A crueldade desconhecida
Sou homem, branco, magro, heterossexual, classe média, carioca, cristão ocidental e ainda não cheguei aos 30. Por outro lado, já trabalhei com atendimento ao público, do mais ralé ao mais ricaço.
(O começo deste artigo é meio doido, mas chega em algum lugar, prometo.)
Descrevi minhas características acima porque me dei conta que faço parte de uma casta rara: os que não sofrem os preconceitos mais frequentes dos tempos atuais. Não conheço, na pele e por conta própria, como é ser segregado publicamente, do humor a todo tipo de violência.
As mulheres penam contra o machismo dominante; os negros continuam em sua luta pelo básico, mostrar que a raça é uma só, humana; os gordos viraram piada pronta; os homossexuais, mesmo com toda capacidade de articulação e acesso à mídia, ainda sofrem violência por sua opção; os pobres, cada vez mais marginalizados.
Também os adeptos de alguma religião diferente da tradicional bradam pela liberdade de expressão; aqueles que não são da terra da Globo têm que aturar novelas e programas apenas com o sotaque chiado; e sou público-alvo de todo o tipo de publicidade, estando longe de ser descartado da vida funcional.
Porém mesmo sem ter a chance de sofrer preconceitos do tipo, posso dizer que sei como é isso. E é o que qualquer um saberia se trabalhasse um mês no atendimento ao público de algum setor. Estar do lado de dentro do balcão (de informações, de venda, de guichês) faz você experimentar, em algum momento, e por alguma razão (por mais louca que seja) como é ser excluído, menosprezado, ignorado.
Você pode se esforçar e ter consciência das limitações que te impedem de dar o seu melhor - e isso pode ser inútil. Algumas pessoas compreendem, mas muitas chegam sem paciência e não enxergam nada além do próprio interesse. Já sabem o que querem ouvir, e ai de você se disser algo diferente!
No atendimento ao público você se sente moído por uma cruel engrenagem: a de enxergar o lado de quem você está atendendo e da instituição que é obrigada a realizar o atendimento. É sua a responsabilidade de conciliar os objetivos de ambos, sejam bem ou mal intencionados. Se em você existe alguma sensibilidade e bom senso, eles serão testados diariamente.
E durante esse processo você se sente um pária. Sente-se sozinho na sua árdua tarefa de querer trabalhar direito. Isolado. Marginalizado. Humilhado. Não é fácil, a não ser que você opte pela indiferença radicalizada, temperada às vezes pelo cinismo. Mas você não estaria sendo você mesmo...
Eu disse que esse artigo chegaria a algum lugar. Ele me levou ao cantinho da solidariedade que alimenta o desejo, quase obsceno para os dias de então, de não julgar para não ser julgado, e amar ao próximo como a mim mesmo. Sem politicamente correto, por favor.
Um comentário:
É inacreditável como algumas pessoas utilizam o (ridículo!) poder, por estarem do lado de dentro do balcão... Lessa, este texto é excelente! Abs, Marcia Bettencourt
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