terça-feira, 17 de agosto de 2004

Do verbete "forçação"

Escrevo esse artigo ao terceiro dia de Olimpíadas, ainda sem saber quando irei publicá-lo. Portanto, até o presente o momento, o Brasil não ganhou nenhuma medalha. Mas o que dizer das manchetes abaixo, todas de primeira página?

"Brasil bate recorde em Atenas - basquete feminino e natação alcançam marcas históricas nos Jogos"

"Brasil é tri na ginástica"

Para três dias de disputa, são feitos e tanto! Ávido pela chamada em letras grandes logo de cara, corro pra ver quantas medalhas nossos atletas já abocanharam. Começo a estranhar. Cada o texto que fala disso? Será que estou no caderno certo? Estou. Zero medalha. Mas do que falavam as manchetes, então?

O recorde do basquete: o maior número de pontos marcado no torneio feminino olímpico (128) e igualando a maior diferença entre duas equipes (o Japão fez apenas 62 pontos). O recorde da natação: Joanna Maranhão conseguiu o quinto lugar nos 400m medley e tornou-se a primeira brasileira a estar entre as oito melhores do mundo desde 1936. O "tri da ginástica" é o mais curioso: na verdade, são três atletas classificadas para a final do solo.

Empolgante...

Que os referidos atletas não me leiam para que não pensem que desqualifico todo o seu esforço. Mas pra que tanto alarde se o mais importante a se conquistar numa olimpíada - as medalhas - não foi alcançado ainda? Por que tanta euforia com tão pouco?

Bom, é preciso que compremos a idéia das Olimpíadas, em todos os sentidos. E como bem apontou Mino Carta na edição nº 303 de Carta Capital, fica bem escondida a humilhante situação brasileira na política esportiva. Um país com riquezas como as nossas e talentos em tudo quanto é modalidade, com mais de 180 milhões de habitantes... conseguir só 12 medalhas nos Jogos de Sidney-2000, por exemplo? Onde está o erro?

Provavelmente nos investimentos aquém do esperado no esporte brasileiro, que além de nos elevar à potência mundial nesse aspecto, ainda ajudariam a reduzir a desigualdade social com a inclusão profissional de milhares de jovens. Nossos atletas são os melhores do mundo, pois mesmo com os obtusos dirigentes e os obstáculos amadores e sócio-econômicos, conseguem levar o combalido Brasil aos lugares mais altos da competição. Não é por sobra de incentivo que isso acontece.

E os leitores são desinformados ao tentarem acompanhar o desempenho de nossa delegação. Afinal, as manchetes de primeira página criam uma grande expectativa, que é frustrada nas primeiras linhas da matéria. As suadas vitórias de nossos atletas começam então a ser banalizadas por menores resultados, eficazes apenas para que a cobertura diária das Olimpíadas pareça mais interessante do que não é.

O pior acontece: a imprensa esportiva do "oba-oba" (como tão bem classificou Fernando Calazans) diz sempre que o Brasil é um grande favorito para os Jogos; e os parcos resultados ao fim dos quinze dias de competição faz com que tenhamos raiva ou, no mínimo, desprezo por nossos atletas.

Vale então a cruel lógica que vigora por aqui: se não é campeão, de nada valeu, não interessa. Ora, quem é uma das maiores responsáveis para que essa lógica se perpetue de quatro em quatro anos? Aquela que a divulga de maneira incorreta, a tal imprensa do "oba-oba". Que obtém maiores sucessos na editoria onde a paixão fala mais alto que a razão, encarnada na universal figura do torcedor.

Esse tipo de cobertura é o que eu chamo de "forçação de barra". Verbete inexistente, contudo mais preciso e fiel que grande parte da cobertura esportiva brasileira.

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