar num cubículo para 12 pessoas cerca de 50 indivíduos com antecedentes criminais, de variados níveis e índoles. Além disso, trate-os como animais, abuse de sua autoridade diante deles. Há como conter essa panela de pressão por tempo indeterminado?
Esse é o tipo de cobrança que a sociedade também deve exercer sobre os governantes. Segurança pública não é apenas manter os marginais longe de nossas belas casas - é proporcionar condições para que os mesmos, se não forem ressocializados, ao menos não apresentem perigo iminente. E que não tenham motivação ou condições para isso. Prender e manter nas condições já referidas é fortalecer rebeliões futuras, quando a fúria será maior e mais organizada. É o que vemos em São Paulo.
Pois dessa parte da história a imprensa passa longe. Também não são abordados os casos (milhares de casos) de ladrões de pequenos furtos que já deveriam estar soltos e permanecem lá, pois não são Suzane von Richtofen para terem advogados acompanhando passo a passo os direitos de liberdade condicional etc que possuem. Ficam lá, sem esperança, e cujas únicas opções são a morte ou sobreviver por meio de facções como o PCC. Pioram, graças ao sistema prisional, que deveria nos dar segurança.
A imprensa encarna o espírito de classe média/média-alta que nos acomete hoje: bandido bom é bandido morto ou esculachado dia após dia. Não se percebe que esse tipo de postura, estendida aos governantes e suas administrações penitenciárias, é a pólvora perfeita para incendiar o Morumbi intocável. É muita ignorância.
Assim, qual é a maneira de mostrar à sociedade as causas de problemas tão graves de nosso sistema de segurança pública? Seqüestrando um repórter da Globo. Bin Laden faz escola, e a imprensa não aprende.
Como jornalista, fico temeroso em perceber que os canais de intermediação - a mídia -são cada vez mais desprezados para que conheçamos nosso contexto. E por pura incompetência e cegueira de seus donos, fingindo que vivem num mundo diferente por terem mais dinheiro. Ilusão que o PCC tem se especializado em desfazer.
Oro para que o repórter não pague com sua vida pela teimosia de governantes e donos de jornais.
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