sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O aborto de cérebros

"Mas será que nem no Dia das Crianças vão parar de falar em aborto?", perguntava Tutty Vasques antes do dia 12 de outubro. O tema, que surge nos jornais somente como pretexto para sangrar este ou aquele candidato, mais uma vez tornou-se onipresente. O debate sobre o aborto inexiste, mas será que alguém está de fato preocupado com isso?

Como é de praxe neste blog, jogo limpo com os leitores. Sou contra a prática do aborto e contra qualquer legalização pura e simples que favoreça a banalização do tema. Mas o que tem me tirado do sério é a postura de boa parte dos evangélicos na hora de construir o país que queremos.

Não bastasse a cultura, o entretenimento e o modo de vida norte-americanos, agora também importamos o fundamentalismo religioso. O sincretismo que sempre foi (e ainda é) traço marcante da nossa nação permitia que as religiões convivessem no mesmo território. Não vou exagerar dizendo que o convívio demonstrava amabilidade ou admiração mútuas. Mas não havia uma animosidade à flor da pele, muitas vezes criando preconceitos onde não existia.

O problema é que, na mesma proporção em que a parcela evangélica crescia na população brasileira, surgiam seus desvios de conduta. Nada diferente do que já tinha ocorrido com os católicos e, se fizerem um levantamento nas religiões de políticos e líderes controversos ou questionáveis, veremos novamente o sincretismo brasileiro ali representado.

Mas o grande problema mesmo é que os evangélicos conseguiram acesso à concessões públicas de rádio e TV, possibilitando que o eco de suas palavras alcançasse mais e mais pessoas, direta e indiretamente. E uma das principais consequências disso é a ascensão de líderes e políticos com mentalidade de gueto, que têm como objetivo a supremacia evangélica sobre a sociedade. Se isso penalizar a construção de uma cidadania plena e igualitária, não estão nem aí.

A retórica desse pessoal é conhecida. Um de seus principais representantes é o pastor Silas Malafaia, que se transformou numa espécie de oráculo para evangélicos de todas as denominações, opinando sobre projetos de lei e opções políticas. A conciliação possível não lhe agrada. Efetuar palavras de ordem com supostos fundamentos bíblicos, com verve polemista, sim. O que ainda arrebanha mais gente para suas causas.

Isso não me pertence!

Anteontem, Dilma se reuniu com 50 representantes evangélicos para assumir o compromisso de vetar qualquer tentativa de legalização do aborto. É possível que ganhe os votos conservadores que perdeu em meio aos terrorismos virais da internet. Dá pra se ter uma ideia de como é a influência dessas lideranças no eleitorado evangélico.

O incrível é que eles exigem da candidata (fizeram isso com Serra?) um compromisso público e por escrito que não aprovará leis contrárias ao que eles querem. É isso mesmo: admitiram que querem privilégios e supremacia sobre o resto da sociedade. O que esses mesmos líderes diriam se uma comitiva homossexual fizesse o mesmo? Ou de umbandistas?

É um absurdo do ponto de vista democrático e cidadão e muito ultrajante para mim, cristão evangélico desde a infância, ver que são esses os líderes do rebanho brasileiro atual. Quero afirmar categoricamente que eles não me representam, e que há muitos com uma mentalidade cristã antenada com os tempos atuais, sem deixar de seguir o Evangelho de Cristo, e que nada têm a ver com essa corja.

É o pessoal dos Novos Diálogos, gente que segue a Trilha, que se diverte com o Pavablog e anda pelo Caminho da Graça, só pra ficar em alguns exemplos. Gente que não só crê num Deus Todo-Poderoso, como procura viver sabendo que Ele é Todo-Poderoso e pronto.

Os líderes que foram pressionar Dilma acham que suas leis, seus poderes terrenos e seus fundamentalismos que coagem tantos vão mudar valores, corações e atitudes. Estão errados, só Deus é capaz disso, e Ele não depende de nenhum arcabouço legal ou político para fazê-lo. Aliás, os passos de Jesus quando entre nós demonstram o oposto, denunciando o farisaísmo hipócrita.

Então, quando você vir a palavra evangélico em qualquer meio de comunicação, saiba que ela carrega um asterisco discordante do qual este blog é testemunha.

Um comentário:

GRAÇA TORRES disse...

pensei muito em tudo que estamos vivendo como evangelicos e como cidadãos