quinta-feira, 7 de maio de 2009

Por isso eu corro demais

As tirinhas do Dilbert cumprem um papel importantíssimo em nossa sociedade, assim como o seriado The Office: satirizar as situações do cotidiano do mundo corporativo. As empresas é que começaram com essa história de distribuir seus empregados em baias, cada um com seu canto e seu computador, durante oito (ou mais) horas por dia.

Mas esse tipo de ambiente não se conteve nas empresas. Redações de jornal, vários setores prestadores de serviço, e até a velha repartição pública já se encontram modernizados - ao menos no layout do andar e no enfurnamento de seus funcionários.

Dilbert e The Office falam de inúmeras questões do mundo corporativo, mas muitas de suas piadas referem-se ao ambiente físico do trabalho, nessa convivência obrigatória, e obrigatoriamente civilizada, com tanta gente desconhecida tão perto de nós.

É muito estranho, em plena era da mobilidade tecnológica (e de um individualismo exacerbado) que sejamos obrigados a trabalhar como na época da revolução industrial do século XIX: todo mundo na sua mesinha, apertando seus variados tipos de parafusos, junto de todo mundo.

Então eu corro.

Calma, não saio desembestado do edifício, destrambelhado das ideias e de minhas necessidades socioeconômicas. Por três vezes na semana tenho o hábito de correr. E se em algum momento eu me desconecto da realidade, é enquanto dou minhas humildes passadas.

Sempre invejei aqueles que conseguem se desligar do seu ambiente de trabalho e das emoções vividas (ou trancafiadas) durante as oito horas. Pessoas que parecem desligar um botão ON/OFF que possuem no cérebro e que simplesmente só voltam a ligá-lo na manhã seguinte, assim que adentram o famigerado trabalho. Nunca consegui ser assim, até correr.

A inquietação com a obrigatoriedade de trabalhar num mesmo lugar, pelo mesmo espaço de tempo, todos os dias, me faz preferir o ônibus ao metrô, só para não me entocar em outro ambiente obrigatoriamente fechado. Não é fobia, é vontade de estar ao ar livre e com paisagem, só isso.

E quando corro me preocupo apenas com a passada certa, a respiração adequada, o gole d'água sem me encher demais, a vontade de chegar até o fim daquele percurso ao qual me propus a fazer.

Correr é uma atividade física recomendada pelos médicos, mas hoje percebo que esse é um objetivo secundário no meu hobby. Que na verdade não possui objetivo nenhum, somente obedecer as regras do frescobol: não há disputa, nem vencedores, nem vencidos. Corro sozinho, por correr e por agora perceber que é quando me desligo.

Correr é tudo o que não posso fazer em oito horas de escritório. Lá, tudo pede minha imobilidade: qualquer tarefa requer um computador, ou o seu ramal, ou apenas estar ali para que possam contar com você ao ver sua cabeça sobressaindo sobre a baia, mesmo sentado. Só saio dali para as salas de reunião, onde novamente ficarei sentado, parado.

Também não corro do escritório. Sei que ele tem a sua função e, até as relações (não os direitos) trabalhistas mudarem, não há muito o que divagar sobre o que eu poderia estar fazendo lá fora durante aquelas oito horas. Isso só me traz murmuração e me desarma de fazer do escri um lugar menos cinza. (Um dia penso em poder trabalhar de bermuda e fazer a sesta depois do almoço, mas isso é outra história.)

No entanto logo depois, ainda em pleno horário do rush, não estou no trânsito ou fazendo serão. Estou correndo, e totalmente desligado. Correndo porque quero, para onde quero, como eu quero, quando quero. Não é isso a liberdade?

Talvez aí esteja o segredo. Para mim, correr é a métafora perfeita para a liberdade, com seu gostinho de quero sempre que a torna incomparável. Daí desligo-me de todo o resto que não atenda a esse chamado libertário. E começo a entender porque, após uma exaustiva corrida, sinto-me mais leve e completamente renovado - das forças e das ideias.

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quarta-feira, 6 de maio de 2009

Hello, goodbye




“Eles me tiraram tudo, Joe! Tudo! Até a inspiração!”

A frase poderia estar em qualquer roteiro de Hollywood, numa seqüência dramática, com o ator quase chegando às lágrimas, caracterizando um belo clichê. Mas é essa fala nada original que resume o meu sentimento em relação às empresas de telecomunicações instaladas no Brasilzão.

Atire a primeira queixa no Procon quem nunca teve problema com as operadoras de telefonia. Poderosíssimas, mexem com tudo: telefone fixo, celular, TV a cabo, internet... Um “polvo” da convergência tecnológica e, sobretudo, do poder quase absoluto sobre essa tecnologia.

Eu, que já fui à justiça contra a Oi devido à inoperância do Velox na hora que mais precisei (ganhei, obviamente. Os meganhas já chegaram com um acordo e o rabo entre as pernas), voltei ao aborrecimento num sábado. À tarde, novamente o problema que originou a ida aos tribunais. No 0800, uma explicação nada convincente: falha na rede da região (mais uma!), que estava em reparo até as 17h. Curioso é que moro na rua de uma das sedes da Oi.

Às duas da madruga, louco pra postar no blog após outra insônia, nada de conexão. A frustração por me sentir excluído, ainda mais após tanto dissabor judiciário, somava-se à raiva pela operadora e por seu desserviço ter espantado minha inspiração para o texto. Word é maldito prêmio de consolação.

