As tirinhas do Dilbert cumprem um papel importantíssimo em nossa sociedade, assim como o seriado The Office: satirizar as situações do cotidiano do mundo corporativo. As empresas é que começaram com essa história de distribuir seus empregados em baias, cada um com seu canto e seu computador, durante oito (ou mais) horas por dia.
Mas esse tipo de ambiente não se conteve nas empresas. Redações de jornal, vários setores prestadores de serviço, e até a velha repartição pública já se encontram modernizados - ao menos no layout do andar e no enfurnamento de seus funcionários.
Dilbert e The Office falam de inúmeras questões do mundo corporativo, mas muitas de suas piadas referem-se ao ambiente físico do trabalho, nessa convivência obrigatória, e obrigatoriamente civilizada, com tanta gente desconhecida tão perto de nós.
É muito estranho, em plena era da mobilidade tecnológica (e de um individualismo exacerbado) que sejamos obrigados a trabalhar como na época da revolução industrial do século XIX: todo mundo na sua mesinha, apertando seus variados tipos de parafusos, junto de todo mundo.
Então eu corro.
Calma, não saio desembestado do edifício, destrambelhado das ideias e de minhas necessidades socioeconômicas. Por três vezes na semana tenho o hábito de correr. E se em algum momento eu me desconecto da realidade, é enquanto dou minhas humildes passadas.
Sempre invejei aqueles que conseguem se desligar do seu ambiente de trabalho e das emoções vividas (ou trancafiadas) durante as oito horas. Pessoas que parecem desligar um botão ON/OFF que possuem no cérebro e que simplesmente só voltam a ligá-lo na manhã seguinte, assim que adentram o famigerado trabalho. Nunca consegui ser assim, até correr.
A inquietação com a obrigatoriedade de trabalhar num mesmo lugar, pelo mesmo espaço de tempo, todos os dias, me faz preferir o ônibus ao metrô, só para não me entocar em outro ambiente obrigatoriamente fechado. Não é fobia, é vontade de estar ao ar livre e com paisagem, só isso.
E quando corro me preocupo apenas com a passada certa, a respiração adequada, o gole d'água sem me encher demais, a vontade de chegar até o fim daquele percurso ao qual me propus a fazer.
Correr é uma atividade física recomendada pelos médicos, mas hoje percebo que esse é um objetivo secundário no meu hobby. Que na verdade não possui objetivo nenhum, somente obedecer as regras do frescobol: não há disputa, nem vencedores, nem vencidos. Corro sozinho, por correr e por agora perceber que é quando me desligo.
Correr é tudo o que não posso fazer em oito horas de escritório. Lá, tudo pede minha imobilidade: qualquer tarefa requer um computador, ou o seu ramal, ou apenas estar ali para que possam contar com você ao ver sua cabeça sobressaindo sobre a baia, mesmo sentado. Só saio dali para as salas de reunião, onde novamente ficarei sentado, parado.
Também não corro do escritório. Sei que ele tem a sua função e, até as relações (não os direitos) trabalhistas mudarem, não há muito o que divagar sobre o que eu poderia estar fazendo lá fora durante aquelas oito horas. Isso só me traz murmuração e me desarma de fazer do escri um lugar menos cinza. (Um dia penso em poder trabalhar de bermuda e fazer a sesta depois do almoço, mas isso é outra história.)
No entanto logo depois, ainda em pleno horário do rush, não estou no trânsito ou fazendo serão. Estou correndo, e totalmente desligado. Correndo porque quero, para onde quero, como eu quero, quando quero. Não é isso a liberdade?
Talvez aí esteja o segredo. Para mim, correr é a métafora perfeita para a liberdade, com seu gostinho de quero sempre que a torna incomparável. Daí desligo-me de todo o resto que não atenda a esse chamado libertário. E começo a entender porque, após uma exaustiva corrida, sinto-me mais leve e completamente renovado - das forças e das ideias.
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