sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Só por uma noite

Foi quanto durou minha leve sensação do que é ser uma pessoa solitária. Nem tive a pretensão de fazer uma experiência antropológica. A amada esposa viajou por uma semana e, desde que casamos, foi a primeira vez que cheguei em casa sem ela a me esperar ou prestes a chegar. Ela, por sua vez, já tinha passado por experiência semelhante devido a alguns cursos que precisei fazer em - argh! - São Paulo.

Durante a semana são dias de labuta: contato com colegas de trabalho, envolvimento em projetos que me enlaçam até o pescoço e chegada em casa para um lanche, um video-game, um Seinfeld, uma leiturinha pré-sono e cama. O sábado, durante o dia, não é tão diferente: em vez de compromissos com terceiros, são comigo mesmo: compras a fazer, horas de lazer, visita à vovó e logo, logo já passam das seis da tarde.

Mas e à noite? Sábado à noite sem a amada? Mesmo o filminho do Telecine, que vem a calhar a três (eu, ela e o home theather) fica tremendamente insosso. Cinema? Coisa de maluco: ingresso no dia mais caro para se aborrecer com os que fazem da sala de projeção um boteco animado. E todos os amigos próximos também são bem casados, não serei um separador de amores logo no sábado à noite.

Então me percebi à beira da janela de meu apartamento sem nada para fazer. Àquela hora, não cabia ligar para qualquer pessoa. TV, DVD e afins não me seduziam. Livros e revistas bem antes de dormir? Nhá. Porém, não me sentia entediado. Ora, então que sensação era aquela?

Solidão.

No entanto não era aquela solidão brusca, que é atalho para depressão e coisas do tipo (afinal, estamos falando de uma noite apenas). O sentimento foi se confirmando pela idéia que tive a seguir e que vim a concretizar: ir a um barzinho com 2 livros a tiracolo para ler. Por que lá? Por serem lugares cheios de gente e, mesmo estando sozinho à mesa, sentir que não estava sozinho. Definitivamente, solidão.

E lá fiquei por uma hora, petiscando e bebericando sozinho, em companhia apenas de um livro (ótimo, por sinal. Tanto que o outro ficou esquecido). Sendo absolutamente honesto com os queridos leitores, confesso que fiquei na ingênua expectativa de ser encontrado por alguém conhecido. Repare no tempo verbal: ser encontrado, não encontrar alguém.

Foi ficando mais tarde, e veio a hora da conta. Paguei, e agora? Lá veio a angústia da solidão de novo: então já acabou? Só resta voltar para o apartamento de sempre e ficar, de fato, sozinho, sem os subterfúgios sociais do barzinho? É isso mesmo, meu chapa.

Assim foi minha breve sensação solitária. Nem me arrisco a pensar como seria viver assim, e imediatamente senti-me como Drummond: meu coração não é maior que o mundo, é muito menor. E, no momento em que escrevo essas linhas, o essencial músculo é pequeno demais para conter todas as pessoas do planeta que são, na real, categorica e cotidianamente solitárias.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O alter ego que nós queríamos














São muitas as semelhanças: ambos fazem parte de minorias que sofrem preconceito em seus países; tais minorias também são caracterizadas por terem os menores salários, e só são maioria quando o assunto é pobreza. Diante disso, ambos foram cercados de grandes expectativas quando a chance de vencerem uma eleição presidencial parecia possível; e ambos possuem grande carisma perante as massas. Sim, o negro filho de imigrantes Obama e o ex-metalúrgico e nordestino Lula possuem muito em comum.

As condições em que foram eleitos também foram parecidas: a rejeição do povo a seus antecessores diretos era grande, e a insatisfação social era muita. Não à toa, uma palavra foi crucial nos seus motes de campanha e no início de governo: nos EUA, "Change: yes, we can" foi o slogan do ano; em Brasília, 2003, "Mudança." foi a primeira frase do discurso de posse.

Parece leviano querer comparar um presidente que está na metade do segundo mandato a um recém-empossado? Ainda mais com sistemas de governo (bipartidarismo prático versus pluripartidarismo quase anárquico etc) e países tão diferentes quanto à sua influência mundial? Não se tratarmos dos gestos dos primeiros dias de governo.

