sábado, 11 de agosto de 2012

Sintonia e respeito

É chover no molhado dizer que Avenida Brasil é um sucesso absoluto. Audiência, crítica, repercussão - o país parece girar em torno da novela, como outros folhetins globais já mostraram ser possível. Quem considerava o gênero esgotado (como eu) foi arrastado para o compromisso diário diante da TV, de segunda a sábado. Não tenho a pretensão de explicar o porquê desse sucesso, mas registro neste humilde blog que duas coisas estão presentes no espírito dos realizadores: respeito ao telespectador e sintonia com seu tempo. E isso pode ser uma lição tanto para a TV aberta como para os demais meios de comunicação.


O autor, João Emanuel Carneiro, foi roteirista de cinema. Não gosto de hierarquizar os meios (dizendo que cinema é melhor que TV etc), mas são modos de produção diferentes. A história a ser contada é tão importante como a maneira em que ela é contada. Vale o mesmo pra TV, só que no cinema você precisa fazer isso no tiro curto e de uma só vez. Se o filme não agradar, morre na hora.

Novelas duram meses, têm margem para altos e baixos. Podem perder audiência e recuperar, acompanhar diaria ou semanalmente opiniões de quem assiste. Em relação ao cinema, o autor e os realizadores têm menos autonomia de criação - por vezes, precisam mudar alguma coisa da trama (e até os rumos) pra não perder Ibope e trazer prejuízo à emissora.

Os diretores de Avenida, Amora Mautner e José Luiz Villamarim, já admitiram que o cinema argentino é uma referência. Os filmes dos hermanos em geral abordam a cena urbana - muitas cenas externas, tratando de histórias próximas do cotidiano do espectador sem perder o caráter criativo e original. E valorizando a interpretação: a direção de cena e de atores também é exemplar. Vendo a novela e seus ganchos irresistíveis, parece que o objetivo é fazer um filme a cada capítulo.

João Emanuel é o mais novo autor de novelas da Globo, em idade, tempo de casa e função. Os demais decanos parecem medalhões ultrapassados (ou até acomodados) com a fórmula do sucesso que levaram anos para construir. Aguinaldo Silva estereotipou as vilãs, Gloria Perez conta a mesma história mudando só o país exótico, Gilberto Braga (cuja temática urbana parece ser referência para João Emanuel) não consegue dar um ritmo contemporâneo a suas narrativas.

É o bom e velho choque de gerações. Sem considerar gostos pessoais, ao comparar Avenida Brasil com as novelas de horário nobre anteriores percebe-se o upgrade de qualidade. Seja na produção ou no tratamento da novela como produto de entretenimento.

Mas acima de tudo, há respeito à inteligência do telespectador. A TV aberta já foi rotulada como o lugar do lugar-comum, sob o risco de perder uma audiência garantida que estranharia algo mais qualificado. Avenida destrói essa mentalidade. As cenas do flashback de Jorginho sobre sua chegada no lixão e do desespero de Carminha normalmente seriam classificadas como "difíceis" pra audiência média. Filmagem ousada, narrativa sem obviedades, decisão de fazer diferente. Tudo isso só dá certo porque confiam no potencial do telespectador para processar aquela linguagem.

Linguagem à qual ele está cada vez mais acostumado, e que o horário nobre da Globo ainda hesita em investir. Avenida Brasil mantém patamares de Ibope das novelas anteriores. Porém suas apostas diariamente recompensadas por audiência e repercussão (o ritmo, as reviravoltas, as imprevisibilidades de cada personagem, a narrativa multifacetada, dentre outros) podem indicar um novo caminho para o consagrado - mas não infalível - gênero televisivo das novelas. E dar um recado para os que teimam em subestimar o telespectador.

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