sexta-feira, 2 de abril de 2004

As paixões da Paixão

Caramba, meio mundo já escreveu ou falou da "Paixão de Cristo". Agora é a minha vez!

O incrível é que, antes de ver o filme, quase fiquei sem vontade de assistí-lo. Porque, segundo a mídia em geral, era uma ofensa aos judeus (grandes heróis do século XX) e sangue até dar nojo. Anti-semitismo e violência davam o tom de um filme sobre Jesus Cristo? Tô fora.

Aí comecei a ler nas entrelinhas. E nas "foralinhas" também: a grita era geral contra as cenas fortes do filme, que nos EUA era classificado como R ("restricted" - restrito) e aqui só pra maiores de 14 anos. Mel Gibson mostra com detalhes os romanos castigando as costas de Jesus, ossos à mostra, a via crúcis e a crucificação em si. Um espetáculo mórbido demais para um blockbuster.

Pulga atrás da orelha 1: Gladiador, Coração Valente, O Patriota (estes 2 últimos, ambos de Gibson) possuem cenas de fechar os olhos. Por que não houve na época a mesma campanha midiatico-moralista contra uma exagero na dose? E o Xuazinégue, que a cada verão faz a alegria dos qua adoram ver uma degola, um braço explicitamente quebrado, sangue jorrando em meio à muita ação? Onde estão as pedras pra tacar nesses filmes abertamente violentos?

(Pior foi ver o Globo trazendo na chamada de capa que o filme era uma festa pros sadomasoquistas, pelas chicotadas no corpo seminu de Jesus. Convenhamos... bom senso manda lembranças e souvenires!)

Pulga atrás da orelha 2: de onde surgiu a discussão sobre "quem matou Jesus"? Fica mais do que claro que foi a elite política daquele período histórico, que não admitia perder popularidade e poder para um zé ninguém bem-intencionado, manipulando o povão de acordo com seus interesses pessoais. Para isso, flertam com o poder constituído - ainda que este seja uma afronta a tudo o que dizem crer - para os fins justificarem os meios. Alguma semelhança com os dias atuais??????

Aquela elite judaica não representa todos os judeus, assim como o sanguinário Ariel Sharon também não os representa nos dias de hoje. Assim como Bin Laden não representa todos os muçulmanos, assim como Edir Macedo não representa todos os evangélicos, assim como ACM não representa todos os políticos, assim como os neo-nazistas não representam todos os alemães... É impossível sair do filme tendo motivos para odiar os judeus. Aquele foi um período histórico representado.

(Em tempo: Steven Spielberg, só de raiva, fará um filme sobre a Inquisição. Ótimo, Sr. Spielberg. Mostre ao mundo o que não é ser cristão. Mostre o que é usar a fé dos fiéis para interesses terrenos, mesquinhos e pessoais. Assim como Mel Gibson fez ao mostrar os judeus do Sinédrio que condenou Jesus. Aliás, ninguém comenta a cena em que, quando Jesus está sendo acusado por testemunhas contraditórias, dois membros daquela elite tentam defendê-lo. Judeus defendendo Jesus. Que, por sinal, era judeu de nascença: Belém da Judéia).

E quanto à violência: segundo os Evangelhos, Jesus sofreu tudo aquilo, daquele jeito. Só que até hoje nenhum filme tinha enfatizado ou mostrado esse aspecto. Não quero aqui dizer que o filme é perfeito, que Gibson é profeta ou coisa do tipo. Mas somos bem grandinhos pra não cairmos em mais uma maniqueísmo imbecilizante. Ou não somos?

Ademais, transcrevo aqui uma entrevista de Jim Caviezel (que faz Jesus) à Newsweek que não mereceu sequer uma linha nessa polêmica toda. Mas era uma fonte indispensável para a mídia trabalhar com mais responsabilidade no servir ao público. E sobre o que realmente importa na história que dividiu a História:

Você é católico. Fazer o papel de Cristo aprofundou sua fé?
Eu O amo mais do que eu pensava que era possível. Eu O amo mais do que minha esposa, minha família. Houve momentos em que eu estava lá em cima (na cruz) e eu mal conseguia falar. Uma contínua hipotermia estava me torturando. Eu me conectei a um lugar onde eu nunca tinha ido. Eu não quero que as pessoas me vejam. Tudo o que quero é que elas vejam Jesus Cristo.

Mel Gibson te disse por que ele quis fazer esse filme?
Ele me disse que passou por um período muito difícil de sua vida, e que ele redescobriu os Evangelhos há 12 anos. Ele começou a meditar na paixão e morte de Jesus. Então disse que as feridas de Cristo curaram as feridas dele. E eu acho que o filme expressa isso.

Toda a polêmica em volta do filme – e o fato de Gibson ser acusado de anti-semitismo – surpreendeu você?
Foi a coisa mais frustrante de se ver. Posso te dizer com certeza, Mel não é anti-Semita. Maia Morgenstern (que faz a Virgem Maria) é uma linda atriz romana judia cujos pais estiveram no Holocausto. Todo dia Mel perguntava a ela: “Maia, fale sobre suas tradições. Isso está OK para ser encenado?”. Ele quis fazer esse filme bem semítico. Em vez de exibir um Jesus ariano, de olhos azuis, Mel quis mostrar um Jesus judeu. Nossa fé é baseada na tradição judaica. Viemos da Casa de Abraão, então não podemos odiar a nós mesmos. A multidão diante de Pilatos que pedia a cabeça de Jesus de nenhuma maneira pode condenar toda uma raça pela morte dele. Assim como as ações de Mussolini não condenam todos os italianos, ou as maldades de Stalin não condenam todos os russos. Todos nós somos culpados pela morte de Cristo. Meus pecados O colocaram lá (na cruz). Os seus também. Esse é o enredo do filme.

Foi difícil ficar quieto quando os líderes judeus esbravejaram contra o filme?
Eles têm o direito de defender sua fé. Mas eu creio que quando meus irmãos judeus assistirem esse filme, vão perceber que o roteiro não é sobre “de quem é a culpa”. É sobre amor. É sobre sacrifício. Sobre perdão e esperança.

Nenhum comentário: