terça-feira, 7 de setembro de 2010

As lições da licença - parte 2

Se por um lado ficar no estaleiro por dois meses me trouxe reflexões socio-políticas, por outro me ajudou a enxergar a loucura do cotidiano com muita sanidade. Determinadas atitudes que fui forçado a encampar enquanto machucado valeram como um retiro quase espiritual.

Com o gesso e duas muletas - era proibido pisar com o pé ruim - a tarefa de me levantar da cama ou do sofá passava longe de ser das mais simples. Requeria força para me sustentar desde o primeiro impulso. E muita disposição para levar a cabo o que eu tinha em mente. A única opção era ser perseverante naquele objetivo, ainda que não estivesse nas condições ideais, ou então não sairia do lugar.

Percebi também que era uma roubada completa retornar à cama e ter esquecido alguma coisa, ou de fazer algo. O cansaço dificultava que eu levantasse novamente. Precisei incorporar um detalhado planejamento de tudo o que precisava fazer antes de começar a saga. Isso valeu até para voltar a andar na rua. Mochila nas costas, muleta na mão e um árduo percurso entre o banco, o metrô, o médico e muito, muito suor. Deixar uma etapa de lado era um dia perdido.

Retornei ao trabalho, com as responsabilidades que me cabem e a restrição de horários: resolver coisas e pagar contas, só na hora do almoço ou à noite. E não tem como voltarmos nos mesmo ritmo. Fora as informações nas quais é preciso ser atualizado, saí de um estado de letargia que meus colegas não passaram nos últimos meses.

Mas é incrível como a inércia é um princípio da Física que se aplica ao nosso estado emocional. Lembra quando estamos no ônibus, ele dá uma freada e você continua na velocidade anterior, quase batendo o seu nariz no banco da frente?

Assim acontece no cotidiano. A gente entra na onda de um monte de pseudo-urgências, encara uma sequência de tarefinhas como uma epopéia em que está em jogo nosso sucesso, vê monstros que na verdade não passam de uma revoada de insetos mesquinhos... Peraí, é isso que me tira o sono tantas vezes durante o ano?

A inércia também me possibilitou perceber essas coisas porque o meu "ônibus" estava avariado por dois meses, e agora retorna ao tráfego em câmera lenta, reparando em todos os seus exageros. O esforço para não reforçar o quadro se renova. Bom mesmo é não exagerar na dose.

2 comentários:

Rev. Evaldo Beranger disse...

Pois é Lessa, talvez seja esta a principal lição Shabath judaico ou o nosso sábado. Semanalmente, desaceleramos e nos conectamos de novo com o ritmo das coisas, da vida, da natureza, estas coisas que os fundamentalistas chamam de "nova era" podem ser as pedras clamando pelo resgate do descanso sabático. Se não paramos prá respirar, somos parados... Deus sabe.

Marcos André Lessa disse...

É verdae. Muito antes do Domenico de Masi, o próprio Deus inaugurou o ócio criativo, em plena Criação...