quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

De Paris a Nova York

Não sei quanto a você, mas me parece emblemática a cessão do terreno da quadra da Unidos da Tijuca, atual campeã do Carnaval carioca,  para a construção de cinco (!) Trump Towers. Um popular reduto do samba vai dar lugar a um complexo corporativo do topetudo milionário. Assim tem caminhado o Rio de Janeiro. Se pelos idos de 1900 o prefeito Pereira Passos botou tudo abaixo pra virarmos Paris, nosso alcaide atual prepara (ou vende?) o terreno pra virarmos Nova York.

É difícil dizer o que é ser carioca, ou explicar o que é o Rio de Janeiro para nós. Além do imaginário midiático, cada um vai ter a sua experiência da cidade para defendê-la conforme sua percepção. Independente disso, passamos por um momento parecido com o do começo do século XX.

A Belle Époque francesa atraiu governantes, engenheiros e arquitetos à Cidade-Luz, que em meio aos ideais modernos exalava para todo o mundo: "este é o modelo de cidade". O Rio de Janeiro de então era cheio de cortiços, conforme muito bem narrado por Aluisio de Azevedo. A vida urbana se resumia a algumas ruas do centro da cidade, conforme muito bem narrado por Machado de Assis.

A hoje tão tradicional Avenida Rio Branco surgiu como Avenida Central, sendo o símbolo das mudanças urbanas de Pereira Passos, conhecido como o prefeito do "bota-abaixo". Assim como hoje, muitas pessoas foram desalojadas para o progresso tomar conta do espaço público. Além das avenidas, prédios e praças também viraram paisagem do Rio, na missão de ser como Paris. (Buenos Aires foi ainda mais longe nesse sentido)

Sujeira, doenças e "falta de civilidade" eram os pecados da cidade dos cortiços, que passou por uma senhora "limpeza" transformadora. E hoje?

É certo que desde Cesar Maia os prefeitos do Rio têm a ambição de serem lembrados como Pereira Passos (e Juscelino Kubitschek, por que não?). Querem deixar sua marca em concreto, pra alegria das empreiteiras doadoras de campanha. Eduardo Paes com Porto Maravilha, Parque Madureira e afins não foge à regra.

Mas o que se vê hoje é uma sanha especuladora, aproveitando o vácuo das Olimpíadas e a consequente visibilidade internacional (ainda maior) do Rio. Já somos a cidade com transporte público e restaurantes mais caros, e os terrenos acompanham estratosfericamente a valorização geral. Até gente tradicionalmente neutra nos temas políticos se posicionou contra essa nova lógica.

O Maracanã, símbolo da alma carioca como templo do futebol, foi estuprado pela FIFA e prostituído com nossos impostos, em breve sendo entregue a uma empresa que nada gastou para isso. Seu entorno recebe o mesmo tratamento, e o próprio prefeito faz pouco caso das demandas de uma escola municipal modelo. Tudo em nome dos eventos. As torres de Donald Trump, bem como o píer em Y, são obras rejeitadas por especialistas e pela população, mas ainda assim vão acontecer.

Assim como nos idos de 1900, o Rio de Janeiro vai se tornando outro. Boa parte da população estranha. Os governantes prosseguem inarredáveis. Poucos se dão bem com muitas obras. Os cariocas começam a perceber que sua cidade é pretexto para iniciativas obscuras.

O Rio de Janeiro sempre foi uma cidade da moda, mas nunca foi tão cara e volta a entrar num processo de descaracterização. Os moradores vão suportar isso, sendo ignorados em seus protestos? Ou seremos uma nova Nova York, cidade interessante só pra quem chega em busca de suas "atrações"?





Um comentário:

Rômulo Dias disse...

Uma das coisas interessantes nesta história é que Nova Iorque já quis ser Paris. A quinta avenida foi reestruturada nos moldes dos grandes bulevares franceses, no início do século XX.

De resto este é o Rio. Uma cidade que sempre foi dos outros e nunca será dos cariocas.