Palavra!
"Há coisas que a palavra não alcança". A frase, dita por um professor da faculdade, não trazia uma idéia inédita para mim. Ainda assim, me impactou. Novamente. Ele falava de uma experiência física que viveu (foi lenhador por um dia!) e da dificuldade em traduzi-la para a linguagem, seja verbal ou escrita. Consegui captar o sentido daquela afirmação, e me incomodei.
Alguns amigos mais próximos conhecem minha estreita e intensa relação com as letras. Meus olhos as consomem democraticamente, minha curiosidade voraz suplanta qualquer preconceito. Leio tudo ou, ao menos, começo a ler.
Já minha relação com a escrita se dá de maneira mais sensorial, quase fisiológica. Pode parecer chavão, mas é verdade que nunca planejei escrever. Em certa hora da adolescência, o "hormônio da expressão" emergiu e demandou o compartilhar de meus processos interiores. O que fervilhava em minha mente, coração, enfim, em meu corpo, precisava se tornar público. Está aqui ratificado que o que falei não é chavão. Conheça-me: eu, em minha personalidade reservada e meio tímida, nunca pensaria em publicar algo. Mas foi o preço a ser pago, e até hoje recebo troco...
Tudo isso foi para se ter uma idéia de como a afirmação de meu professor me desconcertou. Se há coisas que a palavra não alcança, por um momento me senti descartável, sem função no mundo. E condenado à "morte". Se é pela escrita que consigo traduzir o que minha vocação pessoal exige, que fim me espera?
Bom, a aula era de Linguagens Não-Verbais, então não era tão catastrófico assim. De qualquer forma, chegaremos a um ponto em que a palavra não alcança? Sim. Em relação ao amor.
Lembro de uma cena do filme "Melhor é impossível" em que o personagem de Jack Nicholson (um escritor) está num fluxo de criação defronte ao computador, com a inspiração sendo cristalizada na tela do Word e um êxtase percorrendo toda a sua magnífica interpretação (não foi à toa que ganhou o Oscar). Ele vai concluir o parágrafo iluminado com a definição do amor: "O amor é..." TOC! TOC! TOC! Ele tenta ignorar as batidas na porta e prosseguir: "O amor é..." TOC! TOC! TOC! TOC! TOC! TOC! Exasperado, ele se levanta e já abre a porta "espinafrando" o personagem que cometera sacrilégio contra o ser escritor, berrando que aquele é o trabalho dele, que ele não pode ser interrompido assim etc e tal. Depois da briga, ele tenta retomar o êxtase, mas é tarde. Coito interrompido, iluminação apagada. Foi-se a definição do amor.
É isso. É impossível definir o amor. Adoramos as letras de Chico Buarque, Vinícius de Moraes e tantos outros poetas, mas o que admiramos mesmo é a maneira genial com que eles falam do amor e do que ele proporciona. Nenhum deles se atreve a dizer "o amor é...". Nem as figurinhas do "Amar é..." se atreviam: davam exemplos práticos da (suposta) expressão do amor. Mas nada que configurasse a definição do amor.
O amor é adjetivado, vivido, comparado em diversas fases dos relacionamentos, mas nunca definido. "Amor é isso, e ponto". Ponto, uma vírgula! Vá você ter a pretensão de definir o amor, pensando engavetá-lo para que lhe seja mais previsível e não saia da sua caixa de Pandora. O amor é. Aí sim, ponto. Ponto inicial. O reconhecimento dessa incapacidade de se definir o amor é o renovo supremo. São menos dores de cabeça, menos ilusões, menos frustrações, mais realidade e gozo.
Há coisas que a palavra não alcança. Lá está o amor, soberano, rindo de maneira nobre dos plebeus que insistem no empacotamento cognitivo/sensorial de sua essência. A própria Escritura diz que "Deus é amor", e não o contrário. O fato é que estamos com o foco errado. Em vez de nos maravilharmos com os imensos limites humanos, singulares toda vida, queremos surrupiar os mistérios eternos. Assim é a dança do amor, na qual pisamos no pé do parceiro freqüentemente. Com masoquismo.
quinta-feira, 30 de setembro de 2004
quinta-feira, 23 de setembro de 2004
"Você está aqui!"
A opressão do consumo simbolizada pelo shopping me dava boas-vindas, com sorriso irônico. Que os funcionários não fiquem com a consciência pesada, mas é a cultura do lugar. Para que serve um shopping? Para compra e venda, nada além disso. Diversão? As pessoas se divertem comprando, outras ficam felizes vendendo. Cinemas (que vendem ingressos) são secundários, e o pretexto de encontrar amigos também está permeado pelo espírito consumista. Muitas críticas e apologias já foram feitas nesse aspecto, mas o objetivo aqui é constatar.
Ou melhor: contextualizar. Não vou analisar mentalidades, comportamentos, filosofias de vida. Fato é que estava no shopping, como tantas vezes estive (tanto que nem lembro o que eu fui fazer lá dessa vez. Talvez compras!). Precisei achar uma loja que não sabia onde ficava, e apelei para um objeto típico de shopping: o mapa do piso. Aquele em que as lojas viram centenas de quadradinhos coloridos, e que as portas, escadas rolantes, extintores e demais elementos do lugar viram desenhos achatados. Afinal, é um mapa!