Na primeira canetada, Obama decretou um prazo para o fechamento da prisão de Guantánamo e o cumprimento da Convenção de Genebra. Também limitou os salários de sua equipe de governo, em meio a uma crise financeira na qual a população está perdendo emprego e renda. Além disso, proibiu que funcionários públicos recebessem qualquer tipo de presente, inibindo o lobby (que nos EUA é tão enraizado que é profissão regulamentada).

Muito Obama ainda pode fazer. Porém em dois dias de governo já sinalizou muita coisa. Para a linha dura antiterror, que o mundo não é tão simplista a ponto de se desfazer de conquistas do passado, como os direitos humanos e as liberdades individuais; como todo líder que busca credibilidade por meio da coerência, deu o exemplo sendo sensível ao contexto econômico; e bateu de frente com um segmento poderoso da sociedade estadunidense, que não raro ameaça a democracia.

Se Lula, em seus primeiros dias (ou até meses de governo) aproveitasse a maciça popularidade e tomasse decisões que confirmassem a expectativa nele colocada, poderíamos ter um país talvez não tão refém da governabilidade - que só existe honrando os clientelismos de sempre. Ou ao menos, a sensação inicial de que a vontade política era à altura da história de Lula e do PT e que as coisas de fato seriam diferentes.

Mas logo de cara Lula chamou o PMDB para o governo, enviou a Reforma da Previdência para o Congresso (e não a Reforma Política) e não mudou em um milímetro o financismo das políticas econômicas. E Obama não olhou apenas para a economia na hora de tomar decisões que, além de práticas, são simbólicas e midiáticas (mas com eco social).

Pode-se dizer que o Brasil não passava pela crise que os EUA passam (a inflação estava controlada), e que Obama só está podendo muito graças ao desserviço público de George W. Bush. A sensação de "pior, não pode ficar" que o povo norte-americano passa seria o "lastro" para Obama não ter receio de cumprir promessas de campanha.

Mas por quantas crises o Brasil já passou? Quantos escândalos na esfera política e de má condução governamental já testemunhamos? Será que, apesar da estabilidade econômica, Lula não teria encontrado um país que anseava por mais, muito mais do que tinha conseguido até então? E que só ele, mais ninguém, poderia ser o líder capaz de começar um radical (mas não irresponsável) processo de mudança na postura e na visão de quem governa nosso país?

Perguntas, perguntas, especulações, especulações... Ainda assim, atire a primeira pedra quem não está sentindo uma dorzinha-de-cotovelo ao saber das notícias da America.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Engenheiro, dentista, jornalista, ser humano...


Fazendo hora para o filme começar no Espaço de Cinema, em Botafogo, dirigi-me ao balcão que oferece vários prospectos gratuitos. Peguei um sobre oficinas de escrita, outro que era um vale-ingresso para um documentário e outro sobre o bloco de carnaval da Preta Gil. Não os escolhi aleatoriamente: para cada um, pensei em uma pessoa específica que gostaria muito de saber do conteúdo daqueles prospectos (ok, o da Preta Gil eu peguei só pra sacanear mesmo).

É inevitável: existe algum mecanismo dentro de mim que sempre identifica automaticamente quem gostaria (ou teria muito a ver) com aquele prospecto, aquele livro, aquele CD, aquele DVD, aquele qualquer coisa. Vejo sim, o que me interessa. Mas também fico interessado em levar aquilo a quem vai se interessar muito mais do que eu.

É um processo que, ao menos no primeiro momento (aquele momento em que as idéias, ainda na sala de parto, não levaram o tapa da razão e da nossa personalidade), não faz distinção dos possíveis beneficiários. Já me flagrei pensando: "Esse livro tem tudo a ver com Fulano de Tal, ele vai gostar" e logo em seguida lembrar que Fulano de Tal é um especialista em me atormentar o juízo.

