terça-feira, 8 de janeiro de 2008

A liberdade aprisionada

A piada pode surgir de repente (não necessariamente acompanhada da graça). A da vez foi proporcionada pela Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA). Lá estou eu sintonizando o menu principal (mosaico) de canais da SKY e vem o anúncio institucional clamando por Liberdade na TV. Achei estranho e resolvi prestar atenção. O tom do apresentador era grave. O conteúdo, risível e denotando o desespero dos magnatas do cabo.

Explico: a tal campanha por Liberdade na TV (que tem até site e vídeo no YouTube) refere-se ao projeto de lei 29/2007, que obriga que 50% dos canais das TVs por assinatura devam ser nacionais; e que 10% do conteúdo de todos eles, incluindo os estrangeiros, também seja nacional.

Achei o projeto exagerado. Mas antes de chegar nesse mérito, observe o texto do apresentador da ABTA: "Eles decidem o que você deve assistir e no final você pagará mais por isso. Não deixe que eles prejudiquem a sua liberdade de escolha". Rárárá. E o que as TVs por assinatura fazem conosco hoje? É diferente?

A TV a cabo chegou ao Brasil com a promessa de ser a alternativa ao rame-rame baixo nível da TV aberta, com opções melhores e, acima de tudo, opções. Hoje, o horário "nobre" de um canal chama-se "Politicamente Incorreto", com programas que rivalizam nas baixarias com Ratinhos e Datenas da TV aberta, por exemplo. E nenhuma operadora permite que você faça seu pacote e escolha pagar apenas pelos canais que de fato assistirá. Precisamos engolir mil canais inúteis para nossos gostos. Cadê a liberdade?

É o desespero diante de um público que tem encontrado na internet ou noutros meios o conteúdo que desejam (sobre isso, ver excelente artigo de Nelson Hoineff no Observatório da Imprensa). Tão desesperados estão que têm a coragem de acusar os políticos dos mesmos crimes que cometem contra o público. O instinto de sobrevivência é forte mesmo...

Por outro lado, não é por decreto que se criam canais. No momento em que se estrutura uma TV pública, percebe-se que a coisa não é tão simples. Assim como a imposição de cotas para produção regional também é polêmica. No entanto, precisamos reconhecer: agüentamos cotas e mais cotas de seriados rejeitados nos EUA e de filmes perfeitamente classificáveis como B. E não participamos da elaboração dessa grade de programação em nenhum momento. Isto é, só na hora de pagar.

Aí é outra "terra de ninguém": no caso da SKY, se você escolhe pagar em débito automático na conta-corrente, é um preço e você recebe em casa um "extrato de conferência". Se optar por pagar em boleto bancário, são mais 3 reais. Qual a diferença entre o conteúdo do extrato e do boleto? Nenhuma. O custo de emissão de um boleto junto ao banco, claro, é repassado pro cliente. Mais uma vez: não há liberdade de escolha. Diferente de outras concessionárias de serviço, temos que optar por pagar mais e ter mais trabalho ou pagar menos e confiar que os valores sempre virão certos. Porque se não vierem, prepare-se pra bloquear o débito, correr atrás pra contestar os valores etc...

Aprisionaram o significado da palavra "liberdade". Quem vai libertá-la?

3 comentários:

Lois Lane disse...

Se nem mesmo quando é pago as pessoas reclamam, o que dizer então quando se trata da tevê aberta - um bem do cidadão do qual ele não toma conhecimento?

Triste, muito triste.



ps. Blog reativado. Sua visita é muito importante para nós. Bip!

Anônimo disse...

já tinha notado a ironia dessa campanha. somos obrigados a engolir um monte de canais que só passam subprodutos de enlatados da tv aberta dos estadozunidos. lá, pelo menos, você assina os canais individualmente.

João Bittencourt disse...

Gente,

A propaganda é absolutamente enviesada para colocar todos contra o que o Projeto de Lei proposto.

Será que de repente, a Sky (do magnata Rupert Murdoch) e a ABTA (que representa os canais estrangeiros) resolveram ficar boazinha?

O enviesamento da campanha “Liberdade na TV” é total, para conquistar corações e mentes.

O que o projeto propõe em relação às cotas? São basicamente 3 cotas?
1 - que daqui a 4 anos, teremos 3:30h SEMANAIS de conteúdo nacional (equivalente a 10% do tempo dentro das 5 horas do horário nobre) nos canais que tem maioria de espaço qualificado nas 5 horas do horário nobre. Entram: Warner, Sony, Discoverys, HBO, etc. E ficam de fora: NHK, RAI, ESPN, etc, porque não tem maior parte de espaço qualificado no horário nobre. Vejam bem, 210 minutos por semana em 4 anos. E no primeiro ano, 25% disso, ou exatamente 52 minutos SEMANAIS. Isso é absurdo?

