sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

A seca da chuva



Não aguento mais o noticiário sobre as chuvas, e não é de hoje. As mesmas imagens, os mesmos relatos, os mesmos dramas, o mesmo esquecimento assim que a temporada de aguaceiro passa. Quase nenhuma reportagem foge do lugar comum de colocar a natureza como vilã: "Chuvas castigam a região tal...".

Fato é que sempre choveu na face da Terra, e os terráqueos é que se organizaram nela para morar. Só que ficamos "na seca" quando esperamos que a imprensa varie um pouco a lenga-lenga e toque na ferida: afinal, o que o poder público fez (ou não fez) para que hoje situações de calamidade pública se tornassem corriqueiras após as chuvas nas regiões urbanas?

Uma rara exceção é a série de reportagens do Yahoo! Notícias sobre as enchentes em São Paulo (quem disse que na internet não há bom jornalismo?). Ali é mostrado como os governos de São Paulo dos últimos 30 anos não se preocuparam com a ocupação das margens dos rios Tietê e Pinheiros. E isso vale tanto para os moradores de baixa renda quanto para as grandes empresas que ali se instalaram.

O fenômeno da impermeabilização da beira dos rios, que impede o escoamento das águas, é explicado com clareza. As prefeituras e governos estaduais paulistas ficam ainda mais em xeque quando se constata que até uma escola municipal foi construída ao lado do Tietê. Ou quando autorizaram a construção de conjuntos habitacionais em região pantanosa. Mesmo os moradores de baixa renda têm acesso a serviços públicos, ou seja, o poder público sabia o que estava acontecendo. Um curralzinho de votos não faz mal a ninguém, certo?

(E não se enganem: o mesmo fenômeno acontecerá no Rio de Janeiro, em regiões nobres como a Barra da Tijuca, o Recreio dos Bandeirantes e Jacarepaguá, também repletas de terrenos pantanosos igualmente repletos de novos empreendimentos.)

A reportagem ainda mostra que a remoção dos habitantes da região é carregada de insensibilidade na abordagem por parte dos técnicos da prefeitura. E que os moradores dos tais conjuntos habitacionais de classe média sequer serão incomodados, ainda que seus prédios contribuam igualmente para a impermeabilização dos rios.

Para solucionar o problema das enchentes, todo o tipo de obra necessária seria subterrânea. Como no Japão, onde piscinas foram construídas embaixo da terra para escoar as águas. Além da retirada de detridos que aumentam o assoreamento no fundo do rio, facilitando que ele transborde e rompa as barragens."Um rio só se corrige se você parar de agredi-lo", conta um dos integrantes do Comitê Gestor da Área de Proteção Ambiental. Quanto às obras, ainda deixa a pergunta: "qual político no Brasil vai investir numa obra que ninguém vai ver?".

Portanto, senhor Gilberto Kassab e senhor José Serra: o que vocês estão fazendo hoje para que não sejam culpados pelos sucessores?

Um comentário:

Cris Crespo disse...

Parabéns pela excelente crítica, Lessa! Concordo totalmente com você. Gostaria que este seu texto estivesse nas primeiras páginas dos principais jornais e revistas e em negrito! Mas o bom jornalismo está escasso ou então o jornalismo de má qualidade está em alta (é provável). A verdade é que está difícil se manter informado atualmente. É tanta baboseira que cansa e desanima. Não é possível que apenas desgraças aconteçam ou, conforme um amigo meu questinou no meu blog, "a sociedade que gosta de assistir a tragédias?". E, neste caso das chuvas, conforme você mesmo escreveu, "não é de hoje" que isso acontece. A imcopetência é dos nossos governates e nossa, mas não da chuva. Da vontade de viver numa bolha mesmo. rs

Abraços,

Cris