A vida é curta
A vida é curta. Por enquanto, apenas 8 meses, dependurados na barriga em simbiose maternal. Aguarda o momento enquanto é segurado firme, a mãe segurando firme na barra do metrô para não cair. Os lugares, todos ocupados, incluindo os já a ela reservados.
A insensibilidade geral é larga. Bancos verdes, laranjas, sem preconceito de cor em honra à indiferença. A mãe se segura e os demais acomodam-se cegos, ou num fingimento cuja habilidade quase admiro.
O olhar da mãe é curto. Não almeja grandes conquistas, apenas um lugar naquele vagão. Um descanso exigido por lei natural e legitimado no direito, degolado na atitude ilegítima dos sentados. O olhar da mãe é curto e me corta. É comigo agora. Meu desespero em checar se realmente ninguém dos bancos reservados vai levantar é estimulante do meu erguer-me. Ela parece ter compreendido meu próprio olhar antes de mim: começava a deslocar-se em minha direção. Era hora de algo mudar.
A distância entre nós encurtou-se. Um homem no banco em frente a mim quase levita em marcha acelerada para preservar a vida curta e sua mãe, que senta à minha frente. Vejo seu rabo-de-cavalo a um palmo. Os sentados nos reservados poderiam hospedar-se num museu de cera. Estáticos gélidos de alma.
A viagem é curta e eu salto. Daqui a um mês ele vem à luz e me pergunto: em que lado se postará? Dos profissionais da frieza ou dos revoltados incomodados? Não saberá, por certo, que sua mãe participou do circo humano da dissimulação. Nem poderei relatar-lhe meu testemunho. "O mundo te espera, e cruel", eu diria.
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