terça-feira, 17 de dezembro de 2013

A força d'água da minha torneira é uma reflexão comportamental

Eduardo Santos/Flickr
As visitas já nem se acanham em apontar o maior defeito do meu apartamento: a força d'água. Ou melhor, a fraqueza. Morando no último andar, com uma tubulação antiga que ainda não tive tempo monetário para trocar e com a caixa d'água colada no telhado, o resultado é esse mesmo. Mas lavar a louça com as gotinhas da torneira me ensinou que tipo de escolhas de vida podemos fazer.

Pra quem está acostumado com a correnteza normal do encanamento, é só deixar a louça suja embaixo da bica e regular o volume d'água na torneira. A cachoeira vai fazer o serviço que lhe cabe, ou seja, enxaguar pra tirar o excesso de sujeira ou o sabão.

Eu não tenho essa sorte. Preciso abrir as duas torneiras para conseguir o máximo de H2O possível, e fechá-las sempre que quiser cerrar a fonte. Não dá pra ficar na passividade aguardando o aguaceirinho irrigar por completo minha louça, sob pena de cultivar varizes (ou raízes no chão da minha cozinha). Enquanto a água cai, fico "rebolando" pratos, copos e talheres pra lá e pra cá, repetidamente, até expurgar todo e qualquer resquício saponáceo.

Não adianta esperar pra ver se as coisas acontecem.

Escolher assistir os acontecimentos em vez de entrar em cena pode ser pesaroso e fonte de dor e murmúrios.

Exercícios são resultantes de nossa iniciativa, bem como seus resultados.

Com tal fraqueza d'água, fica inviável lavar a louça todos os dias e ter a pia sempre impecável. Quando fazia isso sentia uma tortura voluntária, que roubava meu tempo em casa após um dia de trabalho. E ao sujar tudo de novo no lanche da noite me vinha uma frustração existencialista: "pra que tudo isso, afinal?". Melhor deixar acumular e lavar tudo de uma vez só.

Mesmo o maior perfeccionismo vai encontrar limites mais fortes que sua sanha por controle.

A falta de tempo para curtir o ócio ou o lazer é resultado de nossas escolhas, sempre.

Esteja pronto para de repente não estar pronto e assim, precisar mudar sua estratégia.

A desvantagem de acumular é que a pia fica menor. Dentro da cuba, ao lado das torneiras, na bancada perto do filtro... Tudo está loteado pela louça que voltou da guerra. Tradicionalmente eu ensaboaria tudo de uma vez para enxaguar tudo de uma vez para secar tudo de uma vez. Com o "aquífero miserê" tal operação é geograficamente inviável. Não há espaço para separar o joio do trigo, isto é, os pré-limpos dos mal lavados. É preciso fazer por partes, levando mais tempo até terminar.

Por melhores que sejam a tecnologia e as práticas operacionais, a paciência sempre vai requerer o seu lugar.

Encontrar seus limites pode significar um salto de aprendizado autodidata.

A procrastinação é maldita. Mas nem tudo precisa ser resolvido com pressa.

Normalmente eu secaria a louça toda para guardá-la no armário. Mas é muita coisa, afinal estamos falando dos resquícios de uma semana completa. Ademais, eu não vou usar tudo novamente de uma só vez. Dá pra deixar no escorredor e confiar na ação da temperatura e até de uma brisa que costuma frequentar minha cozinha.

Embora o esforço seja necessário, esforçar-se mais do que o necessário não é necessário.

Quando tentamos resolver tudo sozinhos e por nossa conta, esquecemos de fatores (e tecnologias) que estão ali para nos ajudar, negligenciados.

Um dia ainda conto como é lavar roupa aqui em casa.

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