Tempo, essa ilusão
Lendo "Dez dias que abalaram o mundo", o relato de John Reed sobre a Revolução Russa de 1917, conhecida como "Revolução de Outubro". Mas por que esse nome se na Rússia tudo aconteceu em novembro? Porque eles seguiam o calendário juliano, criado pelo imperador de mesmo nome. Enquanto no resto do mundo era finzinho de outubro, lá já era novembro.
Até por isso o natal ortodoxo, da vertente do cristianismo que nasceu na Rússia, é comemorado no começo de janeiro. Mas depois da tomada do poder pelos bolcheviques, como o país ia se relacionar com os demais naquele descompasso temporal? Numa canetada, Lênin resolveu: voltemos duas semanas e cá estamos nós, camaradas, no mesmo ritmo do mundo. De um dia pro outro, fevereiro de 1918 passou a ser janeiro e estamos revolucionados.
O terceiro sábado de fevereiro é dia de acabar o horário de verão em boa parte do Brasil - que sempre começa no terceiro sábado de outubro do ano anterior. Orientações para o fim: atrasar o relógio em uma hora. Num apertar de botões, ganhamos de volta a hora de sono que perdemos três meses atrás.
O que é o tempo, hein, gente? Nada. Absolutamente nada. Ou melhor: uma unidade de medida criada para nos escravizar. No máximo.
Já faz dois anos que não consigo encarar o reveillon como a maioria das pessoas. Pra mim, é apenas um dia após o outro. Com a diferença que, a partir dali, tenho que prestar atenção na hora de passar um cheque. Se numa canetada ou num apertar de botões tudo muda, que grande magia ou mistério está no tempo, afinal? Resoluções de ano novo perderam o sentido.
Se eu tivesse que fazer uma classificação, no máximo elencaria "períodos letivos". Do momento que procurava apartamento até encontrar, foi um período; do começo da faculdade até o término, outro. O fato de alguns (ou nem um) anos, meses, dias terem se passado seria mero detalhe. Que diferença essa divisão fez nas minhas sensações?
Ah, faz pro mal. Estou velho demais, já passei da idade, o tempo está passando e eu tô fazendo o quê? O caixa eletrônico é rápido como nunca houve, mas dez segundos na fila são tortura chinesa até conseguir sacar meus dez reais.
Não tenho o hábito de usar relógio de pulso, e hoje esqueci meu celular em casa. Na hora do almoço, resolvi vários problemas, e tive que pedir almoço pra viagem. Uma fila imensa na lanchonete. Porém, nenhum relógio à mão. Poderia perguntar a algum desconhecido "que horas são?", mas pra quê? Pra ficar ansioso, revoltado, inquieto?
O tempo é o senhor da angústia.
2 comentários:
Oi Lessa, adorei! Concordo, “ver o tempo passar” é angustiante. Mas você tocou em algo interessante, temos a necessidade de “classificar” (gosto muito desta palavra, por que será? rs). Sonhamos e desejamos realizar (concluir) algo. Só discordo de uma coisa: acho que pra mim (pelo menos neste momento!), de alguma forma, essa divisão faz muita diferença pro bem (rs). É verdade, o problema é quando viramos escravos, seja lá do que for. Bjs, Marcia Bettencourt.
É, Marcinha, a divisão do tempo em si não é um problema. É uma ferramenta útil - mas nada além disso. O problema é a supervalorização da ferramenta...
Postar um comentário