A ambigüidade a ser resolvida
Nesses tempos de grande desenvolvimento das mídias, é preciso saber usá-las. Assim, nesse verbo, é que pensam muitos políticos de hoje, e alguns têm se tornado especialistas no assunto. Retiram-se dos holofotes quando necessário, reaparecem quando convém, e o tal do jornalismo redundantemente investigativo sendo jogado de um lado pra outro, quase cadavérico.
Exemplo: no último domingo o "Canal Livre", programa que encerra a programação
da TV Bandeirantes, é um "Roda Viva" menor, com três jornalistas experientes entrevistando uma personagem política brasileira. Passando os canais vi que o ex-tudo Paulo Maluf era a bola da vez. Não assisti à entrevista, mas ao acessar o Yahoo.com.br no dia seguinte, lá estava a chamada: "Maluf promete acabar com taxas da luz e do lixo".
Bom, e daí? Daí que uma rica palavrinha não pode ser ignorada nunca: contexto.
Maluf passa pela milionésima acusação de desvio de dinheiro público, a despeito de suas incríveis reeleições. Dessa vez, 300 milhões de dólares surgiram na conta que leva sua assinatura nas Ilhas Cayman e, claro, o ex-tudo diz que não é dele. Mais: diz que alguém colocou essa quantia lá para prejudicá-lo. Não deixa de ser engraçado, mas pergunto: quem, só de sacanagem, colocaria tanta grana na conta de alguém só pra "sujar o nome" da pessoa? Nem o partido de Maluf acredita na sua versão, a ponto de o lançamento de sua candidatura a prefeito de São Paulo ser marcada pelo constrangimento geral dos próprios correligionários.
Pois bem, Maluf é candidato em meio ao pior processo acusatório de sua carreira política (pior no sentido de ser mais difícil de sair dessa e sem culpa). Nesse momento, é a principal atração do "Canal Livre", por duas horas, cercado por jornalistas como Carlos Nascimento e Fernando Mitre.
No dia seguinte, o Yahoo destaca duas promessas de campanha que com certeza farão que o ex-tudo ganhe pontos com os adversários de "Martaxa" Suplicy, como foi apelidada.
Logo, o programa jornalístico da Band transformou-se em palanque privilegiado para um réu quase condenado. E um dos sites mais populares da rede destaca suas propostas para a eleição. No caso do Yahoo, acabou seguindo a lógica da internet de criar uma chamada que atraia o leitor para o resto do texto. Mas pinçou da entrevista de Maluf o que ele com certeza gostou de ser pinçado: suas boas notícias.
Será que a Band pensou apenas nos eleitores de Maluf pra garantir a audiência do programa? Porque acabou sujeitando os experientes jornalistas a emprestar sua credibilidade ao candidato mais farto de acusações de corrupção. Maluf "auto-convidou-se"? Não se sabe. Mas saiu ganhando.
A função de fiscalizar o poder está sendo negligenciada por boa parte da imprensa, que tem se entregado cada vez mais a arroubos passionais pra guiar sua cobertura. Algumas doses de álcool ou as besteiradas das colunas de notinhas importam mais que a maior cidade do país ser governada por um campeão da sujeira política? Imparcialidade não existe, mas responsabilidade sim. De qual dos dois está tentando fugir a mídia brasileira? E quem a está botando pra correr?
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