Mas resolvi resgatar informações de um seminário sobre telecomunicações que assisti em novembro. A Lei da Radiodifusão em vigor no país é de 1962. Avançadíssima para época, hoje é mantida jurássica para que os donos do poder midiático (que se confundem com os do poder do Estado, vide o bigodão) não sejam incomodados.

Com a bandida privatização das telecomunicações no país, em 1997, foi criada a Lei Geral de Telecomunicações (LGT), que mantém a situação da radiodifusão inalterada. Com um detalhe: apenas o telefone fixo está sob regime público. Ou seja, as operadoras só são obrigadas a garantir para toda a população o telefone fixo. E apenas em relação a isso podem ser cobradas pelo Estado, que chancelou a LGT.

Os demais serviços (celular, cabo, internet) estão sob regime privado. Isto é: não possuem a obrigação de universalizar o acesso de toda a população a esses serviços. Logo, não podem ser cobrados pelo Estado por isso. Só se movem aonde houver mercado consumidor que retorne o investimento feito (com lucro), o que é normal para uma empresa.

Porém o Estado, por meio da LGT forjada sob os lobbies das operadoras, permitiu que elas ignorem a maioria da população. Mesmo em se tratando do serviço básico de garantir que as pessoas se comuniquem no mundo atual. E sequer pensam em oferecer tarifas mais baratas.

Assim, cerca de 2 mil municípios brasileiros (são 5.564 ao todo) não possuem telefonia celular. Desses 2 mil, 600 contam com apenas uma operadora, sem a tal concorrência arvorada com ardor pelo livre mercado. Somente 400 municípios possuem banda larga.

Quer um exemplo? Rumemos para Japeri, distrito do Rio de Janeiro, com quase 93 mil habitantes. Só 10% deles possuem telefone fixo. Os demais, quanto muito, um celular “pai-de-santo”: só recebe, pois o minuto de uma ligação de celular é caro até pra quem pode pagar.

Meu problema de falta de conexão parece pequeno diante desse contexto. Mas a raiva pelas operadoras todo-poderosas aumenta. A única coisa que podemos fazer (ou ao menos a mais acessível e com resultado), é registrar queixas na Anatel e entrar na justiça contra elas se a reincidência e o atendimento que não resolve persiste. Não queremos banalizar o judiciário, mas banalizaram nosso desejo de nos comunicarmos decentemente, independente da nossa renda.

Aliás, só podemos entrar na justiça contra elas baseados, claro, no Código de Defesa do Consumidor. Só não podemos nos esquecer: o direito do cidadão à comunicação está acima do direito do consumidor.

sábado, 2 de maio de 2009

Saúde!

Foi associação imediata. Ao ler que Felipe Calderón, presidente do México, determinou que a população passe cinco dias em casa a partir de sexta-feira (1º de maio), para evitar maior contágio da nova gripe, lembrei imediatamente do livro Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago. A declaração do presidente só confirmou: "Não há lugar mais seguro do que o seu próprio lar para evitar ser infectado pelo vírus".

Para quem não leu ou não conhece, o livro do escritor português fala de uma epidemia de cegueira que assola a população mundial, sem razão aparente. Na impossibilidade de encontrarem a causa ou a cura, as tentativas de controle da epidemia vão se esvaindo até chegar ao absurdo de confinar as pessoas - no caso, os infectados - para evitar maior contágio.

Ainda não se sabe a causa ou a cura da nova gripe, e isso traz o desespero primeiro aos mexicanos; depois, ao resto do mundo, devidamente globalizado. O que fazer? A Espanha relatou o primeiro caso na Europa de um paciente que contraiu a doença sem ter ido ao México, o que ilustra o perigo do contágio entre pessoas.

A possibilidade do vírus se contrair com o da gripe aviária pode causar um novo desenrolar trágico. Enquanto isso, a imprensa e os governos não sabem qual o tom a adotar: um alarmista que pode causar mais pânico ou um precavido que pode sonegar informações importantes para o momento.

O meio-ambiente já flerta com o apocalipse desde o relatório do IPCC sobre as mudanças climáticas. Agora, uma nova peste pode surgir, e a Europa de séculos atrás sabe bem o que é isso.

A nova gripe, assim como o castelo de cartas da crise financeira, mostra como a sensação de segurança que teimamos em querer manter é pura cortina de fumaça. Ok, não dá pra vivermos neuróticos, mas é inevitável que uma (não tão) simples gripe nos leve a refletir sobre nossa finitude humana.

Sim, acabaremos. Não falo da humanidade, mas individualmente. E então, o que fazer com esse tempo que a cada dia nos resta menos? Se formos levados pela fábula de José Saramago, é o momento de egoísmos inconseqüentes aflorarem a torto e a direito.

Mas, ao contrário do que muitos pensam, o ser humano tem a possibilidade de escolher. Cada um de nós pode escolher ser menos mesquinho, mais solidário, mais consciente de que nossa curta existência na Terra pode ser muito mais significativa do que estamos acostumados.

E se individualmente acabaremos, individualmente podemos deixar de ser tão individualistas, sem precisar de grandes causas ideológicas para isso. Tão somente a pequena causa do cotidiano, que cada um pode aplicar a sua vida.

Desculpem se o texto pareceu simplista, não foi essa a intenção. Mas a certeza do fim não é nada complicada, ao contrário do que fazer antes dele. Não tenho respostas, mas inquietações. Não posso resolvê-las facilmente, mas compartilhá-las. Não posso prometer nada, só tentar cumprir.