segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Malandro é malandro, mané é mané

Depois de exames médicos com questionáveis níveis de exigência, quarenta e cinco (!) aulas teóricas e uma prova de múltipla escolha, aguardei ansioso pela minha primeira aula prática na auto-escola. Tive que esperar o instrutor (uma mistura de Bezerra da Silva com Pixinguinha) terminar seu café da manhã pra enfim pôr as mãos no volante e virar a chave.

Só não imaginava que o carro não sairia do lugar.


Acordar na adrenalina às 5h45 da manhã não é pra mim, mas foi o que a expectativa por finalmente dirigir fez comigo. "Você tá nervoso? Não precisa ficar", disse a patroa. O macho alfa respondeu que não, estava é na curiosidade mesmo - pra logo em seguida olhar o carregado trânsito da manhã com uma pontinha de aflição.

A auto-escola fica ao final da minha rua, suas portas fechadas exibem um desenho de Relâmpago McQueen, protagonista do desenho "Carros", da Pixar. É um negócio de família: logo chegava o dono e seus filhos, sonolentos, pra abrir a lojinha. Uma fileira de alunos aguardava o início de uma aula teórica e de algumas práticas. Já passava das 7h, o horário de início, quando o dono foi até a parte de trás da loja, onde há uma espécie de copa, para espinafrar os instrutores. Não sei o que ele disse, mas voltou praguejando um "quer tomar café chega mais cedo, pô".

Um instrutor, dois instrutores, carros tripulados... E eu ainda sentado sem volante à frente. Até que apareceu seu Roberto, um senhor que pela aparência poderia ser um aposentado em fila de banco. Baixinho, mulato, com a parte de baixo dos lábios protuberante, evidenciado o uso de uma chapa de dentes. Olhar cansado de quem já cansou de fazer mais do mesmo todos os dias.

Ele me perguntou se eu sabia dirigir (não sei nada) e me entregou a chave. "Abrir o carro você sabe, né?". Entramos, ajeitei meu banco, botei meus excitados pés nos pedais, mãos no volante. E comecei a ouvir uma vagarosa dissertação de seu Roberto sobre os direitos do aluno de auto-escola, a prova prática e seus recursos e vários outros temas importantes, mas que não entendi por que estavam sendo ditos na primeira aula prática.

"Ah, e hoje não vamos sair do lugar. Vou te mostrar todos os recursos do carro para você ficar bem familiarizado antes de dirigir". O banho de água fria me fez ficar desatento a algumas instruções do seu Roberto. Os outros carros da auto-escola davam a partida bem na nossa frente, em puro exercício automobilístico de sadismo.

Seu Roberto confirmou a minha primeira impressão. Disse que é instrutor há mais de 20 anos e repassava as informações num tom desanimado, falando tudo de cabeça, sem olhar para mim uma única vez. Não senti má vontade, só uma fadiga mesmo. Será que sua aposentadoria era desejada porém financeiramente impossível de se obter no momento? Ou é daqueles que não sabe fazer outra coisa pra passar o tempo e tocar a vida além de trabalhar?

Foi então que percebi uma certa semelhança com Pixinguinha: o nariz largo, as olheiras de olhos pequenos, o queixo... Mas seu Roberto também tinha um jeito malandro de falar, mesmo naquele tom. "Os carros mudaram muito, a tecnologia é cada vez maior. Japonês fez tudo caber no celular, vai vendo", e esse "vai vendo" entrecortava outras opiniões. Quando apertei forte o botão de abrir o vidro, ele me repreendeu dizendo pra eu pegar leve, porque "isso aí é como mulher virgem: tem que ser no jeito, não precisa de força".

Como não ouvir a voz de Bezerra da Silva cantarolando frases como essas? Seu Roberto ainda disse que, por ter servido ao exército, seguia com disciplina as instruções que lhe davam. "É a voz de comando", ele explicava. E alertava que os avaliadores da prova prática me dariam várias "vozes de comando" e que eu teria que estar esperto para cumpri-las. Mas que eu não me preocupasse. "Você vai ter um tempo do tamanho desse prédio pra fazer as manobras, não se apresse". Se eu estava sendo instruído em algo, era em não me apressar.

