Definida a meta pessoal para o fim de 2013: voltar a jogar futebol. Isso foi há alguns meses. Não lembro quando, mas pouco depois apareciam um calo no dedão, uma dor no calcanhar, outra no peito do pé - que se revezavam entre o esquerdo e o direito. Tal um involuntário Adriano, nunca consigo estar pronto para entrar em campo, confiante e garantindo a confiança dos companheiros. Acho que meus pés querem me dizer alguma coisa, porém ainda não decifrei o quê.
Comecei a pensar nisso durante meu exame periódico, uma exigência da empresa aonde trabalho (ou poderia chamar de privilégio obrigatório, já que tanto a consulta quanto os exames são gratuitos). Enquanto respondia feliz que não, não tinha alergia a medicamentos, nem fazia tratamentos continuados ou tinha passado por cirurgias, vi que não passaria invicto na sabatina da saúde.
Meus pés estavam ali, em repouso mas praguejando baixinho. E esgrimindo minha consciência, caso eu resolvesse deixar passar a informação sobre as dores. Devem ter ficado felizes ao serem lembrados com destaque, talvez orgulhosos de me fazer refém.
Imagino como eles se sentem. Depois de serem explorados amadoramente em corridas de rua três vezes por semana, foram alforriados por uma protusão na coluna (enquanto descrevo meus revezes ortopédicos sinto-me com 87 anos). Nada de impactos vertebrais, no que a corrida era uma especialista. Logo, natação.
Cai n'água pra de lá não mais sair. Além de viverem refrescando-se fazendo um tipo de hidroginástica, meus pés ainda receberam mimos do médico, efeitos colaterais do tratamento da coluna. "Você precisa usar sapatos com algum tipo de salto, como sapatos sociais. Os sapatênis são muito baixos e não absorvem o impacto". Ganharam roupa nova e tudo, os danados.
Felizes, vez por outra trabalhando os músculos sustentando pés de pato, meus pés aproveitavam a mordomia possível para quem é a plataforma de todo o corpo. Até que eu resolvi dizer em voz alta que voltaria a jogar futebol até o fim do ano.
A notícia chegou até a ponta dos dedos como uma bomba. Meus pés já se viam apertados em chuteiras depois de tantos anos de aposentadoria indiferente. No verão, estariam calorosamente envoltos em meias grossas e gazes pra reforçar a articulação do tornozelo. Entrariam de cabeça em divididas leais ou desastradas. Fariam múltiplos ataques suicidas a bolas de couro, uma vez por semana.
Sem contar o flashback do dia em que encontraram uma mureta em alta velocidade aos 60 segundos de minha última pelada disputada. Está lá o calo ósseo pra comprovar (Calo ósseo... Cadê meus netos???).
Logo começou a sabotagem. O calo inédito, ironicamente fruto do sapato social caro que adquiri; o calcanhar que repuxava quando fazia os alongamentos de sempre, melhorando após algumas sessões de fisioterapia para piorar assim que eu o imaginava curado; a dor no peito do pé, que só chiava, ora veja, quando eu fazia o movimento... do chute.
Seriam meus pés sadomasoquistas? Afinal, apesar de serem meus, eram eles que sentiam a dor. "No pain, no gain" devia ser o seu mantra. Sua missão: fazer com que eu esquecesse o delírio ludopédico.
Nunca pensei que tal coisa fosse possível, mas acho que estou jogando xadrez contra meus próprios pés. Ou talvez boxe, em que a estratégia deles seria a mesma de Muhammad Ali: me cansar até o nocaute a seu favor.
Eles só não contavam com o retorno do Maracanã, o título do Flamengo e a fome de bola inerente à maioria dos brasileiros. Ou tudo isso junto numa reação química que resulta em pura força de vontade para deixar meus pés perfeitos para serem castigados atrás da pelota (pelo visto, o sadomasoquista sou eu).
"Viver é ir lentamente se distanciando dos pés", dizia Verissimo em uma de suas belas crônicas. Pois eu preciso me reaproximar deles, reconquistá-los, e lhes convencer de seu importante papel na minha realização pessoal. A saber, ser o máximo de jogador de futebol que puder.
(*) Trocadilho com o jogo de videogame Pro Evolution Soccer, um dos melhores de futebol, cuja sigla é PES
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