quinta-feira, 7 de outubro de 2004

Impopularidade autêntica e assumida

Meu mau humor me encoraja. É ele quem (com o perdão da expressão chula) me dá os "colhões" a mais que me permitem enfrentar com veemência e sem tanta reserva o que me incomoda. Só de ter escrito uma expressão dessas logo na segunda linha demonstra o que quero dizer.

Minha alergia me guia ao mau humor. A paciência se esgota na proporção do nível de poeira, da multiplicidade de espirros (que sugam minha energia) e nas inconvenientes e reincidentes corizas. Nenhum remédio parece fazer efeito, os lenços acabam antes do necessário. Sou tolhido de minhas necessidades básicas e importunado em relação a outras - concentração para ler, disposição para escrever - me levando de maneira inevitável ao mau humor.

De mau humor não admito que me atendam mal na lanchonete, e dou as costas para não pagar por um mau serviço. De mau humor não aceito o santinho de um político crápula, e se ele ali estivesse, diria na sua cara: "clientelista!". De mau humor, estar sozinho é estar mal acompanhado; acompanhado, é pessimamente acompanhado. De mau humor, o murmúrio é o idioma oficial, e reivindico involuntariamente um exílio justificável.

De mau humor não há mascaras, sejam as hipócritas ou as necessárias para um cotidiano bem educado. De mau humor minha cara se auto-define, e passem ao largo os discordantes. Assumir sem rodeios o que está sentindo no momento, numa "autenticidade em neón" com o risco de machucar. Essa é a encarnação da coragem que o mau humor me proporciona. Colhões.

De mau humor enumero meus inimigos mentalmente e da mesma forma realizo crueldades com eles. Normalmente eles merecem, mas meu senso piedoso sempre dá um jeito. A menos que eu esteja de mau humor. Imagino-me humilhando cada um deles com irrefutáveis argumentos, desconstruindo seus defeitos em público, e nem me passa pela cabeça que façam o mesmo comigo. O mau humor é insuportável para seu portador, por isso ele não vê outra escolha senão pseudo-atravancar os que pseudo-atravancam seu caminho. É democraticamente insensato, suicida e psicologicamente demolidor.

De mau humor eu não me agüento, e me agüentaria menos se não escrevesse sobre isso. De mau humor faço um texto mau-humorado como esse, sem me preocupar tanto com possíveis leitores. É preciso dormir e deixar o estopim alérgico arrefecer, para retornar de cara lisa com o diplomático teatro nosso de cada dia.

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