quinta-feira, 27 de novembro de 2003

O tumulto é do cinismo

A grita foi geral, e dessa vez não apenas na mídia. Tudo começou (de novo) numa batalha campal entre Guarda Municipal (GM) e camelôs no abarrotado Centro do Rio de Janeiro. A construção do discurso emburrecedor tem como agentes a cobertura jornalística e seu público-alvo (ativamente, incentivando e produzindo as reportagens) e as autoridades responsáveis - de forma omissa, coniventes e fomentando a discussão de acordo com suas conveniências.

Ok, dessa vez os camelôs é que se prepararam pra briga, e a começaram ao atacar um carro da fiscalização da Prefeitura (aquele flamejante embaixo do termômetro a 130 graus). O resto foi a reação da GM com todo o seu aparato de guerra - e finalmente ela chegou, não era pra isso que servia? Os camelôs com seus morteiros, côcos e cadeiras; a Guarda com capacetes, escudos de choque, cacetetes e bombas de gás lacrimogêneo. Dá pra imaginar que fim levou, né?

Só que o RJTV da noite inaugurou o discurso que iria predominar na mídia. Anunciando a guerra ocorrida no Centro, mostra as imagens dos guardas sendo atingidos pelos côcos; as cadeiras espalhadas em meio à Av. Pres. Vargas ao meio-dia, "trazendo transtornos". A imagem de um guarda com a mão à boca e o âncora narrando que "um guarda ficou ferido". Ao fim da matéria, um pronunciamento oficial de César Maia dizendo que o Estado é que não enviou reforços da PM ao local; outro de Garotinho, rebatendo as críticas do prefeito, dizendo que a truculência não deveria ser usada, mas sim responsabilidade no tratar com os camelôs.

As perguntas vão surgindo: quem envia a Guarda Municipal para "combater" os camelôs em pleno Centro da cidade durante o dia, com milhares de transeuntes pra lá e pra cá? A Prefeitura. Quem não envia a Guarda Municipal às 6 da manhã para impedir que os camelôs montem suas barracas (já que é essa a questão legal)? A Prefeitura. Quem é um dos principais responsáveis pela porradaria no Centro do Rio, independentemente da situação ilegal dos camelôs? A Prefeitura. Fato. E ainda queria o reforço da PM!

Questiona-se esse lado da questão nos jornais? Não.

Os camelôs sempre foram "soldados de guerra" com estratégias, como ontem? Não. Como todo mundo sabe, violência chama violência. E sua escalada no confronto GM x ambulantes foi gradativa - sendo que bate mais forte (e primeiro) quem está mais preparado pra isso. Quem trabalha no Centro acompanhou essa gradação de perto, desde o início.

Questiona-se esse histórico da questão nos jornais? Não.

O governador do Estado adverte que deve ser usada de responsabilidade para tratar da questão dos camelôs, mas sem truculência. Irônico, vindo de quem vem. Até parece que a carreira político-administrativa de Garotinho foi construída assim, com serenidade e pensando nas conseqüências de seus atos e palavras no calor da hora. Se fosse prefeito, nada leva a crer que Garotinho agiria diferente.

E as primeiras páginas de hoje mostram os prejuízos do comércio e da Prefeitura, exibe fotos dos Guardas Municipais com as "armas" dos camelôs (talvez um côco seja mais destruidor que uma bomba de gás lacrimogêneo, quem sabe?). O dia finda com a sensação que os camelôs merecem mesmo é a pena de morte por não nos deixar em paz, atrapalhar-nos na calçada e irritar as autoridades responsáveis.

Questiona-se o que está sendo feito para resolver a situação dos camelôs? Não. O porque de tantos permanecerem ilegais? Não. Além de fiscalizar e descer o cacete, o que mais a Prefeitura tem feito para RESOLVER essa situação e aí sim servir à população? Não sei, não se fala disso. Quem vai incomodar o nosso herói do Pan 2007 e das quase Olimpíadas-2012?

É muito cinismo de uma vez só. Da mídia, dos governantes, da classe média conivente com a violência na medida que lhe convém (no caso, expulsar camelôs mas sem maiores drasticidades). E é daí que surge o tumultuado desmando da segurança no Rio. Tratando a população como idiota.

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