2 - O projeto é inteligente ao aproveitar a digitalização das redes de tv por assinatura, fato que promete aumentar em muito o número de canais possíveis de veiculação para criar uma cota de canais que tenham conteúdo brasileiro, em sua maior parte. Caso nada seja feito, as redes aumentarão em 50 a 100 os canais disponíveis e todos esses canais serão programados por empresas estrangeiras, com conteúdo estrangeiro dentro deles. O texto propõe 30% de todos os canais qualificados existentes no pacote (a titulo de exemplo: HBO e Cartoon são “canais qualificados”, ESPN e Canal Rural não). Isso dá, de fato cerca de 20 a 25 canais caso o pacote tenha 100 canais (visto que o cômputo se dá não em cima de todo o pacote, mas apenas em cima dos canais que tem majoritariamente espaço qualificado no horário nobre. 20 a 25 cansi (em 100) daqui a 4 anos. No primeiro ano, a cota, pela proposta será 25% disso (ou seja 4 a 5 canais). Isso é muito? Pode ser... mas absurdo?

3 – O projeto propõe 50% de canais programados por empresas de capital nacional. Essa cota não diz se o conteúdo será, nesses canais, brasileiro ou estrangeiro. É uma cota para os programadores nacionais, ponto. Não faz qualquer menção ao contudo existente dentro deles. Os canais Telecines por exemplo, são da Globosat (da Globo) e entrariam nessa cota. O Canal Rural, o SporTV e o Shoptime também. E só veiculam conteúdo estrangeiro. É uma cota grande?. Pode ser. Mas absurda?? Se diminuísse para um percentual razoável, continuaria absurda?

O que mais o projeto propõe:
1 - mecanismos importantes para incentivar a competição (essa palavra que os grandes empresários brasileiros tanto odeiam) na televisão por assinatura (art. 11, art. Art. 17, por exemplo);
2 - mecanismo que faz com que alguns eventos nacionais considerados relevantes (alguns eventos esportivos, por exemplo) sejam veiculados por mais canais de programação, estando, portanto, mais acessíveis a mais gente.
3 - limite de publicidade nos canais de tv por assinatura (15% de cada 1 hora - art. 20)

O que o projeto não propõe:
1 - a retirada dos atuais canais (estrangeiros) dos pacotes. A aplicação das cotas é progressiva, sendo alcançadas, na totalidade, em 4 anos. E em quatro anos, todas as redes estarão digitalizadas, permitindo muito mais canais.
2 - computar 10% em cima de toda a grade horária diária dos canais estrangeiros. Os 10% são em cima de 5 horas do horário nobre. Dá 30 minutos por dia (em 4 anos) e 3:30h na semana.

Como tais propagandas manipulam as informações:
1 – Dizendo que 10% da programação TOTAL dos canais estrangeiros deverá ser composta por programas brasileiros. Na verdade é 10% de 5 horas diárias (§ 2º do art. 18).
2 – Dizendo que 50% dos canais terão de veicular conteúdo nacional. O que é uma inverdade. A cota de 50% é para programadores nacionais. E eles exibem o que quiserem: jornalismo, filmes estrangeiros, jogos de futebol, etc.

Há muitos interesses em jogo. E estão usando de propaganda maliciosa para fazer massa de manobra contra o projeto.

A peça de propaganda diz que estão ameaçando a liberdade de escolha. Pergunta: que liberdade de escolha o assinante tem hoje?
De pagar por uma TV por assinatura que custa de 2 a 3 vezes mais do que nos países da América do Sul para um ter um conjunto similar de canais?
Ou de comprar pocotes absolutamente fechados, onde não se permite a escolha de canal por canal?

São só os estrangeiros que estão interessados nessa campanha? Pois nem os estrangeiros ficaram bonzinhos, nem estão sozinhos na estória. Interessa às Organizações Globo continuar com o quase monopólio da programação brasileira na TV por assinatura. Sozinha, a empresa entrega conteúdo (canais de programação) para 82% dos assinantes brasileiros (vá em http://netbrasil.globo.com/ e clique em “Quem somos). Com esse situação, deita e rola, fazendo o preço dos pacotes serem de 2 a 3 vezes maior que nos países vizinhos, para um conjunto similar de canais. Por que interessaria à empresa qualquer possibilidade de mudança nessa situação?? Qual o interesse da empresa para fazer o mercado de televisão por assinatura crescer, se isso mataria a galinha de ovos de ouro dela (a audiência da TV aberta)?? Tudo que as organizações Globo odeiam é a competição na TV aberta, ou mesmo dentro da TV por assinatura, pois hoje, já domina também esse mercado.

No site “Liberdade na TV”, sequer há qualquer link para o texto do PL. Por quê? Para fazer com que a peça mentirosa de propaganda se sustente?

Quem quiser, pode ir a fundo e ver o texto do PL em:
http://www.deputadobittar.com.br/pdf/071208_ef_convergencia.pdf


As cotas estão a partir do artigo 15. É só conferir. E REFLETIR a respeito.

Abraços, João

PS: só mais uma informação,vi lá, o cômputo das cotas é realizado em cima dos pacote que chega na casa do assinante. Por pacote entende-se todos os canais, MENOS os canais de veiculação obrigatória (canais abertos, comunitário, TVs do legislativo, judiciário, etc.)