Esses mapas são cada vez mais modernos, com animações em flash e design publicitário, pra ficarmos babando. Encarnam a tendência tecnológica de trazer para a ponta de nossos dedos o que era cinema de ficção científica até ano passado. Não sabia se brincava um pouco ou via logo onde era a loja. Lazer ou pragmatismo? Subjetividade ou objetividade? Estavam ali, piscando e languidamente se oferecendo a mim em forma de mapa de piso de shopping, questões com as quais nos deparamos todo dia.
Mas de tanta informação sobre a intimidade do shopping, qual seria a mais importante? Não só para aquele meu momento, mas de maneira atemporal? Nem pensei muito: era aquele pontinho vermelho com a histórica frase "Você está aqui".
É a informação mais importante de nossas vidas. De nada adianta o performático mapa se aquele pontinho vermelho e sua legenda não estiverem destacados. Se eu não sei onde estou, que referências adiantam? Que adianta saber aonde ir, seguir conselhos e direções, ouvir os mais experientes, conhecer os caminhos? Preciso saber onde estou.
E se me arrancam aquele pontinho? Um mapa flutuante judiando de meu desespero "desinformativo". Estou num limbo. Não quero isso, quero sentido (se possível, direção), quero significado ainda que seja impossível de percebê-lo em primeiro plano. Quero saber onde estou, é um direito tão elementar quanto o de ir e vir. Aliás, sem o primeiro não há o último.
Minha digitadora pessoal e secretária quando há negociação (minha irmã) quase capitulou ao perceber que um pontinho de mapa de shopping vira crônica. "Só você mesmo". Só eu mesmo? Só mesmo o pontinho. A exclamação que não me deixa perdido e me metaforiza todo, ela é a culpada. Exclamação universal, desconcertante de leitores-passantes-comprantes. Suprema ironia do shopping: nenhum dinheiro do mundo substitui a informação vital daquele pontinho. Rendamo-nos à simplicidade que ele insiste em nos ensinar.
A opressão do consumo simbolizada pelo shopping me dava boas-vindas, com sorriso irônico. Que os funcionários não fiquem com a consciência pesada, mas é a cultura do lugar. Para que serve um shopping? Para compra e venda, nada além disso. Diversão? As pessoas se divertem comprando, outras ficam felizes vendendo. Cinemas (que vendem ingressos) são secundários, e o pretexto de encontrar amigos também está permeado pelo espírito consumista. Muitas críticas e apologias já foram feitas nesse aspecto, mas o objetivo aqui é constatar.
Ou melhor: contextualizar. Não vou analisar mentalidades, comportamentos, filosofias de vida. Fato é que estava no shopping, como tantas vezes estive (tanto que nem lembro o que eu fui fazer lá dessa vez. Talvez compras!). Precisei achar uma loja que não sabia onde ficava, e apelei para um objeto típico de shopping: o mapa do piso. Aquele em que as lojas viram centenas de quadradinhos coloridos, e que as portas, escadas rolantes, extintores e demais elementos do lugar viram desenhos achatados. Afinal, é um mapa!
Esses mapas são cada vez mais modernos, com animações em flash e design publicitário, pra ficarmos babando. Encarnam a tendência tecnológica de trazer para a ponta de nossos dedos o que era cinema de ficção científica até ano passado. Não sabia se brincava um pouco ou via logo onde era a loja. Lazer ou pragmatismo? Subjetividade ou objetividade? Estavam ali, piscando e languidamente se oferecendo a mim em forma de mapa de piso de shopping, questões com as quais nos deparamos todo dia.
Mas de tanta informação sobre a intimidade do shopping, qual seria a mais importante? Não só para aquele meu momento, mas de maneira atemporal? Nem pensei muito: era aquele pontinho vermelho com a histórica frase "Você está aqui".
É a informação mais importante de nossas vidas. De nada adianta o performático mapa se aquele pontinho vermelho e sua legenda não estiverem destacados. Se eu não sei onde estou, que referências adiantam? Que adianta saber aonde ir, seguir conselhos e direções, ouvir os mais experientes, conhecer os caminhos? Preciso saber onde estou.
E se me arrancam aquele pontinho? Um mapa flutuante judiando de meu desespero "desinformativo". Estou num limbo. Não quero isso, quero sentido (se possível, direção), quero significado ainda que seja impossível de percebê-lo em primeiro plano. Quero saber onde estou, é um direito tão elementar quanto o de ir e vir. Aliás, sem o primeiro não há o último.
Minha digitadora pessoal e secretária quando há negociação (minha irmã) quase capitulou ao perceber que um pontinho de mapa de shopping vira crônica. "Só você mesmo". Só eu mesmo? Só mesmo o pontinho. A exclamação que não me deixa perdido e me metaforiza todo, ela é a culpada. Exclamação universal, desconcertante de leitores-passantes-comprantes. Suprema ironia do shopping: nenhum dinheiro do mundo substitui a informação vital daquele pontinho. Rendamo-nos à simplicidade que ele insiste em nos ensinar.
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