Aprendi a regular os espelhos, a identificar as luzes no painel, a acionar o limpador de parabrisa. "Pra dar seta não precisa tirar a mão do volante, use o dedo malcriado", indicando meu dedo médio. Bezerra!

Seu Roberto me explicou a teoria da caixa de marcha, os perigos de não deixar em ponto morto e até me deixou pisar fundo na embreagem e sentir o freio e o acelerador. Foi o máximo de vida real que ele me permitiu. Logo deu 8h e ele finalizava minha primeira aula, de onde saí habilitado em frustração. "O pisca-alerta eu te ensino na próxima aula". Se isso for um sinal para nova inércia ao volante, não respondo por mim. Malandro é malandro, mané é mané.





10 comentários:

Romulo Dias disse...

Putz, esse foi seu melhor post, meu caro! Excelente!

Louise disse...

Muito bom! Em breve eu quero fazer uma reciclagem, jamais peguei num volante depois de tirar carteira (lá se vai mais de uma década). Melhor sorte nas próximas aulas ;)

GRAÇA TORRES disse...

Muito bom o texto,mas minha ansiedade em ver escrito q vc dirigiu foi demanchada pelo seu Roberto

Lessa disse...

Ao menos o seu Roberto me incentivou a escrever esta crônica. Vamos ver se ele se redime nas próximas aulas!

Anônimo disse...

Muito bom! Fez-me recordar... Rs. Imagina que, em minha primeira aula, o instrutor desceu do carro na entrada da Pinheiro Machado, na hora do rush, e mandou eu dirigir. Igual a você nunca tinha tocado sequer no volante dos carros do meu pai ou do meu irmão. Ahahahha. E o cara sabia. Bem, o carro morreu na hora em que fui fechada por um ônibus. Não lembro o nome dele, mas ele tinha sido piloto de carro de corrida e motorista do Gugu... não sei o que fazia ali, mas aprendi a dirigir com pé no acelerador e o som nas alturas! Quem me dera um seu Roberto, rs. Vai fundo! Beijo, Quênia

Anônimo disse...

Muito boa a crônica, Marcos. Me fez lembrar da minha primeira "aula de direção", lá nos meados do anos 80 do século passado. O seu Manduca, o instrutor, que era real proprietário de um fusca caindo aos pedaços, ordenou que desse a partida e para minha surpresa - estávamos na Haddock Lobo com Caruso - pegássemos a Dr. Santamini e depois a Conde de Bonfim. E fomos até o Alto da Boavista.Nunca mais tive de qualquer coisa nesta vida. Seu Manduca sabia das coisas.
Depois, tive conhecimento que o Rubinho também começou assim.
Carlos Peixe

Marcela Alonso disse...

Lessa,
Morri de rir lendo seu post. Taí uma coisa que precisa melhorar: a formação de motoristas. Hoje, li uma matéria que dizia que, a partir de janeiro, os alunos também serão obrigados a x horas de simulador. Achei interessante... mas o que me fez rir foi lembrar que o meu instrutor não falava o que eu devia fazer. E, como você, eu nunca tinha dirigido. Ele mandava eu seguir e não falava muita coisa. Ele não devia ter omitido, no entanto, que antes de curva a gente tem que frear e que durante a curva a gente não pode frear. Eu entrei com tudo numa curva, rs, e, ao reparar a velocidade excessiva, apertei o freio. Foi assim que dei meu primeiro - e único! - cavalinho de pau. Rs. Ele quase me matou... mas... era só avisar, poxa! Beijos e boa sorte, Mogueiga.

Lessa disse...

Valeu, Marcela. E vc já pode dizer que deu um cavalinho-de-pau na vida...

Flávia Jorlane disse...

Olá, Lessa! Me atualizo sobre a cidade maravilhosa lendo seu blog e sei bem o que são esses malandros, que cá na Bahia tb nascem aos montes,ora pois! Tenha certeza de que o Seu Roberto só vai lhe ensinar a andar em linha reta. De vez em quando uma curvinha para animar, mas não espere muita coisa. É mais fácil pedir ajuda a um amigo ou pagar por fora! Boa sorte!

Lessa disse...

Obrigado pela visita, Flavia. Como disse, não vejo maldade no seu Roberto. Aguardemos...