segunda-feira, 12 de abril de 2004

Pedro Bial, meu ídolo

Eu nem imaginava fazer Jornalismo no dia em que o muro de Berlim caiu. Sendo sincero, eu nem entendia o que significava tanta gente tão feliz em martelar um muro que dividia dois países que sempre foram um e agora voltavam a ser - a Alemanha. O que eu me lembro é que eu tinha 9 anos e um correspondente internacional da Globo estava ao vivo no local dando a notícia.

Com o tempo eu percebi que ele era um correspondente respeitado, havia estado em vários momentos importantes da história do mundo para trazer tudo à minha telinha. Passou um pouquinho mais de tempo e eu fui conhecendo melhor a trajetória dele por meio de um livro muito legal: "Crônicas de repórter". Além dos relatos, o cara escrevia bem! Eram crônicas, de fato.

Aí eu descobri que esse mesmo repórter era um literário convicto. Imaginem: em seus 20 e poucos anos ia para o Largo da Carioca, no Rio, recitar poemas para os transeuntes! Não satisfeito, já repórter consagrado, continuou com a mania, dessa vez em saraus culturais por toda a cidade, com outros jovens poetas. Pra completar, revelou-se um fã de ninguém menos que Guimarães Rosa, um dos decanos de nossa literatura. De um livro do mestre fez um filme - "Outras estórias" - e a ousadia está em querer transportar para as telas a inigualável literatura do escritor sertanejo, que quase criou um idioma puramente brasileiro.

Esse repórter com alta bagagem cultural e senso crítico continuou em outras frentes, como o programa "Espaço Aberto", da Globonews. Um talk show com temas variados, com um apresentador característico para cada tema. O dele, claro, era literatura. No centenário de Drummond, por exemplo, fez uma ótima entrevista com Silviano Santiago, especialista da obra do poeta de sete faces. Todas as entrevistas eram do mesmo nível.

Meu ídolo!

"Adorar só a Deus", já dizia mamãe desde minha infância. E o Todo-Poderoso, dessa vez, não teve piedade. Castigou-me com uma situação que hoje desafia as leis da lógica, da física, deixando-me incrédulo com seu desfecho.

Pois o tal repórter virou a principal atração de um show de realidade onde a cultura sempre passou longe. Ele se tornou o mestre de cerimônias de pessoas não apenas emburrecidas como mega-exploradas - como carniça, são expostas ao Brasilzão em nome de preciosos pontos na audiência. O repórter colocou em xeque toda a credibilidade construída jornalisticamente, culturalmente. E acho que foi xeque-mate.

Por que se sujeitar a tal ofício? É tanto dinheiro assim? A fama ele já tinha, a realização na carreira também parecia conquistada. Entediou-se de fazer algo tão normal e sem Ibope como boas reportagens? Seja o que for, até hoje não entendo como ele seguiu por esse caminho. Se fosse alguém que nunca teve possibilidade de construir a bagagem cultural que ele tem... É mais fácil adaptar-se à prosperidade após uma vida de miséria do que o contrário. Como se explica então?

Sei que, de uma raiva por promover um programa que não traz benefício algum à humanidade, passei a sentir pena dele. Não aquela pena arrogante, mas pena por testemunhar um desperdício deliberado de talento e, como já disse, de credibilidade. Além disso, ele, que servia como um referencial para mim, conseguiu uma façanha. Fez uma guinada de 180º e continuou sendo referencial: em vez de exemplo profissional, um desconstruidor de cidadania.

Descanse em paz, Pedro Bial. Prefiro lembrar de seu falecido porém honrado passado do que ligar a TV e contemplar seu putrefeito fim anunciado, morto-vivo. Como as mentes "famosísticas" dos condenados a participar de um BBB.

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