(Foto: Carolina Lessa)
Será necessária mesmo uma apresentação sobre quem é Luis Fernando Verissimo? O escritor gaúcho de crônicas bem-humoradas e críticas sobre todo o tipo de situação, com uma das melhores vendagens de livros no Brasil, é uma pessoa super acessível. Já deu entrevistas para além dos grandes jornais, e agora marca presença dupla no Lessa27 e no Futebol Racional, falando de temas diferentes. A conversa começou por e-mail e terminou na casa do filho de Verissimo, em Ipanema. Acompanhe o bate-papo sobre cultura geral:
Você tem saudade dos seus tempos de jornalista? Por quê?
Jornalista eu ainda sou. Tenho saudade do convivio na redação. Trabalhar em casa é mais comodo mas menos estimulante.
Você sempre planeja escrever com humor ou depois que escreve é que você percebe?
Sempre procuro fazer um texto atraente e, dependendo do assunto, bem humorado.
Como é a sua relação com Machado de Assis, que há mais de 100 anos era alguém que escrevia com muito humor?
Na verdade eu não li muito Machado de Assis, li aqueles livros que todo mundo leu: Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Memorial de Aires, não foi muito mais do que isso. Lia muitas crônicas também. Machado usava muito a ironia, o que é uma constante dos nossos cronistas, todos eles escreviam com certo humor.
Você acha que o humor é uma característica dos escritores brasileiros?
Eu acho que é uma característica brasileira. Esse gosto pela crônica é uma característica brasileira também. Nós tivemos grandes escritores que nunca fizeram outra coisa além de crônica: Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Antonio Maria, Stanislaw Ponte Preta. Eu acho que é uma coisa brasileira, não tenho notícia de algo assim em outro lugar.
Há algum tempo existia uma tradição de cronistas na imprensa brasileira. Você ainda tem um espaço, João Ubaldo Ribeiro também. Mas são poucos. O que você acha que mudou no espaço da crônica, que nos jornais de antes era maior, havia mais gente e hoje dá-se preferência às crônicas opinativas do que a crônica que conta uma história?
Eu acho que a crônica como gênero literário, como construção literária, mudou bastante. Hoje não se tem mais a crônica como um espaço de leitura prazeirosa num jornal, ou numa revista. É mais opinião, sobre atualidade e política, e acho que não há ninguém que faça como Rubem Braga, por exemplo.
Você imagina por que houve essa mudança?
Não sei, não tenho nenhuma tese sobre o assunto. Talvez a vida tenha se tornado tão difícil, tão competitiva, que as pessoas não têm mais tempo para o puro prazer de ler uma boa crônica sobre uma coisa lírica, bonita, a crônica pela crônica. Esperam sempre uma atualidade da crônica.
Você já disse que gosta de assistir Seinfeld. Por quê?
Gosto do texto inteligente e da interatividade dos personagens principais, os quatro muito bem interpretados.
Você acha que um blogueiro pode ser considerado escritor? Por quê?
Acho que não é o veículo que determina se o cara é escritor ou não. Num blog ou em outro lugar, o que interessa é o texto.
Como surgiu a idéia de fazer cartuns?
Eu sempre gostei muito de quadrinhos e cartuns e quando comecei a ter um espaço assinado no jornal, e quando faltava tempo ou inspiração para o texto, apelava para o desenho.
Família Brasil, Cobras, Dora Avante, Velhinha de Taubaté, Analista de Bagé... Há algum outro personagem a caminho?
Não, mas nunca se sabe.
Quais são suas expectativas políticas para o país? O pragmatismo venceu o idealismo (qualquer um)?
Acho que quando se escrever sobre este tempo no futuro duas coisas vão intrigar os historiadores: o ódio ao Lula e a paixão pelo Lula, as duas coisas desmedidas e um pouco irracionais. Na sucessão do Lula elas vão ser determinantes, não sei para que lado. Me parece que o Lula está fazendo um governo mais pragmático do que ideológico.
Você acha que as ideologias chegaram a um ponto em que ficaram inócuas? Isto é, a ideologia pode ser bonita e inspiradora mas, quando chega ao governo, é incapaz de virar ação de governo, políticas públicas?
Eu acho que o Governo Lula foi uma decepção para a esquerda, por não fazer um governo exatamente de esquerda, e ao mesmo tempo decepcionou para a direita, porque não foi um desastre completo. Na verdade, o poder não muda tanto ao mudar a política, ou o governo. Os donos do poder, como diria Raymundo Faoro, são os mesmos: o poder do dinheiro, do capital financeiro... Essa crise do capitalismo que estamos passando agora, que exageradamente é chamada de terminal, talvez cause algumas mudanças.
Há algum tempo ficou famoso o seminário “O silêncio dos intelectuais”. Diante desse quadro político do qual falamos, você consegue ver um papel diferente dos intelectuais na política e na relação com a sociedade?
Eu acho que o papel do intelectual é ajudar a sociedade a se entender, a se pensar. O papel dele é definir o que está acontecendo, mas não que isso signifique que ele vá ter interferência nos rumos do que vai acontecer. Mas ele é uma maneira da sociedade se compreender.
Como tem sido a experiência de ser avô? Vai desaguar na sua produção literária?
Já escrevi sobre a neta mas não pretendo transformá-la em assunto. São coisas que têm um significado sentimental óbvio para a gente mas não devem interessar muito aos outros.
Você já deu muitas entrevistas. Existe alguma coisa que você gostaria de ter respondido mas não te perguntaram? Se existir, pode responder agora...
Ainda não me perguntaram que tamanho eu calço. E sabe que eu não sei?
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