Engenheiro, dentista, jornalista, ser humano...
Fazendo hora para o filme começar no Espaço de Cinema, em Botafogo, dirigi-me ao balcão que oferece vários prospectos gratuitos. Peguei um sobre oficinas de escrita, outro que era um vale-ingresso para um documentário e outro sobre o bloco de carnaval da Preta Gil. Não os escolhi aleatoriamente: para cada um, pensei em uma pessoa específica que gostaria muito de saber do conteúdo daqueles prospectos (ok, o da Preta Gil eu peguei só pra sacanear mesmo).
É inevitável: existe algum mecanismo dentro de mim que sempre identifica automaticamente quem gostaria (ou teria muito a ver) com aquele prospecto, aquele livro, aquele CD, aquele DVD, aquele qualquer coisa. Vejo sim, o que me interessa. Mas também fico interessado em levar aquilo a quem vai se interessar muito mais do que eu.
É um processo que, ao menos no primeiro momento (aquele momento em que as idéias, ainda na sala de parto, não levaram o tapa da razão e da nossa personalidade), não faz distinção dos possíveis beneficiários. Já me flagrei pensando: "Esse livro tem tudo a ver com Fulano de Tal, ele vai gostar" e logo em seguida lembrar que Fulano de Tal é um especialista em me atormentar o juízo.
Tal mecanismo parece ter alguma relação com a "economia da dádiva", conceito elaborado por Marcel Mauss que conheço superficialmente. Segundo a Wikipedia (ambiente mais do que apropriado para falar sobre o conceito), nesse sistema é assim:
"presentes ou serviços que se apresentariam à primeira vista na forma de ofertas voluntárias fazem parte de uma organização que torna a reciprocidade uma obrigação. É importante ressaltar que não há equivalência, mas sempre ofertas cada vez maiores, num pacto onde um dos indivíduos sempre está em dívida com outro."
Algo parecido saiu da boca de ninguém menos que Jesus Cristo, conforme narra o evangelho de Lucas, capítulo 6, verso 38:
"Dai, e dar-se-vos-á; boa medida, recalcada, sacudida, transbordante, generosamente vos darão; porque com a medida com que tiverdes medido vos medirão também."
Correndo o risco de parecer demagógico, não penso em reciprocidade quando o tal mecanismo é acionado. Realmente me sinto bem se fizer chegar às mãos de outra pessoa algo que vai ao encontro do momento e das expectativas dela. Isso vale para presentes e para informações, que quando chegam em boa hora é como gole de água fresca no calor.
Observando o mecanismo reparo que minha grande alegria é fazer pontes. É registrar a necessidade de alguém, sentir a memória acessando-a no exato momento em que a solução correspondente aparece e ir correndo ao tal alguém pra dar as boas novas. Dever cumprido, eu sossego.
Fazer pontes: isso é coisa de engenheiro. Ou dentista. Profissões que eu nunca exerceria. Não deixa de ser coisa de jornalista também (ufa!). Mas eu nunca aprendi ou apreendi o tal mecanismo em qualquer faculdade. Apenas constatei. Parafraseando Chico Buarque, só sei que vou prosseguir, tijolo por tijolo num desenho lógico (ou mágico) contruindo minhas Golden Gates.
2 comentários:
Oi Lessa!!! Fazer pontes também é coisa de bibliotecário... (olha só eu puxando sardinha pro meu lado... rsrsrs....) Eu me identifiquei muito com este texto pois, como você, “não penso em reciprocidade [...]. Realmente me sinto bem se fizer chegar às mãos de outra pessoa algo que vai ao encontro do momento e das expectativas dela”. rsrsrs... Muito bom! :-)) bjs
Hahahah
Vc está certa, Marcinha. Tanto por ser coisa de bibliotecário como pelo fato de sempre recebermos, p.ex., um providencial email com alguma dica sua...
Bjs!
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