Tal mecanismo parece ter alguma relação com a "economia da dádiva", conceito elaborado por Marcel Mauss que conheço superficialmente. Segundo a Wikipedia (ambiente mais do que apropriado para falar sobre o conceito), nesse sistema é assim:

"presentes ou serviços que se apresentariam à primeira vista na forma de ofertas voluntárias fazem parte de uma organização que torna a reciprocidade uma obrigação. É importante ressaltar que não há equivalência, mas sempre ofertas cada vez maiores, num pacto onde um dos indivíduos sempre está em dívida com outro."

Algo parecido saiu da boca de ninguém menos que Jesus Cristo, conforme narra o evangelho de Lucas, capítulo 6, verso 38:

"Dai, e dar-se-vos-á; boa medida, recalcada, sacudida, transbordante, generosamente vos darão; porque com a medida com que tiverdes medido vos medirão também."

Correndo o risco de parecer demagógico, não penso em reciprocidade quando o tal mecanismo é acionado. Realmente me sinto bem se fizer chegar às mãos de outra pessoa algo que vai ao encontro do momento e das expectativas dela. Isso vale para presentes e para informações, que quando chegam em boa hora é como gole de água fresca no calor.

Observando o mecanismo reparo que minha grande alegria é fazer pontes. É registrar a necessidade de alguém, sentir a memória acessando-a no exato momento em que a solução correspondente aparece e ir correndo ao tal alguém pra dar as boas novas. Dever cumprido, eu sossego.

Fazer pontes: isso é coisa de engenheiro. Ou dentista. Profissões que eu nunca exerceria. Não deixa de ser coisa de jornalista também (ufa!). Mas eu nunca aprendi ou apreendi o tal mecanismo em qualquer faculdade. Apenas constatei. Parafraseando Chico Buarque, só sei que vou prosseguir, tijolo por tijolo num desenho lógico (ou mágico) contruindo minhas Golden Gates.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

O carioca da gema está chocado

Barra da Tijuca; São Conrado, Recreio dos Bandeirantes, Leblon, Ipanema, Copacabana (Botafogo); Flamengo (Largo do Machado), Glória e Laranjeiras; Tijuca e Centro. É com esse time que praticamente todo prefeito eleito joga seu mandato (porque o candidato a prefeito ainda flerta com a Zona Norte e a Zona "Curral de Votos" Oeste). Não foi diferente com Duda Paes.

O que você pensaria ao anunciarem que seu bairro será alvo da "Operação Choque de Ordem"? Pois é isso que está dando alegria ao escrete carioca que começou este artigo. Rodrigo Betlhem, Secretário da Ordem Pública e filho da Maria Zilda, começou fazendo arte do jeito que sua torcida gosta. O "choque" nada mais é do que derrubar imóveis irregulares, apreender mercadorias de camelô (e/ou o próprio) e limpar as ruas (considerando que a população de rua, para os atuais governantes da capital, nada mais é do que lixo humano).

Bethlem afirma que a Prefeitura não vai sair dos locais "chocados" até o problema estar resolvido. A princípio, duvidei que o governo municipal tenha mão-de-obra pra estar presente por um bom tempo em todos os lugares afetados. Mas como os demais bairros do Rio não devem ter a mesma atenção (lembrai-vos do escrete), até acredito que tal promessa será cumprida.

Um prédio no Recreio, que era irregular e seria domínio de uma milícia, foi demolido. Bom. Falta agora demolir os quartéis milicianos em Campo Grande, Santa Cruz, Jacarepaguá... Será que Duda Paes terá peito pra isso?

O que acontecerá com os moradores do prédio posto abaixo? Os ambulantes removidos terão chance de ser regularizados? Haverá abrigos suficientes para toda a população de rua? São perguntas que a Prefeitura do Rio não responde, até porque a imprensa carioca (que influenciou tanto o novo governo a ponto da "ordem" ter sido palavra de ordem no Globo) não se interessa em fazê-las.

Uma vez mais temos um governo que, após eleito, só olha para a orla e assim agrada a quem iria incomodá-lo de maneira significativa. Os outros bairros só contam com os remendos de emendas legislativas, e assim a Prefeitura facilita a dependência de boa parte da população com os vereadores ligados a milícias, máfias e todo o tipo de clientelismo.